Sem poder dar à luz na ilha, gestantes de Noronha vivem “exílio” da maternidade

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O paradisíaco destino procurado anualmente por 60 mil turistas de todo o mundo esconde uma faceta bem distinta do que se vê nos cartões postais. Desde 2004, com a desativação da maternidade do Hospital São Lucas, o único da ilha, não pode mais haver partos em Fernando de Noronha. A medida causa, até hoje, desconforto e revolta em muitas famílias que vivem no arquipélago. Até terça-feira, o Diario publica a série Mães de Noronha, que reúne histórias de mulheres que lutam por um único direito: o de ter os filhos perto de casa, com o apoio do marido e familiares.

A empresária Glória Wei, 37 anos, exibe orgulhosa a barriga de quase oito meses do seu primeiro filho. Pedro só deve nascer em janeiro, mas a mãe já precisa sair de licença maternidade. Antes da 30ª semana de gestação, ela tem que fazer as malas e viajar quase 3 mil quilômetros para aguardar a chegada do menino. O momento seria de alegria se ela não fosse obrigada a deixar o trabalho, o marido e os amigos para ter o filho longe de todos. Glória mora, desde 2003, em Fernando de Noronha, a “ilha sem bebês”.

Roberta Lotti argumenta que mães querem apenas o direito de ter seus filhos perto dos maridos e familiares. Foto: Fabio Borges Pereira/Divulgação
Roberta Lotti argumenta que mães querem apenas o direito de ter seus filhos perto dos maridos e familiares. Foto: Fabio Borges Pereira/Divulgação

Por lei, não há proibição para que um parto seja realizado na ilha, mas a pressão é tão grande que as mulheres acabam sem opção. É preciso viajar para ter os filhos. As mães de Noronha são, literalmente, expulsas do arquipélago quando chegam ao sétimo mês de gestação. “Se não deixarmos nossas casas por livre e espontânea vontade, uma equipe do posto de saúde bate à nossa porta e nos convida a deixar a ilha”, conta a empresária, que terá o filho na capital paranaense. A administração de Noronha alega que o baixo número de mulheres grávidas levou à desativação da maternidade, mas os ilhéus comentam que existe uma política de controle demográfico. É obrigação do poder público evitar a explosão populacional para preservar o Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha, área que corresponde a 70% do território da ilha oceânica. Oficialmente, o estado nega que esse seja o motivo da desativação.


As mulheres de Noronha entendem e até apoiam o governo com relação ao controle demográfico. É o que garante a jornalista Roberta Lotti, 32, que deixou o agito de São Paulo pela calmaria do arquipélago e precisou voltar à terra natal para dar a luz à Antônio, nascido no último dia 13. Segundo ela, as mães lutam apenas pelo direito de ter o filho perto do marido e dos familiares. “A área passível de ocupação humana é bastante restrita e não há propriedade sobre a terra, tudo é concessão do estado. Para evitar inchaço populacional, o governo não deseja mais que crianças sejam registradas na ilha”, observa.

Apenas as mulheres que têm cadastro de morador permanente podem registrar os filhos como noronhenses. Para conquistar a residência permanente, é preciso ter nascido ou morar há 10 anos no arquipélago. As mulheres que não têm esse “status” acreditam que o controle de natalidade é uma forma de impedir que as crianças ganhem a cidadania. “Mas temos o direito de termos nossos filhos aonde quisermos. Ainda que eles não fossem registrados como noronhenses, o estado deveria garantir a estrutura para a realização de partos. O que acontece é uma violência com a mulher”, critica Roberta Lotti.

Despesa alta e demanda baixa
A pequena quantidade de partos registrada por ano em Fernando de Noronha é a principal justificativa da administração da ilha para a desativação da maternidade do Hospital São Lucas, o único do arquipélago. Cerca de 40 mulheres de Noronha dão à luz por ano. É uma média de três partos por mês. A coordenadora de saúde do arquipélago, Fátima Souza, acredita que esses números são ínfimos frente aos riscos que as mães correriam sem um hospital de alta complexidade. “Os custos para manter uma maternidade para quatro partos por mês seriam muito altos. Além disso, temos um déficit de profissionais permanentes na ilha e estrutura física”, justifica.

Ela faz as contas. Para manter a maternidade em Noronha, seriam necessários 21 médicos por mês, sendo sete obstetras, sete anestesistas e sete neonatologistas. O plantão de um médico custa R$ 1,8 mil, totalizando R$ 151.200 apenas com a folha de pagamento desses profissionais. “Isso sem contar com os enfermeiros, técnicos de enfermagem, impostos, material médico, passagem, hospedagem e alimentação das equipes. É muito mais vantagem mandar as mulheres para o continente”, pontua.

A coordenadora de saúde afirma desconhecer as reclamações sobre o não acolhimento de algumas mães no continente. “As mulheres que informam ter parentes não são hospedadas e acompanhadas de perto pela administração. Por outro lado, as que precisam de nossa assistência são acolhidas em um hotel de Boa Viagem. Todas as consultas pré-natal são agendadas por nossa equipe. Não registramos nenhum incidente nos últimos anos e nenhuma queixa foi protocolada por elas”, garante. De acordo com Fátima, as mulheres que tiverem reclamações podem entrar em contato com a Ouvidoria de Noronha pelo telefone (81) 3619.1378 ou pelo e-mail:[email protected].

O que acontece com as mães de Noronha?

O acompanhamento pré-natal das gestantes é feito na ilha, no Posto Saúde da Família Dois Irmãos

Quando as mulheres precisam fazer exames, como de sangue ou ultrassom, elas têm que viajar para o continente por Tratamento Fora do Domicílio (TFD)

Entre a 28ª e 30ª semana de gestação, nos casos de gravidezes sem complicações, as mulheres têm que deixar o arquipélago e ficar no continente até o bebê nascer

Cerca de um mês após o parto, as mulheres que têm cadastro de morador permanente podem retornar com os filhos, que são registrados como noronhenses

As mulheres que vivem em Noronha como moradoras temporárias não podem retornar à ilha sem que o filho pague a taxa de preservação ambiental*

* O valor da taxa de preservação ambiental é de R$ 45,60 por dia

Fonte: Diário de Pernambuco

 

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