Um episódio quase folclórico mostra a imensa dificuldade da Justiça de reduzir os índices de encarceramento no país e escapar da armadilha da burocratização, que a impele a proferir sentenças automáticas.
O caso
No Paraná, a Defensoria Pública pediu a liberdade provisória de um assistido, sem pagamento de fiança. O Ministério Público concordou com o pedido. Defesa e acusação concordaram que o assistido não tinha condições de pagar o exigido, por uma razão simples: estava desempregado e não tinha outra fonte de renda. E seria impossível a ele apresentar a chamada prova negativa: provar que estava desempregado.
Movimento 1 – 1ª instância
O juiz concedeu a liberdade provisória, desde que fosse paga a fiança. A Defensoria recusou a oferta, porque o assistido não tinha recursos para pagar a fiança. O juiz concluiu, então, que problema não era a falta de recursos, mas a recusa da Defensoria em aceitar uma proposta que o réu não estava em condições de atender. E ordenou a substituição do defensor por não estar defendendo o réu.
Movimento 2 – o TJPR
A Defensoria Pública do Paraná impetrou então um mandado de segurança ao Tribunal de Justiça do estado. O MP voltou a concordar com sua posição, defesa e acusação em posição unânime. Mas o TJPR negou provimentro.
Movimento 3 – O STJ
A Defensoria, então, interpôs recurso ordinária em mandado de segurança junto ao Superior Tribunal de Justiça. Mais uma vez, o MP concordou. O STJ negou e manteve a Defensoria fora do caso. A Defensoria Pública da União, que assumiu o caso quando chegou ao STJ, interpôs Recurso Extraordinário (RE) e Agravo em Recurso Especial (ARE) junto ao Supremo Tribunal Federal.
Movimento 4 – o STF
A ARE 1224170 foi distribuída à Ministra Rosa Weber, autora, semana passada, de um discurso histórico contra a prisão após condenação em 2ª instância. A Ministra negou seguimento à ação. Ou seja, uma Ministra capaz de discurso tão eloquente sobre aspectos teóricos do direito, foi incapaz de entender, em um caso absolutamente simples, onde estava o direito.
A DPU agravou da decisão e foi acompanhada pela Associação Nacional dos Defensores Públicos, que pediu o ingresso no caso como amicus curiae.
A Ministra, então, submeteu o tema ao colegiado virtual, com voto pelo desprovimento do agravo.
Tudo isso porque um preso não tinha como provar que, não tendo emprego e renda, não tinha como pagar fiança para ser solto. Simples assim. É um anônimo a mais, um dado a mais na estatística que será utilizada por Ministros justiceiros do Supremo para exemplificar que a decisão de não prender após julgamento em 2ª instância só beneficia os ricos.
Decididamente, o que mais falta no sistema judiciário é capacidade de discernimento.