Terrorismo eleitoral de direita: infantilização e agressividade

Homens velhos e formados, riem e compartilham fake news e memes que adotam uma estética adolescente. Foi assim que gente adulta e milionária interesseira decidiu investir e interferir no processo eleitora, porque está mais que claro que a massa, a qual pretende manipular, excita-se com essas piadas juvenis

Charge de Vitor Teixeira

Um dos planos mais mirabolantes formulado pelo serviço secreto norte-americano durante a Segunda Guerra mundial foi o que visava conter a retórica de Hitler. Consistia em implantar hormônios femininos nas refeições do chanceler alemão, “que tornariam sua qualidade vocal cada vez mais aguda e sua compleição cada vez mais afeminada”.1

O plano não foi realizado, mas nos anos seguintes, a retórica política adquiriu uma menor agressividade. De Kennedy a Barack Obama, passando por Tony Blair e Lula, ouve a introdução de uma fala carregada de emoção, empatia e autenticidade, o que Karpf identificará como um “movimento de feminização nos usos públicos da voz masculina”.

Esse modelo eloquente foi usado tanto por conservadores quanto por progressistas, contudo, com a ascensão da extrema direita ao poder, tudo indica que esse cenário mudou.

A retórica política que usa estratégias para denegrir seus alvos, injuriar adversários, enfim, a retórica agressiva de Hitler, voltou. É a remasculinização da fala pública. Não apenas homens a usam, mas as mulheres, como Marine Le Pen.

Essa fala não precisa mais da tevê. Foi suavizando o seu discurso que Lula conseguiu usar da tevê para construir uma imagem carismática e, assim, chegar ao poder. Mas hoje, o discurso agressivo que se elege dispensou a tevê e se apoiou nas redes sociais. Não ir aos debates televisivos tornou-se estratégico. Porque soa mal ser agressivo na tevê. Dizer, por exemplo, que irá banir a oposição. Isso porque o ciberespaço permite que o ideal narcisista pós-moderno se realize, pois, por exemplo, nas redes sociais o indivíduo pode defender seu estilo de vida, sua personalidade acima de tudo, em um local “aparentemente neutro”. Um lugar de encontro relativamente igual para todos. Nele “as regras garantem que o espaço ‘privado’ das idiossincrasias pessoais, imperfeições, fantasias violentas etc. não transborde numa dominação direta dos outros”.2

Em nome da ameaça, mesmo que o público não seja alvo dela, acaba sendo levado a se identificar com o sujeito das agressões. E como está na Bíblia, a qual assegura que primeiro veio a fala e somente em seguida as coisas fizeram-se reais, a retórica agressiva começa no discurso, mas, em pouco tempo, espalha-se pelas ruas.

A postura máscula e a voz forte e agressiva era uma característica de Hitler, que usava o rádio em larga escala para difundir seu pensamento nazista. Hoje, as tecnologias mudaram. Não há mais necessidade de duas horas de discurso. Precisa-se de frases curtas que possam caber em uma postagem de fácil replicação, ou em um meme cômico. Somou-se a isso o que podemos chamar de infantilização da cultura de massas.

A “espetacularização” da cultura e da informação é um prato cheio para a manipulação e infantilização das opiniões, pois esta cultura é feita para vender em quantidade e de forma atrativa, tendo assim de metamorfosear tudo que produz em espetáculo, impedindo, desta maneira, uma compreensão mais aprofundada do conteúdo. A transformação da informação em algo de consumo rápido, prendeu os jornais a polêmicas e a informações sensacionalistas, e isso ocorreu não só com os veículos da grande imprensa, mas, em muitos casos, também, com os da mídia independente.

Desta maneira, certos políticos se aproveitam desse caráter efêmero e extravagante da mídia para lançar suas polêmicas. Agora, esse modelo que tinha fins mercadológicos adquiriu, também, uma finalidade política e invadiu um meio onde adquirir “conhecimento” de forma veloz (rolar a página no Facebook ou ligar o telefone para acessar o Whatsapp) predomina.

Os pais sentam ao lado dos seus filhos para assistir as bobagens ditas que, por sua vez, são  interpretadas sem dificuldades. Daí a explosão dos filmes da Marvel e das animações. Não precisa um mínimo de esforço. As mentes se equiparam. Atrofiam-se. Surge então um cenário perfeito para a febre dos memes que circulam de forma viral.

