Revolução educacional iniciada há quase 30 anos em Sobral ainda é sonho no país

Aposta cearense nas políticas educacionais faltou ao restante das redes, mas perspectiva é promissora, avaliam especialistas

Escola Municipal Gerardo Rodrigues, Sobral (CE)
Escola Municipal Gerardo Rodrigues, Sobral (CE) – Foto: Divulgação
Há 26 anos, uma avaliação da Secretaria de Educação de Sobral, no interior do Ceará, detectou um grave problema: menos da metade dos alunos de até 8 anos sabia ler. O diagnóstico deu início a uma grande reestruturação na rede e, dentro de alguns anos, as mudanças fariam da cidade uma referência nacional em educação.

A experiência municipal acabou inspirando o estado cearense a se transformar numa potência educacional, mas só há pouco tempo o modelo passou a ser exportado para outras redes do país, que patinam na busca por melhores índices de aprendizagem.

Mais do que as ideias, analistas apontam que o fundamental no sucesso do Ceará foi o compromisso do estado em desenhar, fazer ajustes e só se satisfazer quando a aprendizagem começou a melhorar — o que faltou na maior parte das administrações estaduais e municipais Brasil afora.

— Queremos transformar essa experiência do Ceará em uma política nacional — disse o ministro da Educação, Camilo Santana, no 7º Congresso Internacional de Jornalismo de Educação, da Jeduca (Associação de Jornalistas de Educação), na última terça-feira.

Pesquisador da Fundação Getúlio Vargas e conhecedor profundo do caso cearense, Fernando Abrucio avalia que há cinco pilares que garantiram esses resultados no estado: continuidade na política apesar de mudanças de governo; envolvimento de múltiplos atores, como sociedade civil local, organismos de pesquisa e fundações empresariais; incentivos para competição entre escolas, mas também (e ainda mais importante) para cooperação entre elas; combinação de profissionais políticos e técnicos; e uma parceria forte entre escolas e secretarias de educação.

— Os cinco aspectos faltaram no restante do Brasil, mas a continuidade em especial. Mesmo São Paulo, que teve um período longo de governos do mesmo partido, viveu constantes descontinuidades na política educacional — diz.

O começo em sobral
Pelas ruas de Sobral, é comum sentir o orgulho dos moradores da cidade pelo famoso sistema educacional na cidade. Mas essa revolução, iniciada no final dos anos 1990, não foi sem disputas: uma das primeiras medidas foi a demissão de todos diretores das escolas por indicações políticas e determinar a escolha baseada na capacidade técnica, avaliada em uma rigorosa seleção. Somado a isso, a rede municipal adotou um sistema de supervisão e acompanhamento dos gestores educacionais e traçou metas, como alfabetizar todas as crianças, reduzir o abandono escolar para menos de 5% e eliminar a distorção idade-série no ensino fundamental.

— São duas dimensões importantes: política e técnica. O foco foi alfabetizar crianças na idade certa por profissionais qualificados. Hoje há um sistema de ensino que tem bom currículo, frequentes avaliações, material estruturado e formação de professores embasada nesse material — avalia o gerente de políticas educacionais do Todos pela Educação, Ivan Gontijo.

A base do que foi feito na cidade construiu, no Ceará, o Programa de Alfabetização na Idade Certa (Paic), em 2007. Cinco anos depois, o programa virou nacional, durando até 2018. Segundo um estudo do Inep (que chegou a ser censurado pelo governo Bolsorano), ele acelerou a aprendizagem com um investimento de, na época, R$ 2,6 bilhões. Desde 2020, 15 outros estados já criaram programas inspirados no Paic para suas redes.

— Esses programas nos estados são heterogêneos ainda. Dos 15, uns sete ou oito vão ter resultados mais rápidos. Mas se todos continuarem num espaço de dois governos, os resultados são mais promissores — avalia Abrucio. — Se acontecer isso, a gente ganha umas 20 posições no Pisa (principal avaliação internacional de aprendizagem com 77 países; na última edição, o Brasil ocupou a 57ª posição em leitura).

O que faltou na maior parte do país fez com que a cidade de Sobral ocupasse sempre as primeiras colocações do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), principal medidor de desempenho dos estudantes do Ministério da Educação. Mesmo assim, os desafios continuam.

