Tribunal de Justiça transfere da Baixada processos de homicídio por suspeita de influência da milícia

Braulino (de camisa azul) e Vanderson (ao fundo, de camisa branca): dois dos réus pelo assassinato de José Roberto Ornelas, dono do jornal "Hora H"
Braulino (de camisa azul) e Vanderson (ao fundo, de camisa branca): dois dos réus pelo assassinato de José Roberto Ornelas, dono do jornal “Hora H” Foto: Cléber Júnior
Rafael Nascimento de Souza
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Milicianos tentaram interferir em julgamentos da 4ª Vara Criminal de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, responsável por julgar casos de homicídio. As informações são da 1ª Promotoria junto à 4ª Vara Criminal e do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público do Rio, que investigam uma tentativa de milicianos em atrapalhar diversas sentenças.

Segundo a investigação do MP, o bando recrutou e inseriu dentro da Defensoria Pública do estado uma interlocutora para tentar influenciar os julgamentos. Por conta disso, uma estagiária do órgão está sendo investigada e o Tribunal de Justiça do Rio determinou que pelo menos 30 processos em que essa funcionária atuou fossem remetidos à comarca da capital.

José Roberto de Ornelas de Lemos, diretor do Jornal Hora H, quando foi preso, em 2003, acusado pelo assassinato do sub-secretário de governo de Meriti
José Roberto de Ornelas de Lemos, diretor do Jornal Hora H, quando foi preso, em 2003, acusado pelo assassinato do sub-secretário de governo de Meriti Foto: Gustavo Azeredo

A situação é tão grave que a Justiça dissolveu o conselho de sentença da comarca e realizou um novo sorteio no ano passado. Durante cinco meses, a Vara Criminal da cidade ficou sem júri popular. Já se sabe que dois casos poderiam sofrer interferência dos milicianos: o do assassinato do empresário José Roberto Ornelas de Lemos, dono do jornal “Hora H”, em 2013, e o do assassino em série Sailson José das Chagas, que teria matado mais de 40 pessoas.

Sailson teve a prisão preventiva decretada pela Justiça
Sailson teve a prisão preventiva decretada pela Justiça Foto: Guilherme Pinto / Extra

As suspeitas da intromissão da milícia nos julgamentos começaram em abril do ano passado quando jurados participavam de um curso no Instituto Médico-Legal (IML) de Nova Iguaçu, um evento realizado pela 4ª Vara Criminal.

Naquele dia, segundo o Ministério Público, a estagiária da Defensoria Pública conversou com uma jurada e fez comentários em voz alta com argumentos capazes de persuadir e influenciar todo o corpo de jurados — na investigação da morte do empresário e de um inquérito em que Sailson estava envolvido.

Naquela ocasião, segundo o Tribunal de Justiça do Rio, a mulher desqualificou não só investigação da Polícia Civil, mas também a atuação do Ministério Público. A estagiária levantou dúvidas sobre a condição dos laudos periciais.

— Comuniquei esses fatos à 4ª Vara Criminal e a juíza (Anna Christina da Silveira Fernandes) comunicou ao Procurador Geral de Justiça e à Corregedoria do Tribunal de Justiça. Por conta disso, foram requeridas diversas transferências de processos e a dissolução do corpo de jurados — disse a promotora Júlia Silva Jardim, da 1ª Promotoria junto à 4ª Vara Criminal.

O EXTRA pediu uma entrevista à Defensoria Pública com o defensor público-geral do estado, Rodrigo Pacheco. O órgão disse que não seria possível. A assessoria de imprensa da Defensoria não informou se a estagiária continua na instituição. Por nota, a instituição afirmou “que foi notificada em inquérito civil sobre o caso e que prestou as informações necessárias”. Segundo a Defensoria, “a instituição não tem conhecimento de investigação criminal contra a pessoa apontada”. O Tribunal de Justiça disse que, devido ao horário, não conseguiria contato com as áreas que poderiam dar as informações sobre o caso.

‘Interferência no ânimo dos jurados’

A situação chegou às mãos do desembargador Joaquim Domingos de Almeida Neto, da Sétima Câmara Criminal. O magistrado, no voto para a transferência dos processos de Nova Iguaçu para o Rio, disse que houve “interferência no ânimo dos jurados, capaz de comprometer a credibilidade e a imparcialidade do júri”. Ainda segundo a decisão do desembargador, há “graves indícios de comprometimento tendo como interferência de milícia nos julgamentos no Tribunal do Júri desta mesma comarca”, reverindo se a 4ª Vara Criminal. Ainda no voto, Neto parabenizou a juíza por disolver o júri.

Sabe-se que a estudante de Direito falou sobre dois processos. Um deles é sobre o assassinato do dono do “Hora H”. A suspeita é que ela iria tentar beneficiar os suspeitos pela morte do empresário. Atualmente, quatro homens são réus pelo assassinato: Celso Henrique Batista Ribeiro, Vanderson da Silva, Braulino Brejeiro Fernandes e Leonardo Souza Moreira.

O MP abriu dois inquéritos para apurar a conduta da estagiária. Há áudios em que ela aparece conversando com um homem, que segundo o MP é miliciano, combinando a persuasão dos jurados. Essa investigação está sob sigilo. Na apuração consta que a estagiária teria acompanhado uma jurada que havia sido “contratada” por um réu miliciano para a realização de uma perícia da defesa.

José Lemos, pai de José Roberto, se emocionou ao saber quem foram os responsáveis pela morte do filho
José Lemos, pai de José Roberto, se emocionou ao saber quem foram os responsáveis pela morte do filho Foto: Ligia Modena

Execução com mais de 40 tiros

José Roberto Ornelas foi executado em junho de 2013 com mais de 40 tiros. O empresário estava com amigos em uma padaria que frequentava na Avenida Fuscão, no Corumbá, em Nova Iguaçu, quando bandidos encapuzados atiraram de dentro de um Gol cinza e fugiram. Na época, parentes afirmaram que José Roberto Ornelas sofria muitas ameaças.

Dois anos após o assassinato de Roberto, em 2015, homens foram presos por suspeita de participarem do assassinato do dono de um jornal que circula na Baixada Fluminense. Agentes da Divisão de Homicídios da Baixada Fluminense (DHBF) prenderam Vanderson da Silva, conhecido como Biico, Braulino Brejeiro Fernandes, e Celso Henrique Batista Ribeiro, em Nova Iguaçu, que fica na região. Todos, segundo a Polícia Civil, executaram a vítima.

O pai de José Roberto, José Lemos, chegou a ir à sede da DHBF, em Belford Roxo, e se emocionou ao confirmar que os responsáveis pela morte do filho eram amigos de infância dele. Segundo Lemos, Biico e Braulino estudaram com José Roberto e frequentavam a casa da família.

À época, o pai da vítima afirmou que o crime teria ligação com o fato do filho denunciar ações de milícia no jornal. Fato confirmado pelo Ministério Público na denúncia que está no Gaeco.

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