Shalôm!
Shalôm aléikhèm!
Shalôm para vocês!
Neste domingo (23) os cristãos católicos encerram um período muito especial inserido nos 50 dias da celebração do Tempo da Páscoa: é denominado de Oitava da Páscoa. O sentido é místico (seguimento em grande proximidade os passos do Mestre): vivemos todos os dias desde o Domingo da Páscoa como se fosse um oitavo da semana, como se todo o tempo estivesse concentrado num único dia, o da Ressurreição e da grande alegria.
É um tempo raro, mais raro ainda é vive-lo nesta época frenética, colérica, na qual a fé parece ter se refugiado em fórmulas prontas sectárias. Viver este “oitavo dia da semana” como uma extensão do momento fundante do seguimento a Jesus Cristo, sua ressurreição, e a vitória da esperança sobre o medo e a dor.
A Liturgia da Palavra proposta pela Igreja acontece em torno de dois episódios ligados à ressurreição tomados do Evangelho de João (Jo 20, 19-31), o último deles um dos eventos mais conhecidos dos evangelhos, quando Tomé, que estivera ausente do primeiro encontro do Ressuscitado com os discípulos, encontra-o. É a origem das expressões “ver pra crer”, “sou como São Tomé” e assemelhadas.
Proponho que nos concentremos no primeiro encontro. Os discípulos estavam desnorteados e apavorados diante da perda de seu Mestre, preso, torturado e morto pelo consórcio entre as elites judaicas e o exército de ocupação romano, e pela onda de perseguições desencadeada a seguir.
Ao anoitecer daquele dia, o primeiro da semana,
estando fechadas, por medo dos judeus,
as portas do lugar onde os discípulos se encontravam (v19)
Era um momento em tudo parecido com o que vivemos hoje, no Brasil e no mundo. A ameaça da trevas, a perseguição aos pobres e aos que os defendem a concentração do poder e da riqueza nas mãos das elites, a praga corrupção espalhada por toda a terra, os ricos a vender os pobres por um par de sandálias (Am 2,6), por uma emenda constitucional, pela terceirização das relações de trabalho, pela liquidação da Previdência Social.
Em meio ao fechamento e ao medo, Ele chegou. Sua presença e palavra mudaram tudo:
Shalôm aléikhèm! A paz esteja com vocês!
A tradicional saudação judaica não é apenas um cumprimento formal. Não é “olá! Como estão vocês?”. E não apenas um desejo de paz –ausência de brigas ou dissenções ou guerras. É muito mais..
É a expressão do desejo de que repouse a plenitude de todos os bens sobre aqueles a quem se dirige a saudação. É a manifestação de qual a vida deve ser pretendida.
Shalôm aléikhèm! A paz esteja com vocês!
O Ressuscitado não se contentou em saudar seus amigos uma vez, mas o fez por duas vezes:
Jesus entrou e pondo-se no meio deles,
disse: “A paz esteja convosco”.
Depois destas palavras,
mostrou-lhes as mãos e o lado.
Então os discípulos se alegraram
por verem o Senhor.
Novamente, Jesus disse: ”A paz esteja convosco.
Como o Pai me enviou, também eu vos envio”. (vv. 19-20)
Nesta saudação reiterada, Jesus expressou todo o conteúdo de seu ministério: uma vida de plenitude para todos, uma vida de bens partilhados e abundância, de resgate dos pobres e oprimidos, de fraternidade e amor.
Mas há mais, na saudação: Jesus indicou aos seus amigos que seu ministério, confiado por seu Pai, passou a ser responsabilidade de todos. A todos os discípulos e discípulas, a todos os amigos e amigas do Mestre cumpre assumir a missão do Primeiro. Não é algo que seja reservado a uma pequena elite eclesial –a própria ideia de uns poucos apropriarem-se da herança e missão é em si a traição ao Mestre.
É para todos. No Brasil de hoje, significa rejeitar o projeto das elites, excludente, escravocrata, agarrado à idolatria ao dinheiro e aos valores do Império; significa mergulhar no país misturado e fundado como expressão de reunião, caldeirão, cheiros e cores: Paratodos.
A saudação judaica é, em verdade, uma pequena oração. Jesus chegou aos seus com uma pequena oração: Shalôm aléikhèm!
É rezar-agir Shalôm.
Um rabino místico, profético, Abaham Itzhak Kuk (1865-1935), escreveu uma vez que rezar é assumir compromisso com a missão do Pai, com o Shalôm:
“(…) na oração devemos ter em mente que nossa intenção é remover as trevas e o mal da face do mundo e fortalecer a bondade e a luz da plenitude da vida divina”.[1]
A missão Shalom é para todos. A vida Shalom é para todos.
[Mauro Lopes]