— Estamos sempre estabelecendo metas. Temos mais de 30% dos alunos em tempo integral e queremos oferecer para toda a rede até o ano que vem. Não tem gastos exorbitantes. Aplicamos esse método de avaliação, com gestão eficaz. O que acho importante para o resto do país é o profissionalismo. A política compromete a qualidade — explica o prefeito de Sobral, Ivo Gomes.

Os resultados jogaram holofotes em nomes como o de Izolda Cela, que passou da Secretaria de Educação do município para a do estado e, hoje, é secretária-executiva do MEC; e Maurício Holanda, que fez o mesmo trajeto de Izolda e está à frente da Articulação Intersetorial do MEC. Ao GLOBO, Santana afirmou que a nacionalização de uma das políticas educacionais mais notórias aplicadas no Ceará começou em junho, quando ele lançou o Compromisso Nacional Criança Alfabetizada — política similar ao Paic.

— Focar nas metas da educação básica é o que vai fazer a gente melhorar. Alfabetização das crianças, ampliação do ensino integral e do ensino técnico-profissionalizante e bolsa de formação para que os alunos não abandonem o ensino médio são alguns dos anúncios já feitos. Educação não muda de uma hora para outra. É um processo continuado — disse o ministro.

Com o sucesso da política educacional do Ceará, inspirada em Sobral, 77 cidades do estado estavam entre as 100 melhores no Ideb de 2019, o último sem a influência da pandemia, que prejudicou a coleta desses dados. Além disso, outras redes estaduais têm conseguido se destacar em diferentes aspectos, como a do Espírito Santo, a de Pernambuco e a do Piauí, além de algumas prefeituras, como Jundiaí e Teresina.

Contudo, analistas afirmam que “sobralizar” o Brasil não será fácil e exigirá das equipes estratégias pensadas para um cenário de grave desigualdade social, aprofundada na pandemia de Covid-19. Além de boas práticas, será preciso aumentar o nível de investimento.

Gasto por aluno baixo
O último relatório Education at a Glance, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que avalia dados e políticas educacionais a nível global, colocou o Brasil como um dos países que menos investem na educação básica. De acordo com o documento, o país injeta R$ 17,7 mil por aluno anualmente. Em um ranking de 41 nações, fica apenas à frente do México e da África do Sul nesse quesito. Também vai mal na oferta e adesão ao ensino profissionalizante e aparece com um alto número de jovens que não estuda nem trabalha.

— O orçamento que a Educação possui hoje é insuficiente. Precisamos recompor o que perdemos e acrescentar mais recursos. E isso só será possível com ajuda do Congresso e da Fazenda, com recursos generosos — afirma o avaliador do Inep Rodrigo Bouyer.

De acordo com Camilo Santana, aumentar o investimento não vai, necessariamente, melhorar os resultados educacionais. É preciso, ele lembra, gestão, como no Ceará, que obteve sucesso sem estar entre os estados que mais investem na área.

— Temos estados e municípios brasileiros que recebem menos (verba do) Fundeb, mas apresentam resultados bons, outros recebem mais e têm um resultado ruim. Então, não é só a questão do recurso, também é governança e modelo pedagógico — diz.

Segundo a OCDE, Luxemburgo é o que mais investe em educação básica, com R$ 130 mil anuais por aluno. O cálculo envolve todos os recursos destinados à educação pública, divididos pelo total de matrículas no ensino fundamental e no médio. Vizinhos sul-americanos como Argentina (R$ 19 mil) e Colômbia (R$ 21 mil) apresentaram investimentos superiores ao Brasil.

Na avaliação da ex-presidente do Inep Maria Helena de Castro, a posição do Brasil no ranking valor/aluno pode ser explicada pelos baixos salários dos professores. Segundo ela, o país deve subir números no próximo relatório porque a última edição usou dados de 2020. Em 2022, o piso da educação teve reajuste de 33%, mesmo que muitas redes não tenham efetivado o aumento.

— Já houve um aumento no investimento, mas ainda tímido e insuficiente para nossas necessidades — diz Castro, que lamenta que o governo ainda tenha de enfrentar obstáculos identificados há décadas. — É inacreditável o Brasil chegar a 2023 ainda com problemas de alfabetização.

 

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