Série governadores: Etelvino Lins

 

Capítulo 6

O Estado Novo, regime ditatorial implantado por Getúlio Vargas, vigorou de 1937 a 1945. No seu último ano, em 3 de março de 1945, tombava morto, com um tiro na testa, na Praça da Independência, palco de manifestações populares do Recife, o estudante de Direito Demócrito César de Souza Filho. Foi assassinado quando aguardava, da sacada do prédio do bicentenário Diário de Pernambuco, o discurso de Gilberto Freyre. Socorrido, morreu no antigo Hospital do Pronto Socorro do Recife.

Dias depois, também morreu o carvoeiro Manuel Elias dos Santos, que estava na manifestação e foi atingido pelos disparos. Os estudantes da Faculdade de Direito do Recife tiveram grande atuação contra o Estado Novo. O Governo de Vargas procurava alternativas para se manter. As ligações do ex-governador Agamenon Magalhães com Vargas eram bem estreitas.

O assassinato de Demócrito foi atribuído à polícia política de Vargas. Agamenon Magalhães deixou a interventoría no início de 1945, quando Getúlio Vargas o nomeou ministro da Justiça, mas não sem assegurar Etelvino Lins como seu sucessor à frente do Executivo pernambucano. Contudo, a morte de Demócrito de Sousa Filho fragilizou a posição do novo interventor, que renunciou a tempo de eleger-se senador pelo PSD, em dezembro de 1945.

Neste mesmo ano, seu pai Ulysses Lins, que escreveu dois livros de memórias, foi eleito deputado federal. Etelvino, investido de poderes constituintes, ajudou a conceber e subscreveu a Constituição de 1946, exercendo o mandato parlamentar até eleger-se governador de Pernambuco em 1952, num pleito extemporâneo, convocado após a morte do governador Agamenon Magalhães.

Mas a condição de interventor, em pleno Estado Novo, não evitou que Etelvino também fosse acusado de omissão na segurança do ato que acabou na morte de Demócrito. Há historiadores, entretanto, que o inocentam daquele infausto acontecimento. Etelvino Lins de Albuquerque, pernambucano de Alagoa de Baixo, hoje Sertânia, nasceu em 20 de novembro de 1908 e, muito cedo, começou a mostrar o quanto importa saber querer.

Teve uma infância parecida com a de qualquer criança de seu estrato social, sofrida pelas agruras do Sertão, mas em 1930 se graduou em Direito e deu início a uma vitoriosa carreira: secretário de Segurança de 1937 a 1945, interventor em Pernambuco, em 1945; Senador Constituinte em 1946 e Governador de Pernambuco eleito entre 1952 e 1955, além de deputado federal por duas legislaturas: 1959/1963 e 1970/1975.

Também foi ministro do Tribunal de Contas da União de 1955 a 1959. Em 1935, reprimiu a Insurreição Comunista no Recife. Diante do impacto causado pelo suicídio de Vargas em agosto de 1954, Etelvino propôs, sem sucesso, o adiamento das eleições legislativas de outubro, sustentando que o pleito poderia dar uma esmagadora vitória aos candidatos do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), aumentando os riscos de uma intervenção militar.

No mesmo sentido, sugeriu o lançamento de um candidato único à presidência no ano seguinte, propondo, para tanto, que o PSD se aproximasse da União Democrática Nacional (UDN) e das outras forças políticas do País, numa tentativa de constituir uma aliança interpartidária. Suas propostas não tiveram o apoio da cúpula do PSD e foram combatidas por Juscelino Kubitschek, que, a esta altura, já lançara sua candidatura a presidente.

Eleito em 1952, Etelvino Lins governou Pernambuco até 31 de janeiro de 1955, transmitindo o cargo a Cordeiro de Farias. Com a homologação da candidatura de Juscelino e o malogro da tese da união nacional, foi lançado, em abril, candidato a presidente da República com o apoio da UDN e de dissidentes do PSD. Recebeu também a adesão do Clube da Lanterna, organização civil liderada por Carlos Lacerda. Em junho, no entanto, renunciou à indicação e passou a apoiar a candidatura de Juarez Távora.

Autonomia do TCU – Lins, como o seu pai Ulysses Lins de Albuquerque o travava, segundo o livro “Memórias que eu guardei de memória”, teve um posicionamento marcante ao discordar do presidente Castelo Branco, que enviara ao Congresso um anteprojeto de constituição restringindo a competência do TCU, o que suscitou forte reação dos que compunham o corpo de ministros daquele tribunal. Senador, imediatamente elaborou emenda ao anteprojeto que, aprovada, integraria o texto constitucional promulgado em 1967 e facultaria ao TCU manter a prerrogativa de analisar as contas da Presidência da República, e emitir opinião sobre as emissões de papel-moeda.

