Servidores acusam direção do IBGE de publicar texto com propaganda política do governo de Pernambuco
Em carta que circula nos bastidores, técnicos do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) afirmam que a direção do órgão, presidido pelo economista Marcio Pochmann, recebeu e aprovou a publicação de um texto com propaganda política do governo de Pernambuco.
O texto em questão é um prefácio do periódico “Brasil em Números 2024”, lançado nesta terça (28) pelo instituto. O episódio marca um novo capítulo da crise entre os servidores e a gestão Pochmann, intensificada neste mês de janeiro.
O prefácio contestado traz a assinatura da governadora de Pernambuco, Raquel Lyra (PSDB). A peça destaca a importância das estatísticas do IBGE e traça ligações com iniciativas adotadas pelo estado.
“O Brasil em Números, do ano passado, revelou, por exemplo, que o Nordeste é a segunda região com o maior déficit habitacional do País e lidera o número de casas sem abastecimento de água”, diz um trecho do prefácio.
“O Governo do Estado de Pernambuco tem resolvido esse déficit com as ações do Programa Morar Bem, a maior política habitacional da história do estado. Uma de suas modalidades, o Reforma no Lar, realiza serviços de engenharia e arquitetura nas residências localizadas em lugares vulneráveis, como os morros e as encostas”, acrescenta a peça.
A carta dos servidores do IBGE é assinada por Ana Raquel Gomes da Silva, da Gecoi (Gerência de Sistematização de Conteúdos Informacionais), e Leonardo Ferreira Martins, da Gedi (Gerência de Editoração).
A reportagem não conseguiu contato com os técnicos. Fontes afirmam que a posição dos dois também representa a opinião de outros servidores da casa.
A carta indica que a inclusão do prefácio está “em frontal desacordo com as boas práticas institucionais” e não tem “qualquer preocupação” com a possibilidade de caracterizar propaganda política, o que seria “algo absolutamente inédito no IBGE”.
“Conteúdos de tal natureza, característicos de campanhas eleitorais, não se coadunam com a neutralidade técnica que deve nortear a produção editorial do IBGE, sobretudo em uma publicação com abrangência geográfica nacional”, diz a manifestação dos servidores.
Em seus elementos pré-textuais, a publicação “Brasil em Números” traz uma nota que informa aos leitores que as opiniões emitidas são de responsabilidade dos seus respectivos autores.
Os técnicos, no entanto, argumentam que essa nota “não autoriza ineditismos”, como a inserção do que chamam de propaganda política.
Procurados via assessoria de imprensa, o IBGE e o governo de Pernambuco não responderam aos questionamentos da reportagem.
O periódico “Brasil em Números” é anual. Ao anunciar a nova edição, o IBGE disse, sem dar detalhes, que o lançamento foi realizado em parceria com o governo de Pernambuco, a Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste) e o Banco do Nordeste.
Além do governo estadual, as outras duas instituições também contam com prefácios na publicação. O lançamento do periódico ocorreu nesta terça no Instituto Ricardo Brennand, no Recife.
Fontes que passaram pelo IBGE se disseram surpresas com o teor do prefácio. Além de estatísticas diversas, o periódico também costuma trazer textos, por exemplo, de acadêmicos.
A carta dos servidores que contesta o prefácio do governo de Pernambuco diz que a Gerência de Editoração e a Gerência de Sistematização de Conteúdos Informacionais do IBGE fizeram alertas sem sucesso, ainda em novembro, sobre a suposta inadequação.
“Em face, porém, da solene indiferença às argumentações técnicas de ambas as áreas quanto à conotação política do prefácio hoje [terça] divulgado, restou-nos apenas este espaço [carta] em que nos manifestamos para alertar sobre os riscos decorrentes da quebra do princípio da impessoalidade e da perda de autonomia técnica no trabalho, ora vivenciados”, afirma a manifestação.
“A inquestionável precisão de nossas metodologias, a integridade de nossas bases de dados, a qualidade dos estudos e pesquisas desenvolvidos, e o reconhecimento conquistado, ao longo de quase 90 anos, de estudiosos, jornalistas, institutos oficiais de estatística e organismos multilaterais, entre outros entes nacionais e internacionais, resultaram não só da conjunção de múltiplos saberes, mas também da observância a princípios e protocolos de trabalho que, até então constituintes de nossa respeitabilidade institucional, passaram, agora, a ser ignorados”, acrescenta.
A crise no IBGE se intensificou após a entrega de cargos de quatro diretores neste mês. Divergências com a gestão Pochmann teriam pesado nas decisões.
Os funcionários reclamam de uma suposta falta de diálogo na elaboração de projetos como a criação de uma fundação de apoio ao IBGE, a IBGE+.
O estatuto da nova estrutura, apelidada por críticos de “IBGE paralelo”, abre a possibilidade de captação de recursos privados para a realização de trabalhos.
A gestão Pochmann, por sua vez, rebateu as contestações. A presidência chamou a atenção para as restrições orçamentárias do instituto e afirmou que a nova fundação é alvo de “forte campanha de desinformação”.
Leonardo Vieceli/Folhapress