Desta forma, homens velhos e formados, riem e compartilham fakenews e memes que adotam uma estética adolescente. Foi assim que gente adulta e milionária interesseira decidiu investir e interferir no processo eleitoral porque está mais que claro que a massa, a qual pretende manipular, excita-se com essas piadas juvenis.

Tudo deve ser risível, cômico, ou, na linguagem dos jovens, “zoeira”. E a cada minuto novas palhaçadas são apresentadas. Aproveitando-se de que as redes sociais deram espaço a essa cultura imbecilizada, polêmica e agressiva, o político que quer apenas ganhar votos não titubeará em se valer de uma vida acelerada, construída propositalmente para que as pessoas não tenham tempo para pensar no que ouvem, em criar posts potencialmente virais, reproduzindo o seu discurso de forma porca, mas capaz de gerar prazer.

A criança, que tem um acesso cada vez maior ao mundo dos adultos, com maquiagens e computadores que acessam o que há de disponível, adultaliza-se nessa cultura infantilizada. Um paradoxo. Os adultos são cada vez mais infantis, por isso seus filhos são cada vez mais adultalizados. Os mundos se fundem. Crianças e adultos são apenas engrenagem em um mercado político que quer apenas formar indivíduos acríticos para dar a ele funcionalidade.

A síndrome de Buzz Lightyear

Um outro fenômeno atual assoma-se a isso tudo. Na antiguidade greco-romana, a criança era preparada para a vida pública. O público era mais importante que o privado. Inclusive, a palavra idiota vem de idiotes que designava “pessoa privada, simples cidadão”, isto é, aquele que não participava da coisa pública. Para o sociólogo Richard Sennet, a privatização da vida ocorreu quando a criança foi percebida pela sociedade como um ser frágil.3 A existência da família era fundamental para a linhagem, um destino natural. Deste modo, o mundo público tornou-se cada vez mais hostil à inocência de uma criança, forçando os adultos a valorizarem o lar. A casa se tornou um local onde as pessoas não precisavam mais usar os sinais públicos de reconhecimento, bastavam ser elas mesmas.

O público foi sendo vilipendiado gradativamente pelas pessoas. E não só desprezado, mas execrado, visto como um lugar onde reina a lábia interesseira, a corrupção, a rapina. Mas, a modernização da sociedade trouxe várias alterações, uma delas é que com a urbanização a natalidade diminuiu. Hoje chegamos a patamares surpreendentes onde a população está envelhecendo cada vez mais, enquanto que as pessoas têm cada vez menos vontade de ter filhos. O desejo de consumir, de modo geral, e a liberdade feminina acompanhada de uma necessidade de realizar os sonhos que a indústria do consumo apresenta, chocam-se com o desejo de constituir uma família, onde novas responsabilidades aparecem. A família deixou de ser um destino natural e passou a ser desejada, planejada.4

Deste modo, os jovens sem filhos, voltam-se novamente para a vida pública, no entanto, desta vez, carregando todo o ódio a ela desenvolvido ao longo dos séculos, entranhado em uma tradição. Consumidores de uma cultura que valoriza apenas o superficial, apropriam-se de instrumentos frágeis para compreender a complexidade da vida pública que, por sua vez, sustenta uma lógica de dominação de agentes que raramente aparecem.

Acaba sendo relativamente fácil entrar nas mentes desses indivíduos que caminham em direção do que mais os excita, do que promete o prazer insaciável, quando não frustrado, que um sistema excludente promete, mas na maioria das vezes não consegue realizar. O uso das redes sociais por políticos, de programas sensacionalistas, que promovem uma comédia na lógica do riso instantâneo de coisas sérias, e de outros mecanismos, está atraindo um número cada vez maior de indivíduos que sofre da síndrome de Buzz Lightyear, personagem do filme Toy Story da Disney (já que estamos falando de infantilização): não percebem que são apenas bonecos.

 

1 PIOVEZANI, Carlos. Falar em público na política contemporânea. In: COURTINE, J-J E PIOVEZANI, C. (orgs.). História da fala pública. Petrópolis: Vozes, 2015.

2 ZIZEK, Slavoj. Em defesa das causas perdidas. Trad: Maria Beatriz de Medina. São Paulo: Boitempo, 2011. p. 53

3 SENNET, Richard. O declínio do homem público. Trad: Lygia Araujo Watanabe. Rio de Janeiro: Record, 2014. p. 147.

4 BECK, Ulrich. Sociedade de risco. São Paulo: editora34, 2011. p.169.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *