Trilhos apagados pelo descaso

Linhas férreas sofrem abandono, mesmo tendo sido essenciais outrora para mobilidade

Luiz Filipe Freire e Paulo Trigueiro

Cobertura com asfalto de antiga rota de trens em Camaragibe é só um dos exemplos do descaso com o patrimônio ferroviário no Estado, que sofre com invasões e roubos

“O sino bate / o condutor apita o apito / solta o trem de ferro um grito / põe-se logo a caminhar… / – Vou danado pra Catende (…) / com vontade de chegar…” Os versos de Ascenso Ferreira são um extrato fiel do período de glória do transporte ferroviário no Brasil, época em que Pernambuco teve papel de destaque dentro de uma sofisticada rede de trens.Mas, em quase dois séculos de história, palavras de exaltação convivem com as que se referem a abandono e descaso, sobretudo a partir da década de 80. São viajantes, parentes de ex-maquinistas e até os últimos passageiros que vi­­­ram uma opção de deslocamen­­­­­­­to essencial para o desenvolvimento outrora perder espaço com velocidade igual à com que os trilhos enferrujam.

É uma parte do passado que vem sendo não só negada, mas destruída a cada estação que tomba por falta de preservação e a cada camada de asfalto que, com o pretexto da modernidade, encobre antigas rotas, como num trecho de seis metros de trilhos perto do Terminal de Camaragibe poucos dias antes do jogo entre Brasil e Uruguai na Arena Pernambuco, no mês passado. Nos arredores da avenida Sul, no Recife, mais abandono.

Em meio ao mato e a invasões de sem-teto, as linhas velhas são o retrato da falta de cuidado. “São só exemplos de um cenário pior. No Interior, há trilhos que, depois de desativados, nos anos 90, vêm sofrendo ocupações e até roubos. O trem do forró, na época, nem pôde mais ir por ali devido às más condições”, lamenta o coordenador regional da ONG Amigos do Trem, André Cardoso, que luta pela preservação do patrimônio ferroviário.

Mas a questão vai além da valorização de um passado glorioso. Envolve um preço que se paga, hoje, pela imobilidade das cidades e até mesmo para escoar o que é produzido. A rede que existia em Pernambuco foi essencial para o desenvolvimento dos bairros recifenses e de cidades do Agreste e do Sertão pernambucanos.

Um exemplo é o de Arcoverde, na época chamada de Rio Branco, que passou a ser atendida por uma linha férrea inaugurada em 1912 pelo governador Emídio Dantas Barreto. Atualmente, a dependência de quem está longe do litoral é, predominantemente, das rodovias. “Tive um tio que foi para o Interior como médico concursado e escolheu aquela região por conta da ligação férrea. Tudo acontecia por ferrovias. Até que, no governo de Juscelino, o Brasil se voltou para o meio rodoviário”, comenta o historiador Leonardo Dantas.

O coordenador da Associação Nacional do Transportador e dos Usuários de Estradas, Rodovias e Ferrovias em Pernambuco (Antuerf), Frederico Haeckel, ressalta que os reflexos do abandono do modal sobre trilhos ocorrem até hoje, com um metrô carente de investimentos. “Para se ter ideia, tem sido um desafio até mesmo falar da expansão do sistema para a parte norte da Região Metropolitana do Recife, onde o transporte por carro e ônibus tem mostrado que não dá conta. Sem falar nos índices de acidentes e nos custos com a manutenção da malha viária e com frete, que são maiores. Em outros países, as ferrovias coexistem com rodovias. Aqui perdemos todos uma opção segura e financeiramente vantajosa”, avalia.
Veja pontos importantes por onde os trens pernambucanos já passaram:

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