Saúde do rio, obras adicionais: entraves à transposição
Folha de S.Paulo – Fábio Victor e Eduardo Knapp
Enquanto o governo Temer alardeia a chegada da água da transposição às primeiras cidades do Nordeste, hidrólogos e estudiosos do semiárido nordestino apontam quatro entraves principais para que a transposição funcione: a debilidade atual do rio São Francisco para suprir a nova demanda; a ausência ou precariedade de obras complementares para fazer a água dos canais chegar às torneiras; a prioridade ao agronegócio, em detrimento do abastecimento humano; e o temor quanto ao furto de água dos canais, algo recorrente em projetos na região.
Um ponto crucial é saber se a vazão captada do São Francisco, por autorização da ANA (Agência Nacional de Águas), prejudicará a bacia do rio. Hoje, por causa da seca, ela é de 26,4 m³ por segundo, mas em época de cheia poderá chegar a 127 m³/s.
O governo argumenta que a retirada não afetará o manancial. O engenheiro agrônomo João Suassuna, 64, pesquisador da Fundaj (Fundação Joaquim Nabuco) especialista em semiárido, discorda. “O São Francisco tem problemas hidrológicos sérios e não tem volume para abastecer a transposição. É um rio de múltiplos usos, responsável por 95% da energia gerada no Nordeste, irriga uma área de 340 mil hectares.”
Segundo Suassuna, a fronteira agrícola de Mapitoba (Maranhão, Piauí, Tocantis e Bahia) é outra ameaça ao rio. “Os produtores de soja estão exaurindo as águas de subsolo dessa região, do aquífero Urucuia, o que já está interferindo nas vazões de base do são Francisco, que alimentam o leito do rio.”
Assim como Suassuna, o hidrólogo João Abner, 63, professor titular aposentado da UFRN, crê que a prioridade de uso da água será do agronegócio, diferentemente do que afirma o governo, para quem a primazia é para o abastecimento humano.
“Os canais foram dimensionados para uma vazão quatro vezes maior do que a outorgada. E a expectativa de desenvolvimento pregada largamente por todos os políticos vai pressionar sempre por aumento de vazão para atender o agronegócio. Os Estados da região estão com grandes projetos em andamento baseados na vazão máxima. Esse é o maior conflito do projeto”, diz Abner.
Secretário de recursos hídricos de Pernambuco até janeiro passado, o engenheiro José Almir Cirilo, doutor em recursos hídricos e professor titular da UFPE, discorda dos colegas sobre o prejuízo ao rio. “Os 26 m³/s são vitais e representam apenas 1% da vazão média do São Francisco. Mesmo na crise atual que também afeta a bacia do rio, é uma retirada insignificante”, defende.