A sombra do PCC na chacina em Manaus e nas decapitações em prisão de Goiás

Facção paulista pode estar por trás de ataques contra rivais do Comando Vermelho e Família do Norte

Familiares de presos se desesperam após rebelião em Goiás.
Familiares de presos se desesperam após rebelião em Goiás. CLAUDIO REIS AFP

Eram quase 22h, e a partida de futebol, disputada em campo de terra no bairro de Compensa, Manaus, seguia animada. O local é reduto e local de nascimento da facção criminosa Família do Norte (FDN), que desde 2016 declarou guerra contra o Primeiro Comando da Capital. Naquela noite abafada em 12 de dezembro de 2017, a bola parou de rolar mais cedo. Um grupo de homens com roupas pretas, encapuzados e portando fuzis e pistolas caminhou até a beira do campo e começou a disparar contra os jogadores, deixando seis mortos e nove feridos. Segundo jornais locais, testemunhas disseram que os atiradores gritaram “aqui é PCC!”, indicando que esse pode ter sido o primeiro capítulo desta nova temporada da guerra entre facções – que inclui também presos degolados em Goiás.

As autoridades manauaras trabalham com a hipótese de que a chacina do campinho possa ter como origem um racha dentro da FDN. Mas a tese de um ataque de criminosos ligados ao grupo paulista ganha força, tendo em vista que quase todos os jogadores mortos eram do T5 Jamaica Compensão FC. O time amador foi fundado pelo traficante Luciano da Silva Barbosa, preso em setembro de 2016 enquanto jogava bola naquele mesmo campinho. Ele é filho de José Roberto Fernandes Barbosa, fundador da facção amazonense também detido – e que havia fundado o Manaus Compensão, time que em 2009 chegou a vencer a segunda divisão do campeonato amazonense de futebol.

Até o momento, o capítulo mais violento do embate entre as facções ocorreu em 1º de janeiro de 2017, quando integrantes da Família do Norte assassinaram 56 detentos ligados ao PCC dentro do Complexo Penitenciária Anísio Jobim (Compaj), em Manaus. Foi o segundo maior massacre da história do sistema prisional brasileiro – atrás apenas do Massacre do Carandiru –, e o primeiro voltado contra o PCC, considerado o mais poderoso grupo criminoso do país, até então tido como intocável dentro e fora dos presídios. De acordo com investigações, os criminosos da FDN se insurgiram contra a tentativa do PCC de batizar mais membros no Estado para tentar dominar a lucrativa rota de tráfico do rio Solimões.

Dias depois de ser aniquilado no Compaj, o PCC retaliou contra integrantes do Sindicato RN em Natal, facção aliada à Família do Norte, e matou 26. Depois dessa onda de violência atrás das grades ocorrida entre o final e 2016 e início de 2017, a escalada do conflito diminuiu. Se a chacina no campo do Compensa foi um indicativo de que a situação poderia se agravar este ano, um novo massacre atrás das grades deixa claro que a guerra não acabou.

Ano novo, velhos problemas

Exatamente um ano após o massacre do Compaj, presos ligados ao PCC que cumpriam pena no regime semiaberto do Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia, em Goiás, iniciaram um motim por volta das 14h de 1º de janeiro deste ano. Eles abriram buracos nas paredes para chegar até as alas A, B e D, que abrigam detentos rivais ligados ao Comando Vermelho, aliado da Família do Norte.

A ação deixou nove presos mortos. Dois foram degolados e estripados, e outros tiveram seus corpos carbonizados. Além disso, 14 internos ficaram feridos e 106 fugiram da unidade (cerca de 70 já foram recapturados). As autoridades só conseguiram retomar o controle do presídio por volta das 16h. De acordo com a Superintendência Executiva de Administração Penitenciária de Goiás, três armas de fogo foram encontradas enterradas no pátio da unidade após a rebelião, e tiros teriam sido disparados pelos presos.

O Secretário de Segurança Pública e Administração Penitenciária de Goiás, Ricardo Balestreli, confirmou ao portal UOL que a rebelião tem relação direta com a briga entre facções. “Esse fato está largamente comprovado pelas investigações que estão sendo conduzidas e pela análise do nosso setor de inteligência”, afirmou. De acordo com ele, os líderes da matança já foram identificados e serão transferidos. Em maio do ano passado, durante uma audiência pública, Balestreli já havia afirmado que o PCC estava se fortalecendo no Estado: “O PCC está crescendo aqui e entrando em confronto com grupos rivais. Isso acontece a partir do sistema prisional”.

A presidenta do Supremo Tribunal Federal, Carmen Lúcia, afirmou nesta quinta-feira que deve visitar o presídio em breve, acompanhada do governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB). A ministra deve visitar presídios em todas as unidades da federação até o final de setembro, para avaliar as condições estruturais e de super lotação.

Em outra penitenciária do Estado, em Santa Helena de Goiás, detentos renderam um agente penitenciário e tentaram, sem sucesso, invadir a ala de presos rivais, deixando nove feridos. Em Rio Verde, também em Goiás, houve tumulto na virada do ano, controlado pela polícia. O ministro da Justiça, Torquato Jardim, disse acreditar que o ocorrido em Goiás não tem relação com a guerra de facções que marcou o início do ano passado, mas que a pasta está “alerta” para novos casos de violência.

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