Série governadores: João Lyra Neto

 

Capítulo 13

Dentre os governadores que cumpriram mandatos-tampões em Pernambuco, João Lyra Neto, que militava no PSB e hoje ganhou plumagem tucana, foi o único que cumpriu apenas nove e não onze meses, como rezava na Constituinte. Assumiu no dia 4 de abril de 2014 e governou até 1 de janeiro de 2015, substituindo Eduardo Campos (PSB), que havia renunciado já de olho na corrida ao Palácio do Planalto, sonho interrompido devido ao acidente aéreo que tirou a sua vida, em agosto de 2014.

Um dos gestores mais populares do Estado, Eduardo se despediu do povo pernambucano na tarde de uma sexta-feira ensolarada, passando a faixa de governador para seu vice João Lyra Neto, eleito com ele em 2006 e reeleito em 2010. A cerimônia de transmissão de cargo, aberta ao público, aconteceu na Sede do Governo de Pernambuco, no Palácio do Campo das Princesas. A emoção e a gratidão marcaram a solenidade de posse.

Lyra Neto prestou homenagem a seu pai, João Lyra Filho, eleito por duas vezes prefeito de Caruaru; a seu irmão, o ex-ministro Fernando Lyra; aos militantes do Movimento Democrático Brasileiro (MDB); e para sua filha, a deputada estadual Raquel Lyra, hoje governadora do Estado. Em suas primeiras palavras, fez a promessa de retidão, lealdade e continuador da obra de Eduardo.

“Vou continuar trabalhando com muito afinco, dedicação e compromisso para que possamos honrar o que foi prometido em 2006, renovado em 2010, e está sendo concretizado com a gestão mais exitosa da história de Pernambuco. Eduardo Campos merece todo o nosso respeito, e vou concluir o mandato com o mesmo entusiasmo, coragem e, acima de tudo, com os mesmos compromissos com o povo pernambucano”, disse Lyra.

Lembrou em seguida que sua história com o ex-governador começou em 1959, com a formalização da Frente Popular do Recife, do ex-governador Miguel Arraes, e da Frente Popular de Caruaru, que tinha à frente João Lyra Filho, seu pai. Para ele, aquele foi o momento que definiu a orientação da nova política pernambucana. “Eduardo foi mais do que um companheiro de trabalho. Nos últimos anos, construímos uma relação de amizade”, afirmou.

Em seu último discurso oficial, bastante emocionado, Eduardo Campos pontuou os avanços sociais e econômicos na sua gestão. Também reafirmou a confiança no seu sucessor. Classificou João como “um amigo”. “Após muita dedicação, realizamos o que parecia impossível. Hoje, deixo o Governo de Pernambuco com a sensação de dever cumprido”, declarou Eduardo, para uma plateia de cerca de quatro mil pessoas.

Ainda durante a solenidade, Eduardo disse que “Pernambuco está em um novo patamar e pronto para o futuro”. “Construímos um Pernambuco com menos desigualdade social e com uma elevada autoestima. Hoje, temos um Estado competitivo e renovado, no ciclo social e econômico”, afirmou, enfatizando que Pernambuco “avançou e vai continuar crescendo” com João Lyra.

A trajetória política de João Lyra Neto teve início em 1988, quando, seguindo os passos do pai, João Lyra Filho, foi eleito prefeito de Caruaru, cargo que voltou a assumir em 1997, para um segundo mandato. Foi vice-líder do governo Miguel Arraes na Assembleia Legislativa durante seu mandato de deputado estadual. Ao lado de Eduardo Campos, foi eleito vice-governador em 2006.

Em 2008, assumiu a Secretaria de Saúde. Comandou o processo de mudança de gestão da pasta, cuidando particularmente da regionalização da Saúde. Também coordenou duas outras áreas, Segurança e Educação.

Área Digital e compromisso com microempresários – Como Carlos Wilson Campos, também personagem desta série, ao chegar ao poder, João Lyra Neto imprimiu um ritmo, adotou um estilo e marcou sua gestão inaugurando obras deixadas por Eduardo e tirando do papel projetos novos, como o desembarque do Porto Digital do Cais para a Mata, Agreste e Sertão. Com tecnologia e criatividade, soube gerar novos empregos e dar oportunidade aos jovens. Criou a Secretaria da Micro e Pequena Empresa, para assegurar uma política pública para o setor. Sua gestão, apesar de curta, priorizou empreendedores, oportunidade de formação, tecnologia, financiamento e amparo aos que representam 90% das empresas brasileiras e 60% do emprego em todo o Brasil. Foi um visionário. Hoje, o Governo Lula criou um Ministério voltado para o setor.

