Opinião
Capítulo 5
Getúlio Vargas, adepto do chimarrão e de churrasco, como todo bom gaúcho, um dos maiores presidentes da história do Brasil, e Agamenon Magalhães, o inesquecível governador de Pernambuco, o China Gordo, como era conhecido o sertanejo de Serra Talhada, de onde Lampião fez brotar sangue, o sangue da vingança, tinham algo em comum, além do amor ao trabalhismo: chegaram ao poder por duas vezes.
A primeira, excluindo a livre manifestação do povo. A segunda, convocados e abraçados pelas massas que se embriagaram com o jeito deles de governar o Brasil e o Estado. A consagração de Vargas e Agamenon se deu pelo voto, sem nenhuma dúvida, mas a história reservou a eles o capítulo de benfeitores da humanidade. Em 1939, Vargas deu um golpe e implantou o Estado Novo.
No poder, remanescente de um período como presidente provisório do Brasil, Vargas nomeou seu amigo Agamenon, braço direito do seu Governo imposto, então ministro do Trabalho, interventor de Pernambuco. Sob o comando de Agamenon, que já era já deputado federal-constituinte, o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio se agigantou de tal forma que Lindolfo Collor, pai do ex-presidente Fernando Collor, o primeiro titular da pasta, o carimbou de “o Ministério da Revolução”.
E em 1937, Agamenon acumulou, ainda, o posto de ministro da Justiça, tornando-se o segundo homem mais poderoso do Brasil. Na pasta da Justiça, Vargas deu uma missão a Agamenon: democratizar o País, para apagar da memória do povo a ditadura de 1937. Restabeleceu as eleições diretas para a presidência – com participação, inclusive, do Partido Comunista –, através da chamada “Lei Agamenon”.
Paralelamente, criou uma legislação “antitruste”, regulamentando as operações das grandes empresas e do capital internacional no Brasil, que não foi tão bem recebida quanto a primeira. Apelidada pelo jornalista Assis Chateaubriand de “Lei Malaia”, em referência ao apelido de “China Gordo”, ela mexia com interesses muito poderosos e provocou uma enorme reação, apressando a saída de Vargas, em outubro de 1945.
Como Vargas, o presidente do trabalhismo, em Pernambuco Agamenon criou uma marca em seu governo como interventor: o agamenonismo, estilo próprio de governar com o povo e para o povo. Para conquistar os trabalhadores, Vargas lhes concedeu direitos que nunca tiveram antes, como carteira profissional, regulamentação das jornadas de trabalho, regulamentação do emprego das mulheres e dos menores.
Também criou os ministérios da Educação e da Saúde, a Justiça Eleitoral, o voto secreto e o voto das mulheres. Até 1930, os trabalhadores tinham suas reivindicações geralmente ignoradas, ou então respondidas à bala pelo governo e os patrões. Vargas, porém, lhes concedeu muitos benefícios, fazendo dos sindicatos, em troca, “correias de transmissão” do seu governo.
Como ministro do Trabalho, Agamenon promoveu intervenções em vários sindicatos, mas fiscalizou o cumprimento das novas leis, criou o seguro por acidente de trabalho e a indenização por demissão sem justa causa. Também acelerou a criação dos Institutos de Aposentadoria e Pensões. A CLT, decretada por Vargas no dia 1º de maio de 1943, “consolidaria” essas conquistas. Por tudo isso, ganhou o apelido de “Pai dos Pobres”. Como interventor em Pernambuco, Agamenon Magalhães substituiu o governador Carlos Lima Cavalcanti, que vinha flertando com a oposição.
De volta à terra natal, China Gordo anunciou que trazia consigo “a emoção do Estado Novo” – ou seja, o espírito do regime autoritário recém-implantado. E falava a verdade. O “agamenonismo” foi uma cópia regional do varguismo, buscando uma a paz social. Para isso, não economizou na dureza no trato com os adversários. Combateu o cangaço, fez obras contra as secas e construiu moradias populares, beneficiando as populações mais pobres.
