Série governadores: Miguel Arraes de Alencar

 

Capítulo 9

Nascido na Chapada do Araripe, de hábitos sertanejos, mas com feeling político raro, embora aprimorado na escola maquiavélica, Miguel Arraes de Alencar foi o único dos governadores de Pernambuco transformado em mito. Toda cultura da construção da figura mitológica se deu a partir da cassação do seu mandato de governador pelo golpe de 64.

Retirado à força do Palácio do Campo das Princesas pelo regime militar, Arraes ficou idolatrado. Corria no Sertão versões de que santinhos de sua campanha, da volta do exílio na Argélia, para entrar pela mesma porta que saiu, uma das temáticas e jingle da eleição de 1986, na qual derrotou o hoje ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, era dissolvidos na água quente e viravam chá pelos seus eleitores mais fanáticos.

Quando chegou em Pernambuco para assumir um cargo no Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), através de concurso público, se aproximou do então presidente do órgão, Barbosa Lima Sobrinho, que eleito governador em 1948 o nomeou secretário da Fazenda, cargo que exerceu até 1950. Em seguida, passou pelo primeiro teste das urnas, elegendo-se deputado estadual pelo Partido Social-Democrata (PSD), mandato que cumpriu de 1950 a 1958.

Em 1959, o velho cacique candidatou-se a prefeito do Recife pelo (PSD) e elegeu-se, conseguindo derrubar as oligarquias locais, que apoiavam Antônio Pereira, do PRT. Em 1962, Arraes se elegeu governador pelo Partido Social Trabalhista (PST), derrotando João Cleofas, candidato da UDN. Iniciou seu mandato em 1963, marcado pelo apoio às Ligas Camponesas e à reforma agrária.

Firmou um pacto com os usineiros, garantindo os benefícios para os trabalhadores da cana-de-açúcar e os direitos sociais e trabalhistas, incluindo o pagamento do salário-mínimo. Seu governo foi considerado de esquerda, porque forçou usineiros e donos de engenho a fazerem o Acordo do Campo. Deu também forte apoio à criação de sindicatos, associações comunitárias e às ligas camponesas.

Com o golpe militar de 1964, tropas do IV Exército cercaram o Palácio das Princesas e o forçaram a renunciar para evitar a prisão, o que prontamente ele recusou para, em suas palavras, “não trair a vontade dos que o elegeram”. Em consequência, foi preso na tarde do dia 1º de abril. Deposto, foi encarcerado em uma pequena cela do 14º Regimento de Infantaria do Recife, sendo posteriormente levado para a ilha de Fernando de Noronha.

Na ilha, permaneceu por onze meses. Posteriormente, foi encaminhado para as prisões da Companhia da Guarda e do Corpo de Bombeiros, no Recife, e da Fortaleza de Santa Cruz, no Rio de Janeiro. Seu pedido de habeas corpus (HC) no Supremo Tribunal Federal, protocolado em 19 de abril, sob o número 42 108, foi concedido, por unanimidade.

Acabou sendo fundamentado em questões processuais (foro privativo de governadores e necessidade de autorização da Assembleia Legislativa). A exceção foi o voto do ministro Luís Gallotti, que concedeu o HC em função do flagrante excesso de prazo da prisão. O então procurador-geral da República, Oswaldo Trigueiro, opinou pela manutenção de sua prisão. Libertado em 25 de maio de 1965, exilou-se na Argélia.

O exílio e a condenação por subversão – Concedido o habeas corpus, Arraes foi orientado por seu advogado, Sobral Pinto, a exilar-se, devido ao risco iminente de uma nova prisão. Várias embaixadas estavam sitiadas pelos militares, restando apenas poucas opções de locais para pedir asilo político. Sendo assim, o próprio Arraes escolheu a Argélia. No continente africano, Arraes atuou como importante articulador dos movimentos de esquerda brasileiros e, até mesmo, em favor das libertações das colônias portuguesas. Foi a partir de sua iniciativa que foi criado o Boletim da Frente Brasileira de Informação, uma publicação na qual figuras como Paulo Freire e Celso Furtado contribuíram, e que denunciava os desmandos da ditadura brasileira, recebendo forte apoio de países europeus. Durante o exílio, foi condenado à revelia, no dia 2 de março de 1967, pelo Conselho Pernambucano de Justiça da 7ª Região Militar, a pena, de 23 anos de prisão, pelo crime de “subversão”.

