Rua Chile está agonizando em Salvador
Do glamour antigo dos idos anos 1940/50 e 60 da tão decantada boêmia e histórica Rua Chile não resta mais nada. Por muitos anos a via se tornou o point principal da juventude, onde os jovens ficavam parados nas portas das lojas, enquanto as moças desfilavam sorrateiramente trajando roupas da última moda à época e timidamente flertavam.
Fundada em 1549 por Tomé de Souza e, inicialmente, chamada de Rua Direita dos Mercadores, a Chile também teve outros nomes como Rua Direita do Palácio, porque todo poder da cidade estava concentrado nela. Mas o nome atual foi uma homenagem da Câmara Municipal à visita da esquadra da Marinha de Guerra do Chile que havia desfilado na cidade e, na época, era a terceira maior do mundo.
Para a historiadora, escritora e presidente do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB), Consuelo Pondé de Sena, que viveu em sua juventude, toda esta época de grande charme da via, a Rua Chile “está morta”. Um dos motivos foi “o deslocamento da cidade para outro polo, que é o Iguatemi”, declarou.
O Shopping Iguatemi foi criado em 1975 e com isto, de acordo com a historiadora “os bancos, os cinemas, os consultóriosmédicos, escritórios advocatícios e comércio se deslocaram para esta parte da cidade, que atualmente é a Avenida Tancredo Neves, considerada a Avenida Paulista da Bahia”, relatou.
A escritora fala dos encantos da Rua Chile, com suas lojas especializadas de tecidos, roupas masculinas, do hotel Palace, onde se hospedavam artistas que vinham a Salvador para shows. Ela conta que era um comércio fino, a exemplo das Lojas Sloper que vendia perfumes, joias, vestuários e utensílios femininos como lenços, bolsas e chapéus e também a primeira loja de departamento de Salvador, Duas Américas, que comercializava tecidos e vestidos femininos e que inovou trazendo para a cidade a primeira escada rolante. No local havia também a Livraria Civilização Brasileira.
Saudosismo
Nestes anos idos e rua, segundo a historiadora, que foi uma das personagens deste tempo glamouroso, ela conheceu o seu falecidomarido, o neurologista Plínio Garcez de Sena, então estudante de Medicina, que junto com outros colegas de curso ficavam na porta da Sloper, ou no palácio Rio Branco, também era ponto de intelectuais.
“Era a passarela das moças. Nós saíamos da escola, eu e outras meninas, e pegávamos o bonde só para fazer a volta e paquerar .Foi assim que conheci meu marido”, conta a escritora, que lamenta a degradação atual da Rua Chile. Ela aponta, além da cidade ter avançado para o norte, também outras circunstâncias que causaram o fim dos tempos áureos da rua.
“A criação de lojas populares nos bairros também foi um dos motivos, pois antes só o bairro da Liberdade possuía um comércio próprio. Agora em todos os bairros há lojas de todos os tipos. O mesmo está acontecendo com a Baixa dos Sapateiros que está perdendo para as lojas populares dos bairros”, lamentou.
Consuelo Pondé não acredita que a Rua Chile possa se recuperar, mesmo com alguns atrativos atuais, como a mudança do tráfego de veículos – que agora sobem ao longo da rua e só descem a partir da Rua da Ajuda-, e a iminente construção de um grande hotel do Grupo Fasano, onde antes funcionava a antiga sede do Jornal A Tarde, em frente à Praça Castro Alves.”Não acredito que se restaure esta rua, jamais será como antes. Aquelas lembranças ficarão na memória das pessoas que alcançaram a época boa dela”, concluiu.
O aposentado Paulo Bahia Lago também recorda da sua juventude na Rua Chile. “Era o berço de Salvador, não havia shopping na época e o pessoal se distraía muito nesta rua. As mulheres vinham fazer compras na Sloper e na Casa Duas Américas e a juventude da época ficava na rua observando este movimento todo e acontecia muita paquera”.
Lago lembrou também do Hotel Palace que ficava quase em frente à Sloper, onde se hospedavam as pessoas mais importantes que chegavam na cidade e quase ao lado do hotel uma loja fina de roupas masculinas. Tudo isto dava uma movimentação especial na rua, segundo o aposentado.
Para ele a decadência da rua também está associada ao descaso dos poderes públicos. “Muito assalto, só prostituição, à noite não dá mesmo para passar aqui. Uma vez li que havia um projeto bom para esta rua, mas cadê este projeto?”, indagou.
Uma esperança
Há cerca de dez anos instalado em frente a um posto do Correio, próximo o Edifício Bráulio Xavier, o artesão paulista conhecido como Obá Carrinhos comercializa os pequenos carros feitos de madeira para crianças ou para enfeite em prateleira. “Aqui precisa melhorar, sábado e domingo então é horrível. Acho que o que poderia ajudar seriam os ônibus de turismo estacionar em frente à Praça Castro Alves, o que levaria os turistas a fazerem o percurso até o Pelourinho a pé, passando por aqui, mas isto depois de toda a infraestrutura necessária”, comentou.
O artesão sinaliza que uma das vistas mais lindas da cidade é a da Praça Castro Alves e, por isto no local deveria ter atividade para o turismo. “A praça está abandonada, o turismo só acontece do outro lado. É uma lástima que o local tenha se transformado em reduto de sacizeiros”, lamentou.
Para o economista Claudio Marconi Gouvea ainda há esperança se for feito um conjunto de obras. “O primeiro passo já foi dado com o Espaço Glauber Rocha, realmente é de primeiro mundo. No entanto, necessitamos de mais segurança nesta área e nossa expectativa é quando inaugurarem o Fasano a situação vai ter que melhorar mesmo, principalmente a segurança”.
Gouvea compara Salvador com outras cidades do país que até hoje conservam o centro histórico da cidade com cuidado. “Acho que um compromisso sério dos governantes deve ser com o centro da cidade para não acontecer o que aconteceu com Salvador. Outras cidades, observamos, há uma valorização no centro da cidade, que aqui não há”, desabafou.
Para quem anda pela Rua Chile pode observar que o comércio local se restringe a lojas de fotografia, de perfumes, farmácias, posto dos Correios e Telégrafos, restaurantes e ainda há uma agência do Bradesco, praticamente ao lado do prédio onde funciona a Fundação Gregório de Mattos, órgão da prefeitura municipal.
O funcionário público Dagoberto Lima comenta um detalhe interessante da rua. “Aqui neste prédio, em frente ao Serviço Social do Comércio (Sesc), ficava um grande banco, o Econômico. Lembro que no meu primeiro emprego, a empresa abriu conta nesta agência. No final dos anos 70 ainda tinha muita coisa boa aqui. Agora o espaço foi transformado em uma loja de bolos.
Acho que para revigorar a Chile tem que se tentar um comércio como de antigamente, com algo mais atraente para a população e os turistas”, pontuou.
Fonte: Tribuna