Mágoa por Eduardo só ter comunicado a escolha de Paulo Câmara no dia do anúncio – Fiel aos princípios e ao modelo de gestão de Eduardo, João Lyra Neto nunca confessou, mas alimentava esperanças de ter sido ungido pelo ex-governador como o seu candidato em 2014, já que estava no exercício do mandato de governador e julgava natural. Mas Eduardo escolheu Paulo Câmara. Numa longa entrevista ao Diário de Pernambuco, ele desabafou: “Nunca me coloquei como pré-candidato. Evidentemente que o vice-governador tem a oportunidade de ser o candidato, e eu estava no cargo de governador. O que achei estranho e não concordei foi a forma como foi feito. Vim saber, pelo próprio Eduardo Campos, no dia do anúncio da candidatura de Paulo Câmara. Como tenho um senso muito forte em relação a fofocas, sempre agi com muita filtragem, nunca disse nada. Mas a forma foi equivocada, de eu vir a saber apenas no dia do anúncio. Se ele fez isso com os outros, eu não sei. Comigo foi o que aconteceu. E eu disse a ele no mesmo dia, aqui no Palácio. Mesmo assim, disse que estaria solidário com a proposta, que a liderança era dele. E nós fomos para a campanha. Ele não disse nada. Tivemos uma convivência de muita cumplicidade, mas da minha parte e da dele de muita independência, porque eu tenho a prevenção e tenho muito cuidado com duas coisas: com o bajulador, que só faz atrapalhar, e com o chantagista, que só faz se beneficiar. Então, tive muito cuidado nessa convivência. Tive algumas divergências dele, claro, mas sempre respeitei, porque ele era o governador. Às vezes, ele decidia por ser o governador, e outras vezes, ele ajustou-se a propostas minhas”.

“Não pedimos para sair, fomos expulsos do PSB” – João Lyra teve muitos desencontros no PSB, partido que esteve filiado depois de militar no PDT por muito tempo. Foi uma relação entre tapas e beijos. O ápice da crise de relacionamento se deu quando Raquel Lyra, sua filha e atual governadora do Estado, não teve o direito de disputar a Prefeitura de Caruaru em 2016. Numa entrevista ao jornalista João Alberto, disse que não pediu para sair do PSB. “Nós não optamos pela saída. Fomos expulsos do PSB. Essa é a realidade. Não recebi um telefonema de ninguém. Eles decidiram, em novembro, nomear Raquel presidente da Comissão Provisória do PSB. Eu imaginava que aquilo estava decidido e faltando três dias para o final do prazo legal, comunicaram a Raquel que ela não seria mais a candidata a prefeita. E ela havia recebido a Comissão Provisória de Caruaru dizendo que seria pré-candidata à Prefeitura. Eu acho que foi um grande equívoco e, acima de tudo, uma falta de respeito conosco, a decisão do PSB. Mas a gente tem que fazer política e nossa vida tem que ser feita com gestos de grandeza. Acho que a grande perplexidade deles foi que imaginavam que nós não teríamos alternativas, mas nós tivemos. Apesar do tumulto em Brasília, eu quero ressaltar a cordialidade e a solidariedade do presidente Aécio Neves do PSDB e de toda a comissão executiva de Pernambuco, liderada pelo deputado Antônio Moraes e todos os seus membros, na imensa solidariedade que nós recebemos. Nós temos uma história. Essa história não começou comigo nem com Raquel, essa história tem mais de 50 anos. E a história tem que ser respeitada. E de uma hora você ser afastado sem nem saber o porquê”.

Balanço de oito anos e não nove meses – Por ter governado o Estado por um período muito curto, João, embora tenha criado um estilo, diz que não pode fazer uma avaliação de apenas nove meses, mas de oito anos. “Fiz um governo de complementação, nascido de um planejamento feito em 2006 e em 2010. Quando assumi, entretanto, enfrentei muitas dificuldades: cumprindo a Lei de Responsabilidade Fiscal diante de uma redução absurda de receita”, disse Lyra, numa entrevista ao JC, acrescentando: “Não posso analisar nove meses. É preciso avaliar oito anos. Eu não só afirmei como pratiquei que não tinha governo João Lyra, mas uma continuidade de Eduardo Campos. Encerramos um ciclo de oito anos. Cumprimos todas as metas a que nos comprometemos. Houve uma decisão política do governador Eduardo Campos em fazer um planejamento estratégico em todas as áreas, inclusive na área de desenvolvimento econômico. Teve uma participação muito forte da União com o presidente Lula nos investimentos, especialmente em Suape. E com o crescimento do Nordeste, do mercado consumidor do Nordeste, e Pernambuco tendo uma posição estratégica, faltavam investimentos e estabelecermos uma política de logística para que Pernambuco voltasse a ser o centro abastecedor do Nordeste. E Suape foi instrumento para isso, trouxe grandes empresas que fizeram o Estado ter um crescimento do PIB acima da média”.

Mudança na gestão da saúde e criação da UPAS – Entre 2008 e 2010, João Lyra Neto acumulou a função de vice-governador com a de secretário de Saúde no primeiro mandato de Eduardo Campos, substituindo Jorge Gomes, conterrâneo de Caruaru, que havia sido vice-governador de Miguel Arraes. Em 17 meses de gestão, Gomes se dedicou à reestruturação das emergências e ao fortalecimento da atenção básica, com incentivos para os municípios investirem nos PSFs. No período, reabriu o Hospital Regional de Nazaré da Mata (fechado há 5 anos), credenciou o Procape ao SUS, reergueu o Hospital do Câncer (imerso em uma grande crise em 2007) e obteve junto ao Ministério da Saúde expressivo aumento no custeio da saúde pública em Pernambuco. O Programa Mãe Coruja, maior projeto do Governo para reduzir a mortalidade materna e infantil no Estado, foi implantado por ele em duas grandes regiões – o Araripe e o Moxotó. Na sua passagem pela pasta, João Lya fez a mudança no modelo de gestão dos hospitais, com a chegada das primeiras Unidades de Pronto Atendimento – as Upas – no Recife e Região Metropolitana. Depois, foram criadas as UPAEs pelo Estado inteiro, modelo bem-sucedido em outros Estados e que virou o maior investimento da história de Pernambuco em assistência de média complexidade.

CURTAS

CORAÇÃO DOS LYRA PULSA EM CARUARU – A família Lyra protagoniza a política de Caruaru há décadas, tendo acumulado seis mandatos na Prefeitura. Como a filha Raquel, João Lyra Neto foi prefeito da Capital do Agreste, tendo conquistado seu primeiro mandato em 1988, ainda pelo PMDB, e voltando a ser eleito em 1996, desta vez pelo PSB. Antes dele, seu pai, João Lyra Filho, também governou a cidade em duas ocasiões (1959-63 e de 1973-76), primeiro pelo partido da ditadura (UDN) e depois pela oposição autorizada (MDB). Com uma população de 378 mil habitantes, Caruaru é o 6º maior PIB e o 8º IDH do Estado. Apenas 6% da população economicamente ativa vive da agricultura e pecuária. A cidade se destaca por ser um polo industrial e comercial do ramo têxtil.

MUNDO EMPRESARIAL E A FAMÍLIA – Formado em Direito, João Lyra Neto ingressou na militância na década de 60 com o movimento estudantil, quando estudava na Faculdade de Direito do Recife. Voltou a Caruaru logo depois de formado para ajudar a administrar os negócios da família, no setor de transportes. Na década de 1970, em plena ditadura militar, lutou junto com os mais importantes líderes políticos pela resistência democrática durante todo o período do regime militar. Filiado ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB), chegou a ser presidente do partido em Caruaru. No início dos anos 80, começou a participar ativamente de campanhas políticas e fez parte da Coordenação Estadual pela retomada das “Diretas Já” no País. Com Mércia Lyra, sua primeira esposa, teve três filhas: Raquel, governadora do Estado, Nara, empresária, e Paula, médica. É casado com a ex-colunista Leila Queiroz, de Arcoverde, mãe de dois homens, do primeiro casamento.

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