Regime nazista instrumentalizou cinema até o fim da Segunda Guerra

O cinema foi um dos pilares da máquina de propaganda nazista. Nas últimas semanas do conflito e com o país em ruínas, filmes eram exibidos normalmente ao público. Produções da época ignoravam iminente derrota.

    
Hitler no cinema em 1933 Hitler no cinema em 1933

O cinema foi um elemento importante da máquina de propaganda nazista entre 1933 e 1945. De todas as artes, a cinematografia foi a mais usada pela elite nacional-socialista em torno de Adolf Hitler e Joseph Goebbels. Mesmo em abril de 1945, quando grande parte da Alemanha já estava em ruínas, filmes de entretenimento e propaganda ainda eram exibidos em grandes salas na Berlim já destruída.

“Houve uma ‘guerra total’ também em relação aos filmes”, afirma Rainer Rother, diretor do museu de cinema e televisão Deutsche Kinemathek e autor do livro Zeitbilder – Films des National-Sozialismus (“Tempo em imagens – Filmes do nacional-socialismo”, em tradução literal).

Poucos meses antes do final da guerra, era preciso entreter a população e ao mesmo tempo fortalecer a crença do “Endsieg”, a “vitória final”. Segundo Rothers, a produção cinematográfica alemã prosseguiu em 1944, “inclusive com queixas do Ministério da Propaganda de que o número de filmes não era suficiente. Houve um esforço muito claro para manter sua produção e continuá-la em um nível alto, para garantir o suprimento básico”.

Apesar de os bombardeios às cidades alemães serem cada vez mais intensos, o regime queria que a população fosse aos cinemas. “Isso certamente está relacionado ao fato de o cinema ser considerado um fator que poderia manter a satisfação ou a aceitação entre a população”, acrescenta Rother.

Dois tipos de filmes deveriam ajudar a manter viva essa “satisfação”: produções de entretenimento para distrair as pessoas do cotidiano da guerra e filmes de propaganda nazista para a “manter a perseverança” dos soldados na linha de combate e dos apoiadores dentro do país.

Filmes leves e divertidos

A maior parte da produção era de filmes de entretenimento. “Nos últimos anos da guerra, os objetivos foram claramente mais redirecionados para filmes leves, de diversão”, conta Rother, lembrando que isso fora diferente na década de 1930. “Depois que a guerra começou até cerca de 1942, houve um verdadeiro boom de filmes de propaganda”, acrescenta o especialista.

No momento em que a situação na guerra ficou crítica, “isto foi avaliado como contraproducente e a estratégia mudou. Passaram a ser produzidos relativamente poucos filmes de propaganda e houve uma ênfase muito maior aos de entretenimento”.

Portanto, a tática foi alienação até o fim. Do ponto de vista de hoje, isso é insano. Um povo inteiro, manipulado durante anos pela ideologia nazista e que, em grande parte enveredou voluntariamente pelo caminho da guerra e da destruição, que vivenciou o racismo e o antissemitismo, deveria ser motivado nos últimos meses da guerra usando operetas e melodramas, em meio a escombros e mortes.

Cena de Unter den Brücken Cena de Unter den Brücken

Vários filmes daquele tempo sobreviveram até hoje. “A gama de filmes de entretenimento que foram feitos nos estúdios da UFA e em outras produtoras foi ampla”, diz Rother, que cita o diretor Helmut Käutner como exemplo. “Seu maravilhoso filme Unter den Brücken [Sob as pontes, em tradução literal], um romance que se afasta completamente da guerra, é certamente um de seus filmes mais fortes”.

A obra só estreou depois da guerra, no festival de Locarno. Mas essa foi uma exceção. Típicas foram as produções musicais e operetas como A mulher dos meus sonhos, com Marika Rökk, lançado em meados de 1944.

Até o final da guerra, o cinema alemão continuou apostando em diversão e entretenimento. “A vontade de agitar parecia esgotada”, escreveu Karsten Witte em História do Cinema Alemão. “Após a derrota em Stalingrado, os melodramas retornaram. Resignação, esteticismo, diálogos leves e música suave voltaram a prevalecer”.

Propaganda foi elemento central do cinema alemão até 1945

Mas esse foi apenas um dos aspectos da política cinematográfica nazista, embora fosse o dominante. “Até o fim do regime, o cinema permaneceu um produto de concessões, tendo de servir às funções conflitantes do entretenimento e da propaganda, satisfazer interesses e gostos diferentes, e transmitir tanto as tendências populistas quanto as posições ideológicas”, escreve Sabine Hake, professora universitária nos EUA e na Alemanha, em seu livro sobre a história cinematográfica alemã. A ideologia, segundo a especialista, continuou sendo um “componente central” do cinema nazista.

O monumental filme de propaganda alemão Kolberg é particularmente notório por querer fortalecer a perseverança de espectadores e soldados na frente de batalha. “Kolberg certamente teve a intenção de servir de sinal por parte do ministério da Propaganda”, diz Rother, descrevendo a produção do diretor Veit Harlan (de Jud Süss) apresentada nas últimas semanas da guerra tanto ao público alemão quanto aos soldados no front.

O filme trazia outra mensagem em sua essência: se por um lado era um apelo à perseverança dos alemães, por outro lado também transmitia um indício de que a guerra já estava perdida. “Não creio que este filme fosse associado exclusivamente ao fato de despertar o espírito de resistência da população e assim provocar uma reviravolta da guerra no último minuto”, opina Rother.

Kolberg, que chegou aos cinemas pouco antes da iminente derrota do regime nazista, possivelmente também trazia outra mensagem em sua bagagem, uma para a posteridade, que continha uma “expectativa de morte” irracional e fatalista, como em muitos filmes melodramáticos, diz Rother.

Talvez valha a pena lembrar nestes dias em que se celebra eventos de 75 anos atrás que a ideologia nazista continua latente em algumas pessoas. Esta é uma das razões pelas quais filmes como Jud Süss e Kolberg ainda pertencem aos chamados “filmes com ressalvas” na Alemanha e sua exibição normal em cinemas é proibida.

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