Tribunais são notificados sobre início de regra de gênero para promoções

 

A partir de janeiro, as vagas para magistrados de carreira na segunda instância dos tribunais deverão ser preenchidas de acordo com a resolução do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) que estabelece alternância de gênero para as promoções por merecimento.

O conselho notificou há duas semanas os Tribunais de Justiça estaduais, a Justiça Federal e a do Trabalho sobre a aplicação da norma aprovada em setembro. O texto não atinge as cortes eleitorais e militares, com regras específicas de composição.

A ação afirmativa valerá para as cortes que tiverem um patamar inferior a 40% de magistradas de carreira na segunda instância, até que a paridade seja alcançada.

O cálculo ainda deverá ser feito pelos tribunais. O ingresso nos tribunais pelo quinto constitucional da advocacia e do Ministério Público não será impactado pela resolução.

As vagas na segunda instância são abertas a partir da saída de um magistrado, o que pode ocorrer, dentre outros motivos, por aposentadoria voluntária ou compulsória —quando o integrante da corte completa 75 anos.

Recentemente, o CNJ fez uma retificação no guia de orientações que deverá ser seguido pelas cortes para deixar claro que, a partir de janeiro, a primeira promoção de cada tribunal deverá ter como referência o gênero do último juiz de carreira promovido por antiguidade.

Se tiver sido um homem, a próxima vaga por merecimento —regra em que pesam fatores subjetivos e políticos— será definida a partir de uma lista tríplice apenas de mulheres. Se não, a lista poderá ser mista.

Caso a última promoção tenha sido por merecimento, a próxima vaga será por antiguidade. A lista seguinte por merecimento será exclusiva de mulheres se o promovido for um homem, ou mista, se a promovida for uma mulher.

De acordo com levantamento feito pela Folha com os tribunais, 14 cortes informaram que o último promovido por antiguidade foi um homem, logo, vagas para mulheres devem aparecer nessas cortes. O número, porém, pode ser maior, já que 14 tribunais não responderam à reportagem.

Há previsão de cadeiras para mulheres no próximo edital divulgado pelos tribunais estaduais de Alagoas, Amazonas, Maranhão, Pernambuco, Rio Grande do Sul e Tocantins.

Nos Tribunais Regionais do Trabalho, esse é o cenário em Minas Gerais (3ª Região), Rio Grande do Sul (4ª Região), Ceará (7ª Região), Paraná (9ª Região), Santa Catarina (12ª Região), Espírito Santo (17ª Região) e Goiás (18ª Região).

Na Justiça Federal, a vaga deve ser aberta no Tribunal Regional Federal da 6ª Região, de Minas Gerais.

De todos, apenas o TJ-MA (Tribunal de Justiça do Maranhão) tem previsão de abertura de vaga em 2024, em fevereiro. No TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) e no TJ-MT (Tribunal de Justiça de Mato Grosso), há possibilidade que o mesmo aconteça também em fevereiro, a depender da próxima promoção por merecimento, cujas vagas devem ser abertas em janeiro e fevereiro, respectivamente.

Depois da primeira promoção, a referência para as seguintes passará a ser o gênero do último magistrado promovido por merecimento, alternando listas exclusivas de mulheres e listas mistas.

Na proposta inicial apresentada no CNJ, o critério de antiguidade, que considera a data de entrada do magistrado na corte, também seria impactado pela resolução. Porém, diante da resistência dos tribunais, o texto ficou restrito às promoções por merecimento.

A antiguidade também é considerada nas listas de promoção por merecimento. Podem se inscrever as magistradas que fazem parte do quinto mais antigo da corte. Caso o tribunal tenha 100 juízes, apenas os 20 mais antigos podem se candidatar. Se não houver mulheres nesse grupo, os próximos 20 mais antigos são considerados e, assim, sucessivamente.

A conselheira Salise Sanchonete, relatora no CNJ do procedimento que gerou a nova regra, afirma que a resolução é autoaplicável, e os tribunais são obrigados a seguir a determinação do conselho, independentemente de já terem instituído ou não normas internas sobre o tema.

“O ideal seria que os tribunais tivessem a alteração do seu regimento interno para contemplar o processo de escolha de acordo com a resolução, mas, se não tiverem, têm que aplicar imediatamente a regra nova para a primeira vaga que for lista tríplice”, diz.

Para monitorar o cumprimento da nova norma, o setor de tecnologia do CNJ trabalha para incluir no módulo de produtividade preenchido mensalmente pelos tribunais novos campos para as cortes informarem a data de nascimento e ingresso na carreira dos integrantes da segunda instância, assim como o gênero.

Os presidentes das cortes que descumprirem a normativa estarão sujeitos a processo de controle administrativo no CNJ. Se for comprovado que o gestor agiu de forma deliberada em descumprimento, sanções como advertência, censura ou até mais graves, como aposentadoria, poderão ser aplicadas.

“Eu não acredito que vá chegar a esse extremo, mas se houver uma afronta direta, ‘eu me nego a cumprir a resolução’, não pode ter gestor num tribunal. De repente pode até ser aposentado”, diz Sanchonete.

Em setembro, o Conselho de Presidentes dos Tribunais de Justiça do Brasil, que reúne os 27 TJs dos estados e do Distrito Federal, foi o principal opositor da nova regra de paridade.

Em nota técnica, à véspera da votação da normativa no CNJ em setembro, a entidade pediu que o tema fosse retirado de pauta. Disse ainda que a modificação deveria ser feita por meio de lei formal e que estaria fora do âmbito do conselho.

Procurado pela reportagem, o conselho dos TJs disse que não pretende se manifestar mais sobre o assunto.

Outro que se manifestou contra à época foi o TJ-SP, a maior corte do país, pedindo adiamento do debate para que os tribunais se pronunciassem individualmente acerca da minuta de resolução.

A reportagem questionou se tribunal manteria a posição contrária à resolução e se pretendia contestar a norma. Em nota, a corte disse que “cumprirá a referida resolução, assim como cumpre todas as demais”.

“A manifestação citada ocorreu em setembro, no curso do expediente sobre o tema, momento oportuno para os debates. A matéria foi discutida e a resolução aprovada em sessão do Conselho Nacional de Justiça. O TJ-SP não emite nota ou comentário sobre decisões dos tribunais superiores e do CNJ”, completou.

O QUE DIZ A NOVA REGRA DE PROMOÇÃO DE JUÍZES DE CARREIRA
O Conselho Nacional de Justiça aprovou em setembro, sob a presidência da ministra Rosa Weber, hoje aposentada, uma regra que prevê alternância de gênero na promoção por merecimento de juízes de carreira.
As vagas na 2ª instância são abertas a partir da saída de um magistrado, o que pode ocorrer por morte, aposentadoria voluntária ou compulsória, aos 75 anos.
O preenchimento desses postos é alternado entre antiguidade, que considera a data de entrada no tribunal, e merecimento, onde há influência política e critérios subjetivos.
Com a nova regra, se houver na segunda instância dos tribunais da Justiça Estadual, Federal e do Trabalho menos de 40% de mulheres, a corte deverá aplicar a ação afirmativa.
A regra começa a ser aplicada com base na última promoção por antiguidade. Se o promovido foi um homem, a próxima promoção por merecimento será feita a partir de uma lista exclusiva de mulheres.
A regra não vale para os Tribunais Regionais Eleitorais e da Justiça Militar.
O objetivo é alcançar a paridade de gênero nos tribunais. Assim que o número de mulheres chegar a 40%, a corte não será mais obrigada a aplicar a regra.

 

Géssica Brandino e Priscila Camazano/Folhapress

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