Da Folha de São Paulo
Quando Tarcísio de Freitas (Republicanos) perguntou à sua equipe de marketing como vencer as eleições para governador de São Paulo em 2022, recebeu como resposta que ele precisava de Jair Bolsonaro (PL) –mas que o apoio do ex-presidente não seria o bastante. Ele também necessitava do voto de centro, refratário à radicalização representada pelo bolsonarismo.
Advindo do Ministério da Infraestrutura e com longa trajetória no setor, Tarcísio apostou na imagem de político técnico e moderado para conquistar o eleitor paulista. Mostrava gratidão ao ex-mandatário, mas nas entrevistas e discursos tentava se descolar da ideologia bolsonarista, estratégia que manteve durante o primeiro ano de governo.
“Somos pessoas diferentes, com perfis diferentes. Eu tenho uma cultura muito voltada para o resultado. Não mantive uma postura ideológica na condução do Ministério da Infraestrutura”, afirmou ao jornal O Estado de S. Paulo em junho de 2022. “Eu nunca fui bolsonarista raiz. Não vou entrar em guerra ideológica e cultural”, disse à CNN Brasil seis meses depois.
Tarcísio levou para o seu entorno figuras que costumam transitar entre governos de diferentes orientações ideológicas. Assumiu a coordenação da transição Guilherme Afif (PSD), empresário paulista com décadas de experiência política e participação nas administrações de Dilma Rousseff (PT) e de Jair Bolsonaro. Afif é do grupo de Gilberto Kassab (PSD), que também ganhou posto-chave como secretário de Governo, aumentando a influência do PSD em São Paulo sob Tarcísio enquanto garantia para o partido três ministérios no governo Lula.
A proximidade e a influência de Kassab foi um dos motivos que causaram irritação entre os bolsonaristas no primeiro ano de gestão. Tarcísio também foi criticado por ter mantido relações republicanas com o presidente Lula e, em certos momentos, ter inclusive elogiado o governo – como no fim do ano passado, quando afirmou à revista Veja que Fernando Haddad (Fazenda) estava “fazendo a coisa certa”. O governador mantinha a postura de não encampar temas ideológicos, e isso incomodava os bolsonaristas.
Nos últimos dois meses, porém, quando seu nome começou a aparecer com mais força como herdeiro de Bolsonaro, inelegível, despontando como a principal alternativa da direita para as eleições presidenciais de 2026, Tarcísio deu mostras de que tem se sentido mais confortável para abraçar o bolsonarismo –e sua ideologia.
O ponto de virada foi na manifestação na avenida Paulista em defesa de Bolsonaro, no fim de fevereiro. Tarcísio rasgou elogios ao aliado, acuado diante do avanço das investigações que apuram se houve tentativa de golpe para mantê-lo na Presidência. O governador afirmou que Bolsonaro, que se hospedou no Palácio dos Bandeirantes naquela passagem pela cidade, não era mais só uma pessoa, mas sim a representação de um movimento.
“Você representa todos eles que descobriram que vale a pena brigar pela família, pela pátria, pela liberdade”, disse Tarcísio.
Ao fim do mês de março, na filiação da então secretária Sonaira Fernandes ao PL, o governador voltou a repetir o lema ideológico do bolsonarismo: “Bolsonaro representa o que o PL representa hoje: Deus, pátria, família e liberdade. É o que a gente está falando o tempo todo”.
O que hoje se fala o tempo todo não se falava tanto antes. O governador já havia repetido o mote anteriormente, em março de 2022, quando se filiou ao Republicanos, comandado pelo bispo licenciado Marcos Pereira. Mas essas palavras não eram constantes no vocabulário de Tarcísio, e a tônica também não esteve presente em seu programa de governo.
Com origem no fascismo italiano, o mote “Deus, pátria e família” foi adotado pelos integralistas brasileiros e pela ditadura de António de Oliveira Salazar em Portugal, no meio do século passado. Esses pilares também são a base do governo do primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán, aliado de Bolsonaro. O lema revela a base do orbanismo e do bolsonarismo: o nacionalismo cristão. Essa ideologia associa a identidade de um país e o pertencimento a ele à religião cristã e seus valores morais e culturais.
O dia da filiação de Sonaira ao PL foi também quando o The New York Times revelou que Bolsonaro havia dormido na embaixada húngara, poucos dias depois de ter tido seu passaporte apreendido pela PF. A notícia não provocou desconforto em Tarcísio, que disse que Bolsonaro era um líder como nunca viu igual. “Prazer de servir a esse grande líder e viver este sonho com ele”, afirmou.
Dois dias depois, questionado pela Folha sobre o episódio da embaixada, Tarcísio disse que não via “nada de mais”. No mesmo dia, em meio à pressão que fazia para o apadrinhado se filiar ao PL, Bolsonaro afirmou que um governador “peso pesado” estaria negociando a troca para o partido. “Pessoas que somam, com pensamento muito semelhante ao nosso, que tem na cabeça Deus, pátria, família e liberdade”, disse o ex-presidente.
No mês de abril, Tarcísio continuou a tecer elogios públicos ao aliado e tomou duas decisões alinhadas ao grupo.
Primeiro, no início do mês, nomeou para a secretaria da Mulher a então deputada Valéria Bolsonaro, mantendo o alinhamento ideológico ao bolsonarismo em uma pasta cujas questões têm sido centrais para a direita. Valéria, que adotou o sobrenome ao se casar com um parente distante do ex-presidente, tem uma visão conservadora sobre gênero e família, temas morais que têm sido muito explorados por políticos de direita para mobilizar suas bases.
Depois, no fim de abril, após críticas de bolsonaristas, Tarcísio revogou uma resolução da secretaria de Saúde que submetia à consulta pública uma proposta voltada para a população LGBTQIA+, criada pela própria pasta. O texto falava em “garantir acesso universal e integral às demandas pelo processo transexualizador das pessoas travestis, transexuais e pessoas com outras variabilidades de gênero na rede SUS-SP”.
No mesmo dia, no interior de São Paulo, Tarcísio desfilou ao lado de Bolsonaro, em meio à Agrishow. O ex-presidente disse que, mesmo que não retornasse ao cargo, havia plantado sementes. O governador continuou a elencar elogios ao padrinho político e puxou um coro de “Volta, Bolsonaro!”, publicado em suas redes sociais. E completou: “Hoje ninguém tem vergonha de dizer Deus, pátria, família”.