Transporte de eleitores – Como congressista, Etelvino Lins foi um dos primeiros a liderar um movimento por reformas políticas. Um projeto de sua autoria, batizado mais adiante de Lei Etelvino Lins, transferiu para a Justiça Eleitoral todos os gastos com alimentação e transporte para os votantes do meio rural no dia das eleições, mas restringindo despesas da mesma fonte com a campanha em geral. Deputado reformista, restaurou o direito de votar aos residentes no Distrito Federal, permitindo a remessa de seus votos aos estados de origem em 1974, 1978 e 1982. A partir de 1963, dedicou-se somente ao Tribunal de Contas da União, assumindo a presidência da corte em 1965, quatro anos antes de pedir a aposentadoria.

Apoio a Maciel e desistência – Nas eleições indiretas para a sucessão em Pernambuco, em 1974, Etelvino Lins se uniu a antigos líderes políticos da época em apoio ao nome do secretário-geral da Arena, Marco Maciel, para o Governo do Estado. Diante da indicação de José Francisco de Moura Cavalcanti, que contava com a preferência do presidente Geisel, Lins recusou-se a concorrer à reeleição à Câmara Federal, concluindo seu mandato em janeiro de 1975. Mais na frente, em 1978, lançou-se candidato às eleições para a Câmara Federal marcadas para novembro, mas em 5 de agosto desistiu da candidatura.

Algoz da Intentona Comunista – Em 1935, nomeado pelo ex-governador Carlos de Lima Cavalcanti delegado auxiliar com jurisdição no Recife, Etelvino Lins combateu fortemente a Intentona Comunista, levante armado para derrubar Vargas do poder, liderado por Carlos Prestes. Coube a ele instaurar e presidir um inquérito que resultou na condenação dos revoltosos pelo Tribunal de Segurança Nacional. Decretado o Estado Novo em 1937, o coronel do Exército, Amaro de Azambuja Vilanova, assumiu interinamente o governo estadual e escolheu Etelvino Lins secretário de Governo, função ocupada até Agamenon Magalhães ascender ao Palácio do Campo das Princesas e realocar Etelvino Lins como secretário de Segurança Pública.

Fazer o que sabemos ser errado é trair a consciência – Etelvino Lins foi, enfim, um dos políticos mais hábeis surgidos no Estado Novo e desenvolvidos no regime de 1946. Foi, igualmente, um dos mais destacados dirigentes do extinto PSD e, apesar de suas boas maneiras e de sua elegância pessoal, jamais dispensava um chapéu Borsalino preto impecavelmente limpo. Hábil, manteve-se na política mesmo sem mandato e, em 1970, defendeu a tese da incorporação do AI-5 à Constituição. Assegurava ao governo que isso seria possível sem alterar o quadro político do futuro “porque o AI-5 é o golpe e ninguém dá golpe no golpe”. Sua ideia não foi aceita pelo governo Emílio Garrastazu Médici e, mais tarde, com a abertura, o presidente Ernesto Geisel não incorporou o Ato à Constituição. É de sua autoria a seguinte frase: “Fazer o que sabemos ser errado é trair a consciência. Insistir, é treiná-la a aceitar o errado como se fosse o certo.”

CURTAS

PERDA DO EMPREGO – Opositor do governador Estácio Coimbra, Etelvino Lins deixou seu emprego nos Correios por apoiar as candidaturas de Getúlio Vargas e João Pessoa à presidente e vice-presidente da República pela Aliança Liberal, em 1930, enquanto o Governo Washington Luís lutou pela vitória de Júlio Prestes e Vital Soares nas eleições de 1º de março, mas, apesar do resultado favorável, a Revolução de 1930 impediu a posse deles.

FAMÍLIA E MORTE – Casado com Djanira Falcão em 1933, Etelvino constituiu uma prole de oito filhos: Iná, Roberto, Maria Christina, Rosa, Rogério, Maria da Conceição, Maria Regina e Rodrigo. Seu cunhado, Djaci Falcão, foi nomeado ministro do Supremo Tribunal Federal em 1967 pelo presidente Castelo Branco, e presidiu a corte entre 1975 e 1977. Etelvino Lins morreu na capital fluminense vítima de um aneurisma cerebral, em 1980.

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