O grande comício da volta – Arraes só voltou ao Brasil em 1979, beneficiado pela anistia, que trouxe todos os exilados de volta ao Brasil, como Leonel Brizola. Na chegada ao Recife, depois de dar uma paradinha estratégica no seu Ceará, para ver a família, cerca de 50 mil pessoas participaram do ato das boas-vindas, um grande comício, no bairro de Santo Amaro. Nas eleições de 82, Arraes já queria disputar o Governo do Estado, mas Jarbas Vasconcelos, que ocupara a liderança dos movimentos de esquerda no Estado na ausência do velho cacique, apoiou a candidatura de Marcos Freire, derrotado por Roberto Magalhães.

Arraes tá aí de novo! – Arraes engoliu a seco a manobra de Jarbas em apoio a Marcos Freire e disputou uma vaga na Câmara dos Deputados em 1982 pelo PMDB. Mas seu grande sonho, na verdade, era voltar a governar o Estado, entrando pela porta que foi enxotado pelos militares em 64. Sendo assim, em 1986 protagonizou a maior campanha política de Pernambuco com manifestações de rua e o engajamento da militância, simbolizada pelo “Arraes está aí, está aí de novo”. Foi uma das campanhas mais vibrantes e emocionantes da história. Eleito, fez do seu neto Eduardo Campos chefe de gabinete. Implantou programas para o homem do campo como o “Chapéu de Palha”, que consistia na contratação de canavieiros, nos períodos de entressafra da cana, para trabalharem em pequenas obras públicas, e a “Água na Roça”, que fornecia motobombas para a irrigação de pequenos agricultores. Criou também o “Vaca na corda”, que financiava a compra de uma vaca leiteira. Outro ponto central foi a universalização da eletrificação no campo.

Arraes se vingou de Jarbas em 90 e Jarbas dele em 98 – Ao final do seu mandato, em 1990, Arraes deu o troco a Jarbas. Como na época não havia reeleição, deixou o PMDB e ingressou no Partido Socialista Brasileiro (PSB) para disputar o mandato de deputado federal. Teve uma avalanche de votos – 339.197 votos. Sua estrondosa votação puxou mais quatro federais, o último Roberto Franca, com apenas 3.734 votos. Em 1994, Arraes foi eleito pela terceira vez, derrotando Gustavo Krause, o candidato das forças que estavam no Governo sob a liderança de Joaquim Francisco. De volta ao poder, deu continuidade a programas de eletrificação rural e abastecimento de água, mas sua gestão foi marcada por denúncias de emissão irregular de títulos públicos para pagamento de dívidas judiciais. Essa operação ficou conhecida como o “escândalo dos precatórios” – da qual foi inocentado depois. Mesmo com poucas chances de ganhar, Arraes se candidatou à reeleição, mas perdeu para Jarbas Vasconcelos por uma diferença acima de 1 milhão de votos – 1.809.792 para 744.280 votos.

Um livro revelador – Miguel Arraes morreu aos 88 anos, em 2005, no exercício de seu último mandato político como deputado federal, sem ver o neto Eduardo Campos chegar ao poder, o que se deu nas eleições de 2006. Pouco mais de um ano após sua morte, no dia 15 de dezembro de 2006, data que se comemoraria os 90 anos de seu nascimento, a jornalista Teresa Rozowykwiat lançou o livro “Arraes”, a primeira biografia autorizada sobre a vida do ex-governador. A autora contou com informações exclusivas repassadas pela viúva, Magdalena Arraes, principalmente sobre o período em que viveu no exílio após o golpe militar de 1964. O livro aborda fatos que apenas a família tinha conhecimento e detalhes sobre sua personalidade, que só os mais íntimos conheciam. Três anos depois da morte do mito, em 2008, sua viúva Magdalena Arraes criou o Instituto Miguel Arraes com o objetivo de preservar a memória do ex-governador.

CURTAS

A GRANDE FAMÍLIA – Miguel Arraes foi casado com Célia de Sousa Leão, com quem teve oito filhos, entre eles, Ana Arraes, mãe de Eduardo Campos e do advogado Antônio Campos, e Guel Arraes (diretor de TV). Após a morte da primeira esposa em 26 de fevereiro de 1961, casou-se com Magdalena Fiúza Arraes, com quem teve mais dois filhos: Mariana Arraes de Alencar e Pedro Arraes de Alencar.

NETOS NA POLÍTICA – Entre os netos de Arraes destacam-se Eduardo Campos (ex-governador, morto em um acidente aéreo em 13 de agosto de 2014), Antônio Campos (advogado, escritor e membro da Academia Pernambucana de Letras), Marília Arraes (ex-deputada federal) e Luísa Arraes (atriz). Seus bisnetos também entraram para a política: João Henrique Campos que foi deputado federal e em seguida foi eleito prefeito do Recife e seu irmão Pedro Campos, deputado federal.

Por: Magno Martins

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