Três anos após início da Copa, ‘elefantes brancos’ servem até de escola para reduzir prejuízo
Renata Mendonça
Todos os dias, centenas de crianças atravessam os portões da Arena Pantanal em Cuiabá. Mas elas não estão indo a um jogo de futebol – estão indo para a escola. O estádio com capacidade para 41 mil pessoas construído para a Copa do Mundo é hoje um colégio estadual para 300 alunos de 12 a 17 anos.
Essa passou a ser a principal função da arena, que ficou às moscas pela escassez de jogos e eventos – que nunca conseguiram atrair bom público. Os custos para a sua manutenção são de R$ 700 mil por mês, gerando um prejuízo de milhões para o Estado.
“A principal fonte de renda (do estádio) é o governo, que banca”, contou à BBC Brasil Leonardo de Oliveira, Secretário Adjunto de Esporte e Educação do Mato Grosso. “Nós temos aqui alguns times, mas eles não têm torcida muito grande. Não dá para bancar com os jogos. E para os shows, não tem público para encher. A gente faz shows nacionais aqui de 10 mil pessoas, é pequeno para uma arena de 40 mil. Construíram um estádio desse que não tem como ter renda.”
Passados três anos do início da Copa do Mundo no Brasil, o cenário nos estádios construídos para o Mundial é bem diferente de 2014, quando receberam grandes espetáculos de futebol com arquibancadas lotadas. Hoje, sofrem para preencher as cadeiras e conseguir cobrir os altos gastos de manutenção.
A realidade em Cuiabá não é diferente da de outros quatro estádios construídos para o Mundial. Assim como na capital do Mato Grosso, em Brasília, Manaus e Natal o grande problema é a falta de tradição do futebol local – e de torcidas que encham estádios. Entre os 12 estádios construídos ou reformados, esses cinco são os “elefantes brancos” por serem, de longe, os mais vazios e com mais desafios para eliminar os prejuízos.
Uma saída, pelo menos até o ano passado, tem sido sediar partidas de grandes clubes do Sudeste, como Flamengo e Corinthians, que poderiam vender seus mandos de campo a esses estádios. Mas em 2016 a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) proibiu que as equipes transferissem seus jogos para outros Estados.
Em Recife, o caso é mais peculiar: a cidade tem três clubes fortes e tradicionais, mas a Arena Pernambuco, construída em um local afastado da capital, não têm atraído torcedores como se esperava e agora também sofre para fechar as contas.
A estimativa é que os cinco “elefantes brancos” citados acima dão um prejuízo anual aos cofres públicos de mais de R$ 30 milhões.
E entre os 12 estádios construídos ou reformados para a Copa, só duas arenas não estão tendo suas obras investigadas – o Beira-Rio e a Arena da Baixada (Curitiba). As outras, geraram suspeitas de corrupção, fraude na licitação, superfaturamento e propina paga a políticos das cidades-sede.
Para marcar os três anos do início da Copa nesta segunda-feira, a BBC Brasil fez um levantamento sobre custos e arrecadações anuais e como estão sendo utilizados os estádios tidos como os cinco “elefantes brancos” entre os construídos ou reformados para a Copa, por serem, de longe, os mais vazios e com mais desafios para eliminar os prejuízos.
São eles: Mané Garrincha (Brasília), Arena Pantanal (Cuiabá), Arena da Amazônia (Manaus), Arena das Dunas (Natal) e Arena Pernambuco (Recife).
Arena da Amazônia
O estádio de Manaus foi considerado um dos “mais bonitos” construídos para a Copa. Depois do Mundial, foi palco de partidas de futebol da Olimpíada e de amistosos da seleção brasileira, e sediou partidas de clubes cariocas como Flamengo e Vasco, que têm um bom número de torcedores em terras amazonenses.
Com custo de R$ 550 mil por mês para manutenção, o estádio de 40 mil lugares via nos jogos dos times do Sudeste sua principal fonte de renda. No entanto, com a mudança nas regras da CBF, a situação ficou difícil.
Para reduzir o deficit, a administração do estádio aposta no futebol local, para que ele possa “se pagar” já no ano que vem e, no futuro, ser até uma fonte de recursos para o governo.
Em entrevista à BBC Brasil, Fabrício Lima, secretário de Esportes e Lazer do Amazonas, lamentou a falta de apoio da CBF.
