Série governadores: Joaquim Francisco de Freitas Cavalcanti

 

Capítulo 16

Duas vezes prefeito do Recife com altíssimas taxas de avaliação positiva, a primeira de 1983 a 1985, biônico, nomeado pelo então governador Roberto Magalhães, e a segunda, de 89 a 90, eleito no pleito de 1988, Joaquim Francisco de Freitas Cavalcanti chegou ao Governo de Pernambuco em 1991, depois de uma campanha memorável em 1990, derrotando Jarbas Vasconcelos (PMDB), a quem já havia imposto a primeira derrota em 88, vencendo Marcus Cunha (PMDB), candidato apoiado por Jarbas.

Jarbas e Joaquim proporcionam um duelo de gigantes, esquerda x direita, com ataques violentos, até no campo pessoal. Joaquim foi chamado de “Dedo duro” do regime militar, com pichações em muros e panfletagem. O troco veio numa medida extemporânea: panfletos nas ruas sobre uma suposta agressão de Jarbas ao pai. Na largada, Joaquim liderou todas as pesquisas, até se recusar a ir aos debates na TV.

Foi chamado de “fujão” no guia eleitoral de Jarbas e começou a despencar nas pesquisas. Num sábado, quando fazia campanha de rua em Garanhuns, Joaquim foi surpreendido com uma pesquisa do Datafolha, caindo oito pontos, com Jarbas se aproximando e ameaçando liderar. Imediatamente, suspendeu sua agenda, voltou para Recife e com o seu núcleo duro de campanha discutiu a ideia de desafiar Jarbas para um debate na TV.

E de forma inusitada: durante o horário da propaganda eleitoral, somando o tempo das duas coligações. Deu certo! Jarbas topou. O debate foi realizado nos estúdios da TV-Jornal, com 50 minutos de duração. Joaquim levou uma pasta com supostas denúncias que pesavam contra o adversário, não abriu em nenhum momento, mas amedrontou Jarbas, que acabou levando desvantagem no enfrentamento. Joaquim saiu com imagem de vitorioso, voltou a crescer nas pesquisas e ganhou a eleição no primeiro turno, mas com uma diferença inferior a 1%. Teve 1.238.326 votos (50,95%) contra 1.088.365 (44,78%) de Jarbas.

Na vitrine como um dos melhores prefeitos do Recife, Joaquim chegou à condição de candidato a governador pelo PFL com autonomia e estilo próprios, desprezando o grupo mais conservador da pefelândia, liderado por Ricardo Fiúza e Gilson Machado. O primeiro sinal disso se deu com a escolha do candidato a vice, que se traduziu numa surpresa e num choque para quem esperava alguém mais ligado a Marco Maciel: o empresário Roberto Fontes, de Caruaru, cujo irmão, Lourinaldo Fontes, o Maninho, era muito próximo a PC Farias, pivô do maior escândalo na era Collor, que o levou ao impeachment.

Deu uma guinada maior ainda à esquerda, trazendo para perto o cantor Alceu Valença, que havia sido seu colega na escola, e mais um grupo pensante do movimento que se rebelou contra o golpe de 64, todos atraídos pelo poder de sedução do economista Roberto Viana, principal mentor de Joaquim na campanha. Jarbas Vasconcelos, por sua vez, escolheu para vice o empresário Paulo Coelho, pai do ex-senador Fernando Bezerra, e para o Senado o ex-prefeito de Caruaru, José Queiroz.

Figura central do PMDB durante os anos 80, o então governador Miguel Arraes renunciou para disputar um mandato de deputado federal dias após filiar-se ao PSB, onde abrigou o seu grupo político, reduzindo ainda mais o alcance de seu antigo partido, já abalado pela morte de Marcos Freire, há três anos. Outro efeito colateral dessa mudança foi o distanciamento progressivo entre Miguel Arraes e Jarbas Vasconcelos.

Embora estivessem formalmente no mesmo palanque, cabendo a Jarbas reagrupar o PMDB em torno de si, Arraes fez corpo mole na campanha para se vingar da postura de Jarbas nas eleições de 82, pleito no qual já queria ser candidato a governador, para aproveitar a onda favorável da sua volta do exílio como mito. Jarbas, entretanto, se abraçou com a candidatura de Marcos Freire, que perdeu para Roberto Magalhães, este favorecido pelo casuísmo do voto vinculado.

Favorecido pelas questões internas que pesavam sobre seus adversários, o PFL aproveitou a divisão da esquerda e se recompôs. Vice de Joaquim, o advogado Gilberto Marques assumiu, automaticamente, a Prefeitura do Recife. Na mesma eleição, Marco Maciel se reelegeu senador da República e as maiores bancadas de deputados federais e deputados estaduais foram de filiados ao PFL.

