Teori e Barroso, dois patronos inesperados
Décadas atrás, em Minas, um caso agitou os tribunais e prendeu as atenções da opinião pública, tendo sido condenados a trinta anos de cadeia os irmãos Naves, acusados do assassinato de um desafeto. O processo durava anos quando se completou, só que o juiz que o instruíra aposentou-se, entrando o substituto em seu lugar, a quem coube apenas dar a sentença condenatória, toda baseada nos autos. Mais tarde o verdadeiro assassino apareceu e confessou. Um dos irmãos Naves havia morrido na prisão, o outro ganhou a liberdade. Entrou em discussão tema ainda hoje polêmico, a respeito de poder um juiz completamente à margem de um demorado julgamento ser convocado apenas para exarar a condenação. Não foi culpa daquele jovem juiz se grave erro judiciário aconteceu, já que caiu de paraquedas em terreno desconhecido.
Guardadas as proporções, e com todo o respeito, situação análoga verifica-se no Supremo Tribunal Federal, no processo do mensalão. De repente, já com as condenações dos réus discutidas, debatidas, analisadas e exaradas, dois novos ministros são indicados e tomam posse. De nada participaram do julgamento, sequer acompanharam depoimentos, argumentação do Ministério Público e dos advogados de defesa. Como o juiz mineiro, chegaram depois.
Deveriam Teori Zavaski e Luís Roberto Barroso ter-se dado por impedidos? Seria mais lógico que não participassem da fase finalíssima do julgamento, dado não terem acompanhado o longo período de instrução, elucidação e definição do escândalo. Mesmo assim, por obrigação ou por vaidade, consideraram-se aptos a julgar o último recurso dos já sentenciados mensaleiros. Em especial porque os ministros que vieram a substituir já tinham participado e votado.
Cada cabeça uma sentença, diz o Bom Direito. Não se emitem juízos de valor a respeito das decisões dos dois novos ministros, que tiveram todas as prerrogativas para aceitar os embargos infringentes, à luz de suas concepções jurídicas. Mas estariam preparados para tanto, apesar do brilho e da erudição de seus votos?
Numa fase em que se fala tanto do Regimento Interno do Supremo, não seria o caso de se estabelecer que novos ministros deveriam ater-se apenas a novos processos? Haveria, é claro, que resolver primeiro o problema da herança dos ministros que se forem. Muitos deixam mais de 500 processos para os sucessores. Mecanismos inexistem para obrigá-los a limpar a mesa e os armários, mas levar os que chegam a participar de causas tão intrincadas como a do mensalão geralmente leva a inversões de vulto.
O tema, porém, é meramente retórico. Os irmãos Naves sofreram injustamente. Quanto aos mensaleiros, ganharam dois patronos inesperados. (Carlos Chagas)