Criatura contra o criador – Em 1950, Agamenon Magalhães se rebelou contra Vargas, um caso típico da criatura enfrentar o criador. Getúlio Vargas saiu candidato à Presidência da República pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), sem o apoio de Agamenon, que subiu no palanque de Cristiano Machado, fiel ao seu PSD. E lançou sua própria candidatura ao governo estadual contra João Cleofas, da União Democrática Nacional (UDN), apoiado por Vargas. No Brasil, ganhou o “Pai dos Pobres”. Mas em Pernambuco deu o “China Gordo”. O mandato de Agamenon como governador democraticamente eleito, porém, durou pouco. Ele morreu subitamente no dia 24 de agosto de 1952, mesma data fatídica na qual Vargas se suicidaria, dois anos depois.
Recife, cidade cruel – Em 1950, na disputa pelo Governo de Pernambuco contra João Cleofas de Oliveira, Agamenon Magalhães foi eleito com uma pequena margem de votos, chegando a perder as eleições no Recife, a quem chamou de “cidade cruel”. O Recife durante décadas foi o reduto das forças de esquerda, agrupadas na chamada Frente Popular. No novo mandato, Agamenon fez acordo com a oposição e iniciou uma grande obra para asfaltar as estradas do Estado.
Defensor do parlamentarismo – Em outubro de 1930, Agamenon participou da campanha da Aliança Liberal que derrubou Estácio Coimbra do Governo de Pernambuco. Em 3 de maio de 1933, foi eleito para a Assembleia Nacional Constituinte, se revelando no parlamentar mais destacado da bancada pernambucana, a favor do sistema parlamentarista de governo. Defendeu o desenvolvimento do crédito agrícola, a intensificação da produção de alimentos, a elaboração de uma legislação com maior facilidade de acesso à propriedade da terra aos agricultores e a criação de um sindicato único por categoria profissional.
Promotor em São Lourenço – Formado em Direito pela Faculdade de Direito do Recife, Agamenon também se graduou em Ciências Políticas e Sociais, foi geógrafo e professor. Ingressou na política pelas mãos e orientação do governador Manuel Borba, por quem foi nomeado promotor público do município de São Lourenço da Mata. Foi aprovado para a cátedra do Ginásio Pernambucano com a tese de Geografia Humana “O Nordeste Brasileiro, o Habitat e a Gens”. Com 29 anos, foi eleito deputado estadual e reeleito para mais um mandato. Em 1927, foi eleito para a Câmara Federal.
A ilusão da política é pior do que a do amor – Agamenon Sérgio de Godoy Magalhães, o China Gordo, nasceu em 1893, em Serra Talhada, numa família de políticos. Fez o curso primário em sua cidade natal. Estudou dois anos no Seminário de Olinda e depois no Colégio Diocesano. Foi promotor público e professor de Geografia até se eleger deputado estadual, em 1924; e, em seguida, federal, pelo Partido Republicano Democrata, que era governista. Em 1929, porém, foi para a oposição, aderindo à Aliança Liberal. Bom frasista, Agamenon dizia que em política, feio é perder. Também é de sua autoria a antológica frase: “A ilusão da política é pior do que a do amor”.
CURTAS
JORNALISTA E ESCRITOR – Agamenon, o China Gordo, também militou no jornalismo. Foi fundador do jornal Folha da Manhã e redator-chefe dos jornais A Ordem e A Província, ambos com sede no Recife. Entre as obras que publicou, O Nordeste brasileiro, em 1922, e O Estado na Realidade Contemporânea, em 1930.
DNA DA POLÍTICA – Sérgio Nunes Magalhães, pai de Agamenon, foi juiz de direito e deputado federal entre 1914 e 1915, eleito com o apoio de Hermes da Fonseca e José Gomes Pinheiro Machado, em oposição a Emídio Dantas Barreto. Seu irmão Sérgio Nunes de Magalhães também foi deputado federal pelo Distrito Federal e depois pelo Estado da Guanabara entre 1955 e 1964, quando teve seu mandato cassado devido à vitória do movimento político-militar que derrubou o presidente João Goulart.