Rendição marca fim do Império Romano do Ocidente
Flávio Rômulo Augusto, chamado ironicamente de “Augústulo” (pequeno Augusto), nasceu em 461 em Ravena e foi o último imperador romano do Ocidente (475-476). Curiosamente, carregava o nome do fundador e primeiro rei de Roma (Rômulo) e do primeiro imperador, Augusto.
Era filho do general Flávio Orestes e assumiu o trono levado por seu pai. No entanto, o imperador romano do Oriente, Zenon, não o reconhecia como tal. A pressão dos hérulos – tribo germânica originária do sul da Escandinávia – reclamando a entrega de terras do centro da península itálica provocou a queda de Rômulo que contava com apenas 15 anos. Em seu lugar, o general hérulo Odoacro reclamou o trono da Itália, confinando Rômulo em Lucullanum, na baía de Nápoles. A data de sua morte é desconhecida embora existam alguns indícios de que poderia ter vivido até as décadas de 520 ou 530.
Este fato levou numerosos historiadores a considerá-lo como o marco do início da Idade Média. Embora Odoacro tenha reivindicado o trono da Itália não mostrou interesse em aspirar à dignidade imperial, reconhecendo o imperador romano do Oriente, sediado em Constantinopla, como o único imperador. Este episódio serviu como justificativa jurídica aos imperadores de Bizâncio para se considerarem como os legítimos soberanos do Império Romano e eventualmente tentar a reconquista dos territórios ocidentais ocupados pelos reinos bárbaros.
A versão tradicional do fim da Antiguidade foi que a desintegração política e militar do poder romano acarretou a ruína de sua civilização. Desde Santo Agostinho até o século XXI predominou a ideia de que as culturas mostram uma evolução similar à dos seres vivos e que sua decadência é a fase final.
Edward Gibbon, em sua monumental “História do declínio e queda do Império Romano”, recebeu da historiografia anterior um legado muito mediatizado pela religião. Neste panorama de profunda revisão, Gibbon fez sua a exposição de motivos de Tácito e desenvolveu sua obra partindo da ideia, à época já adiantada por Montesquieu em sua “Considerações sobre as Causas da Grandeza dos Romanos e de sua Decadência” (1734), de que a perda da “virtude republicana” foi a causa fundamental da decadência do império. Gibbon defende que após a Idade de Ouro dos Ulpi-Aélios inicia-se a decadência, o começo dos triunfos dos bárbaros e dos cristãos, o momento em que a irracionalidade ocupa o poder.
O russo Mikhail Rostovtzeff em sua influente obra “Social and Economic History of the Roman Empire (Oxford, 1926) realizou a primeira explicação sistemática da crise imperial com uma metodologia concreta porém muito condicionadas pelas experiências pessoais – a I Guerra Mundial e a Revolução Bolchevique. Manteve o mesmo esquema de Gibbon, substituindo, no entanto, as religiosas pelas econômicas. Pelas mãos de Rostovzeff se retomou Max Weber, estudando-se os fenômenos econômicos seguidos fundamentalmente pela historiografía marxista.
mesmo conceito de fundo de Gibbon que levaria outro importante historiador como André Piganiol a dizer que “a civilização romana não morreu de morte natural. Foi assassinada”.
[Flávio Rômulo abdica do trono para o chefe militar germânico Odoacro]
Os traços mais importantes da teoria tradicional da “decadência do Império Romano” podem resumir-se em sete pontos:
1) Ruína econômica: depreciação monetária, carestia e contração da atividade, em especial a comercial, o que conduziu à autarquia;
2) Guerras civis e intensificação das rapinas de uma soldadesca cada vez mais barbarizada;
3) Pragas de pestes e despovoação;
4) Desordens internas, revoltas sociais, bandidagem terrestre e marítima;
5) Abandono de terras e expansão da vinculação pessoal dos camponeses – colonato, condição dos agricultores que, sem serem escravos, estavam ligados à terra perpetuamente;
6) Lutas pelo poder entre exércitos bárbaros e representantes civis romanos pela direção do Estado, com vitória dos militares;
7) Destruição das classes privilegiadas e imposição do domínio do campo sobre a cidade.
O conceito de decadência implica necessariamente um juízo de valor que sustenta toda uma filosofia de história. Humanistas e iluministas pretenderam “dissipar a escuridão das Idade das Trevas” para redescobrir uma Antiguidade pretensamente luminosa, a existente até a morte de Marco Aurélio.
O Baixo Império, com o triunfo do cristianismo e do absolutismo, era desdenhado pelos filósofos ilustrados como um período de barbárie, tirania e superstição.
Fonte: Ópera Mundi