“Há algumas decisões da CBF que vão de encontro a tudo aquilo que eles pregaram na Copa do Mundo, de legado, daquilo que eles queriam para o futebol. A entidade que deveria fomentar os estádios e ajudar a fazer com que eles crescessem e junto com eles o futebol local, não faz isso.”
Lima contou que a estratégia foi abrir as portas para os clubes locais, sem cobrar deles. Com jogos e eventos a casa semana, segundo Lima, o “cartão-postal” da cidade ganha vida e afasta o estigma de “elefante branco”.
“Aqui é como uma empresa, ela não vai dar lucro de uma hora pra outra. Esse ano, o público ainda está muito aquém…mas ele vem melhorando a cada ano”, disse Lima.
O futebol feminino também tem sido incentivado dessa maneira, segundo Lima. O Iranduba, equipe amazonense que se firmou no cenário nacional no ano passado e já levou o maior público da arena em jogos locais (mais de 17 mil pessoas em partida pela Liga de Futebol Feminino Sub-20 em 2016), não paga aluguel para atuar no estádio e fica com toda a renda dos jogos. “É uma forma de fomentar o futebol feminino. A gente acredita que é um investimento a médio e longo prazo nosso para os clubes locais.”
A Arena da Amazônia é alvo de investigação por fraude na licitação. Segundo delação da Odebrecht, a licitação em Manaus teve um acordo para que fosse vencida pela Andrade Gutierrez.
Mané Garrincha
O estádio de Brasília, com capacidade para 72 mil pessoas, foi o mais caro da Copa do Mundo, chegando a custar quase R$ 2 bilhões. Atualmente, o ex-governadores do Estado José Roberto Arruda (PR) e Agnelo Queiroz (PT) e o ex-vice-governador de Brasília Tadeu Filippelli (PMDB) estão presos suspeitos de participar de um esquema de superfaturamento de até R$ 900 milhões na arena – a investigação faz parte da Operação Panatenaico da Polícia Federal.
O estádio gera um prejuízo anual de mais de R$ 6,4 milhões. Com um custo mensal de R$ 700 mil, o Mané Garrincha tem sobrevivido de shows nacionais, eventos sociais, como formaturas e festas evangélicas, e raros jogos – em 2016, foram 60 eventos, sendo 14 deles partidas de futebol.
“Nós fomos contrários à construção. Mas agora já está ali. Tem que trabalhar o estádio com o vetor de desenvolvimento econômico para a cidade e o Estado”, disse Jaime Recena, secretário adjunto de Turismo e Esporte.
Para reduzir o deficit, o governo levou 3 secretarias estaduais para o local. “Isso representou uma economia de R$ 10 milhões pro Estado em aluguel. Claro que o estádio não foi construído pra isso, mas a gente tem que buscar a solução”, afirmou Recena.
A ideia da pasta agora é entregar o Mané Garrincha para a iniciativa privada e a previsão é de que a licitação aconteça ainda neste ano.
Arena Pantanal
O custo mensal é de R$ 700 mil, mas a atual administração da Arena Pantanal não sabe quanto o estádio arrecadou em 2016, nem o tamanho do prejuízo. Mas segundo estimativa da revista Época, a arrecadação do ano passado foi de apenas R$ 100 mil – o que representaria um deficit de R$ 8,3 milhões.
“A arrecadação só foi regulamentada em agosto de 2016, portanto não há dados relativos a 2015 e como já ocorreu na parte final do ano, também não temos os dados precisos dos eventos. Como houve a mudança na gestão do estádio, não foi possível obter os valores relativos aos cinco meses de 2016 após a regulamentação”, afirmou a secretaria de Educação, Esporte e Lazer.
Por enquanto, a melhor utilização para aproveitar a arena de 41 mil lugares em Cuiabá foi fazer dela uma escola, instalada há três meses e com 300 alunos.
“Já que o estádio está aí, nós temos que usar”, disse o secretário Leonardo de Oliveira. “A arena aqui fica num complexo esportivo com piscina olímpica, quadra de vôlei de areia, ginásio, etc. Os alunos estudam normal e no outro turno são 3 horas de esporte. Nossa ideia é fazer uma escola estadual voltada ao esporte, com 10 modalidades para começar a trabalhar atletas. Eles terão acompanhamento de médicos, dentistas, fisioterapeutas e tudo mais.”
