Travestis pagam R$ 50 a cafetinas para ‘trabalhar’ na rua

Andrezza Moura e Euzeni Daltro

  • Sabrina, que tem 18 anos, é de Aracaju (SE) e faz programas na orla da Pituba - Foto: Joá Souza l Ag. A TARDE

    Sabrina, que tem 18 anos, é de Aracaju (SE) e faz programas na orla da Pituba

A prostituição das travestis vai muito além do livre arbítrio de fazer o que quiser com o próprio corpo. Descer para a pista, em Salvador, está condicionado ao pagamento de R$ 50 por semana às cafetinas ou às pessoas designadas por elas para fazerem a cobrança. Quem não paga está passível de sofrer represálias.

A reportagem percorreu oito áreas de prostituição de travestis localizadas na orla, no centro e na Cidade Baixa durante a noite e a madrugada dos dias 2, 3 e 4 de outubro. E constatou um estruturado esquema de “cafetinagem” em sete dessas áreas. São elas: Avenida 7 de Setembro, Avenida Barros Reis, Dois Leões, Itapuã, Piatã, Pituba e Sete Portas. Entre as áreas percorridas pelos jornalistas, apenas no Largo de Roma não existe cafetina, conforme depoimentos das travestis que atuam nesse ponto.

Os relatos dão conta de que a cobrança por “pagar a rua” existe em todo o país e geralmente é feita às travestis que vêm de outras cidades ou estados. Daí o nome “pagar a rua”.

Travesti negocia com cliente no bairro da Pituba (Foto: Joá Souza l Ag. A TARDE)

As cobranças são feitas sempre na sexta-feira e, geralmente, são realizadas por outras travestis, prostitutas ou ex-prostitutas, acompanhadas por outras travestis e até mesmo homens que trabalham com elas. Mas quem controla o esquema não vai à rua cobrar.

“A cafetina vem, no carro, cobrar a pista acompanhada por mais cinco travestis. Se a travesti não tiver dinheiro para pagar, ela dá multa. Leva tudo que a pessoa tem. Se não tiver nada, descem as cinco [travestis do carro] para bater e até expulsar da pista”, contou uma travesti, que faz ponto na Pituba.

Na madrugada do dia 2 de outubro, uma sexta-feira, havia um carro preto com cinco travestis percorrendo as esquinas de prostituição na Pituba. E também uma travesti que percorria outros pontos a pé e, inclusive, conversou com a motorista do carro. Tanto esta última quanto a motorista do veículo vieram perguntar o que a reportagem estava fazendo.

“Eu já me prostituí, mas hoje faço um trabalho social com as travestis aqui na Pituba. Distribuo camisinhas e aconselho sobre sexo seguro e a importância de não se envolverem em brigas e crimes”, disse ela, ao mostrar uma sacola com dezenas de preservativos. A distribuição de camisinhas foi o mesmo argumento dado por uma suposta cafetina na Avenida Orlando Gomes, em Itapuã, no dia último dia 21. Ambas negaram a prática do crime.

Quem reside em casa de cafetina paga pela estada e não precisa pagar a rua. O pagamento também é semanal e varia de R$ 120 a R$ 150. “Quando a gente chega em um ponto, alguém vem logo perguntar ‘você é filha de quem? Está na casa de quem?’. Se for uma cafetina conhecida, ninguém mexe com você. Mas, se não for, corre o risco de pagar duas vezes. Paga na casa e paga aqui na rua”, contou a travesti Sabrina, 18 anos, que é natural de Aracaju (SE) e está na casa de uma cafetina na Praça Castro Alves, próximo ao cinema Glauber Rocha.

A travesti Ticiele, 21, diz que já foi agredida quando trabalhava na Pituba. Mas preferiu não entrar em detalhes. A agressão fez com que ela optasse por pagar a rua mesmo não sendo obrigada, pois é da cidade. “Eu cheguei nova. Pago a rua para as antigas não mexerem comigo, não ficarem pedido para eu pagar lanche e bebidas. Nada forçado, mas é um constrangimento. Para não acontecer dessas coisas, para não ser mexida por outras, eu pago a rua. Pago para ter segurança”, disse ela. Isso porque, se acontecer alguma coisa com as travestis na rua, as cafetinas tomam providências.

“O negócio da cafetina só é pagar. Se não pagar, elas viram monstro. O negócio é não ficar devendo a rua, não passar do dia. Se não pagar na sexta-feira e não respeitar o prazo que elas deram, ganha doce”, contou a travesti Adriquiele, 21, cujo ponto é no Largo de Roma. E doce pode ser uma agressão física, a exemplo de corte no corpo com estilete, ter os pertences roubados, ser alvo de fofoca ou até mesmo ser expulsa do ponto de prostituição.

Travesti: a luta de todos os dias

Explorar prostituição é crime

Tirar proveito da prostituição alheia é crime previsto no Código Penal Brasileiro (CPB). A pena é reclusão de um a quatro anos e multa, para os casos em que o explorador participa diretamente dos lucros ou se sustenta, no todo ou em parte, por quem se prostitui.

Os delegados Adailton Adam, da 1ª DT (Barris), ACM Santos, da 12ª DT (Itapuã), e Nilton Tormes, da 16ª DT (Pituba), afirmaram ter conhecimento da prostituição nas áreas de responsabilidade das respectivas unidades policiais, mas afirmaram desconhecer a prática de “cafetinagem”.

“Vamos investigar”, afirmou ACM Santos. O mesmo foi dito pelo tenente-coronel Saulo Roberto, comandantes da 13ª CIPM (Pituba), pelo major Robson Pacheco, da 15ª CIPM (Itapuã), e pelo major Edmilton Reis, da 37ª CIPM (Liberdade).

Pontos de prostituição

Orla

Pituba: nos cruzamentos das ruas Maranhão, Pará e Espírito Santo com as avenidas Manoel Dias da Silva e Octávio Mangabeira.

Itapuã e Piatã: avenidas Dorival Caymmi e Octávio Mangabeira.

Centro

Avenida 7 de Setembro, próximo ao Relógio de São Pedro, Avenida Barros Reis, na ladeira de acesso ao bairro do IAPI, Dois Leões, e Sete Portas, nas proximidades da Ladeira Cônego Pereira.

Cidade Baixa

Largo de Roma, no cruzamento da Avenida Fernandes da Cunha com a Rua Frederico Lisboa. Esse foi o único trecho visitado pela reportagem em que não há atuação de cafetinas, conforme relatos das travestis.

Fonte: A Tarde

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