Natural do Recife, Joaquim Francisco era advogado, formado pela Universidade Federal de Pernambuco. Iniciou sua carreira política pela Arena em 1966, depois da experiência de oficial de gabinete do governador Nilo Coelho. Deixou o cargo a pedido do tio, Moura Cavalcanti, a quem foi assessora na presidência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).

Quando chegou ao Governo, Moura fez do sobrinho chefe da Comissão de Defesa Civil e secretário de Trabalho e Ação Social. Ao deixar os cargos, foi procurador da Junta Comercial de Pernambuco e diretor administrativo-financeiro da Companhia de Alumínio do Nordeste. Após o fim do bipartidarismo, ingressou no PDS. Na primeira eleição para governador, após o golpe militar, em 1982, Joaquim coordenou a campanha de Roberto Magalhães (PDS) ao principal cargo do Executivo pernambucano. Com o fim do mandato, disputou uma vaga de deputado federal em 1986, sendo eleito pelo PFL. Licenciado para assumir o Ministério do Interior no governo José Sarney, retornou à Câmara dos Deputados após curta gestão, que durou apenas cinco meses. Eleito prefeito do Recife em 1988, deixou o cargo em 1990 para disputar o Palácio do Campo das Princesas.

Intervenção no Bandepe, a maior crise na largada da gestão – Como prefeito do Recife, um dos marcos da gestão à frente do Recife foi o Viaduto Tancredo Neves, que liga as Zonas Sul e Oeste da cidade. Também foi na gestão de Joaquim que o Parque da Jaqueira, na Zona Norte, foi construído. Já sua gestão à frente do Governo do Estado foi marcada pela privatização do banco estadual, o Bandepe, a maior crise do seu Governo. Tão logo tomou posse, Joaquim teve que fechar 90 agências do banco e demitir mais de três mil funcionários. Tudo porque o então presidente Fernando Collor não atendeu a um pedido seu, de promover a intervenção no Bandepe ainda na gestão de Carlos Wilson, para não ter que sofrer esse desgaste. Mas Collor, amigo de Cali, como era chamado o ex-governador Carlos Wilson, não cumpriu com a promessa a Joaquim. Demitidos, os inconformados e revoltados servidores do banco não deixaram Joaquim em paz, chegando a vaiá-lo por diversas vezes em atos oficiais no Recife, Região Metropolitana e até no Interior.

Pânico gerado pelo cólera fez Joaquim tomar banho de mar em Boa Viagem – Nem mesmo os efeitos dramáticos da intervenção do Bandepe haviam sido superados, ainda em 1991, o primeiro da sua gestão, Joaquim Francisco se depara com outra tremenda crise: a pandemia do cólera, doença que afeta o intestino delgado e é causada pela bactéria Vibrio cholerae, que entra no organismo por meio do consumo de água e de alimentos que foram previamente contaminados pelo bacilo. Foi tão forte e assustadora que, no desespero, baseado num laudo da então secretária de Saúde, Ângela Valente, alertando que tomar banho de mar pegaria cólera, Joaquim interditou a praia de Boa Viagem, usando a cavalaria da PM para impedir o acesso. A notícia foi parar na capa de todos os jornais do País e até do exterior. No dia seguinte ao fechamento da praia, Joaquim foi a Brasília para uma solenidade com Collor, no Palácio do Planalto. Chocado com o que vira, o então presidente soprou no ouvido de Joaquim para liberar a praia, mas para que as pessoas tivessem a certeza de que o banho de não transmitia a doença, Joaquim teve que mergulhar nas águas mornas de Boa Viagem. A cena, mais uma vez, varreu o mundo, mas ninguém ficou sabendo que a ideia havia sido de Collor. Revelei em meu livro Histórias de Repórter, muito tempo depois, porque Joaquim havia me contado no avião de volta ao Recife, eu na condição de secretário de Imprensa do seu governo.

O troco a Collor e um Governo sem a marca do sucesso quando prefeito do Recife – O troco a Fernando Collor, que não o atendeu no pedido para intervir no Bandepe antes dele tomar posse, ainda no mandato-tampão de Carlos Wilson, Joaquim Francisco deu em 1992, na crise que provocou o impeachment do então presidente, ao ser o primeiro governador a romper, mesmo tendo recebido o apoio dele na campanha ao Palácio das Princesas dois anos antes, em 1990. Diferente do sucesso que teve como prefeito do Recife, à frente do Governo do Estado, Joaquim não deslanchou, fez o feijão com arroz, sem uma obra marcante. Em parceria com o governo federal, deu continuidade às obras do Metrô do Recife, com a inauguração do primeiro trecho indo da estação central até a estação de Jaboatão dos Guararapes. Atritado com o vice Roberto Fontes e sem direito à reeleição, proibida na época, Joaquim ficou no governo até o fim do seu mandato. Quando cumpriu a missão, foi morar nos Estados Unidos com a família. Em Washington, capital americana, assumiu um cargo no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Depois, foi para o Banco Mundial (Bird). De volta, em 1996, retomou a atividade política e se elegeu mais duas vezes para a Câmara dos Deputados.