A construção da Arena Pantanal também é alvo de investigação por corrupção. O ex-governador do Mato Grosso, Silval Barbosa (PMDB) foi acusado pelo ex-secretário da Copa do Estado, Eder Moraes, de ter recebido propina no valor de R$ 5 milhões para acelerar a contratação da obra. O primeiro está preso e o segundo usa tornozeleira enquanto está recorrendo em liberdade.
Arena das Dunas
A Arena das Dunas é outra obra sob investigação da Polícia Federal, na Operação Manus, que apura crimes de corrupção e lavagem de dinheiro na construção do estádio, além de um superfaturamento de R$ 77 milhões. O ex-ministro (do Turismo) e deputado federal Henrique Alves (PMDB) foi preso na semana passada como alvo da operação.
O estádio também depende dos cofres públicos para se pagar. Um dos mais utilizados no período pós-Copa, a arena de Natal agora recebe poucos jogos e, segundo levantamento da revista Época, acumulou mais de R$ 35 milhões de prejuízo entre 2014 e 2015. A reportagem entrou em contato com a administração do estádio, mas não obteve resposta sobre custos e arrecadação.
A Arena das Dunas foi construída como uma parceria público-privada (PPP); a concessão vale por duas décadas, e o Estado pagará por ela durante os próximos 17 anos. Nos primeiros 11 anos, o governo arcará com a prestação de R$ 9 milhões mensais; do 12º ano ao 14º, serão R$ 2,7 milhões; e nos últimos três anos, R$ 90 mil. A OAS, construtora da arena e a quem o governo do Rio Grande do Norte havia concedido sua administração, colocou 100% dos ativos do estádio à venda em 2015.
Arena Pernambuco
A Arena Pernambuco foi construída em São Lourenço da Mata, a 20 km de Recife, em um projeto da Odebrecht batizado de “Cidade da Copa”, que incluiria o desenvolvimento da região com a construção de hotéis, centro comercial e outras atrações no entorno estádio. No entanto, somente a arena saiu do papel – e hoje o projeto é alvo de investigação da Operação Fair Play por fraude na licitação e superfaturamento de pelo menos R$ 42 milhões.
Em nota, o governo de Pernambuco disse à BBC que o plano era que a Cidade da Copa fomentasse o desenvolvimento da Zona Oeste, mas que “obras não avançaram e, por enquanto, somente a Arena Pernambuco é o equipamento pronto do projeto inicial. A área é de propriedade do Estado e terá, no tempo próprio, a utilização adequada”.
A Odebrecht, que mantinha um consórcio para administrar o estádio, teve seu contrato rompido há um ano pelo governo do Estado, porque, segundo este, “as receitas projetadas pela concessionária não se confirmaram”.
Até então, o custo mensal do estádio para 46 mil pessoas era de R$ 2 milhões. Agora, a Secretaria de Esportes do Estado tenta reduzir isso para torná-lo viável economicamente.
Antes, com o consórcio, somente o Náutico, dos três clubes de Recife, tinha contrato para jogar na arena. No entanto, esse contrato foi rompido – o time agora busca fazer uma reforma no seu próprio estádio, os Aflitos. Sport e Santa Cruz também têm seus estádios próprios e mandam seus jogos na arena esporadicamente.
Mas o governo estadual está otimista, e diz que desde que assumiu as rédeas da arena os resultados tem sido positivos.
“A Arena de Pernambuco, em 12 meses, sediou mais eventos do que no período de gestão privada. De junho de 2016 a junho de 2017, foram 71 eventos de caráter multiuso, desde shows, passando por reuniões comerciais, eventos corporativos de empresas, confraternizações, entre outros”, afirmou a Secretaria de Esportes.
“Nesse mesmo tempo, a Arena sediou cerca de 35 jogos, número esse que certamente irá aumentar até o final do ano, em virtude do acordo com o Náutico (que ainda “manda” jogos na Arena enquanto conclui reforma no Aflitos) e das constantes negociações para prospecção de grandes jogos com clubes como Santa Cruz e Sport. A alcunha ‘elefante branco’ aqui não é aplicável.”
Mesmo com todos os eventos sediados em 2016, no entanto, o prejuízo da arena chegou a mais de R$ 7,9 milhões.