Alceu pagou o preço da adesão com uma fogueira dos seus discos no Alto da Sé – Um dos ícones da música brasileira nos movimentos de esquerda entre as décadas de 80 e 90, o cantor e compositor Alceu Valença provocou uma debandada no universo dos seus fãs ao anunciar apoio à candidatura de Joaquim Francisco a governador, em 90. Ele já era amigo de Joaquim desde os bancos escolares e da mesma turma de Direito na Faculdade de Direito do Recife. Quando apareceu no guia eleitoral de Joaquim declarando seu apoio e cantando pela primeira vez na campanha, sofreu uma grande hostilidade do seu público. A garotada mais aguerrida e sofrida, fã de carteirinha, dizendo-se traída, promoveu uma fogueira no Alto da Sé, em Olinda, queimando muitos discos do artista em vinil. Mais tarde, numa entrevista a este blogueiro, Alceu disse que as hostilidades sofridas ao longo da campanha foram a razão do infarto que sofreu, mas sem sequelas, anos depois.

“Este Governo Sarney não é de transição, é de transação” – Filho do ex-deputado José Francisco, que chegou a governar o Estado interinamente, Joaquim Francisco era um homem extremamente culto, honrado, nunca teve seu nome envolvido em escândalos e caprichava no sotaque de matuto de Macaparana, extremamente carregado. Frasista, se imortalizou com esta frase ao largar o Ministério do Interior na era Sarney depois de passar apenas cinco meses no cargo: “Pensei tratar-se de um governo de transição, mas é de transação”. Foi uma reação à nomeação de Dorany Sampaio, indicado por Jarbas, para a Sudene, à sua revelia. Joaquim também tinha tiradas engraçadas. Quando me convidou para coordenar a sua área de Imprensa na campanha de 90, sendo eleito governador, me disse, diante da resistência ao convite: “Meta os peitos! A vida é um sutiã”. Outra frase que ouvi muito em sua campanha: “Cobra que não anda, não engole sapo”. Era um dos personagens mais interessantes que qualquer interlocutor poderia ter como um político, pela honestidade de princípios, formação de caráter e cuidado com a coisa pública. Mas Joaquim também era um grande contador de “causos”, inclusive alguns passados com ele mesmo durante a vida pública. Um dia ele, jovem prefeito do Recife, chegou às sete horas no hangar da antiga Weston, no Aeroporto do Recife, trajando um impecável terno feito na Sartoria Perrelli, marrom, combinando com a camisa e no mesmo tom da gravata francesa. Desceu do carro, mas não recebeu do governador Roberto Magalhães nem um “bom dia”. Doutor Magalhães advertiu Francisco. “Desculpe, mas comigo o senhor não vai para Brasília. Muito menos num jatinho. Marrom é uma cor que dá um azar danado e eu não viajo com ninguém vestido desse jeito. O senhor parece um caixão de defunto”. Joaquim contou que teve que abrir a mala e trocar, ali mesmo, toda a indumentária.

CURTAS

BUSTO NA JAQUEIRA – Em maio de 2022, o prefeito do Recife, João Campos (PSB) inaugurou um busto de Joaquim Francisco na entrada do Parque da Jaqueira, uma das maiores obras da passagem dele pela Prefeitura da capital e que passou a frequentar em suas caminhadas diárias quando esteve fora do poder, morador do bairro com o mesmo nome. A obra foi modelada e confeccionada em concreto pelo escultor José Roberto. João Campos fez a entrega simbólica ao lado da viúva Sylvia Couceiro Cavalcanti, de familiares e amigos do homenageado. “Sabemos da relação dele com essa área da cidade, talvez seja uma das melhores áreas do Recife, onde as famílias convivem, as crianças brincam e as pessoas idosas caminham; e a gente pensou em como fazer uma homenagem à memória dele. Todo mundo que conhece, que caminha aqui, sabe que isso aqui é a cara dele e que se não fosse por ele, a gente não teria esse parque”, comentou João Campos.

FAMÍLIA E MUDANÇAS DE PARTIDO – Joaquim morreu no dia 3 de agosto de 2021 aos 73 anos, vítima de câncer no pâncreas. Com Sílvia Couceiro, teve três filhas – Luciana, Fernanda e Cristiana, que lhe deram cinco netos. Considerado um político de perfil conservador, Joaquim trocou muito de partido ao longo da sua vida pública. Começou pela Arena, depois foi para o PDS, PFL, PTB, DEM, PSB e PSDB – desfiliando-se após cinco anos atuando como presidente do Instituto Teotônio Vilela (ITV-PE).

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *