Trinta missas para salvar uma alma do purgatório: conheça a história das gregorianas

Clarissa Pacheco
Todos os dias, missas no Mosteiro de São Bento são celebradas na intenção dos mortos são celebradas todos os dias no Mosteiro de São BentoTodos os dias, missas no Mosteiro de São Bento são celebradas na intenção dos mortos são celebradas todos os dias no Mosteiro de São Bento (Foto: Paula Fróes/CORREIO)
Celebrações podem ser contratadas na sacristia do Mosteiro de São Bento; monges se comprometem a rezar 30 dias seguidos na intenção de uma pessoa

Pedir para que um sacerdote reze para sempre a fim de salvar uma alma parece estar fora de moda. Mas há uma forma de pedir missas em nome de alguém que morreu recentemente, com a mesma exclusividade nas orações que as celebrações feitas para benfeitores. São as chamadas missas gregorianas – ou Missa Trinta: uma sequência de 30 missas para salvar uma alma do purgatório, muito tradicional na Europa, mas não tão usual no Brasil. Elas podem ser contratadas na sacristia do Mosteiro de São Bento ou pelo telefone (71) 2106-5260.

Embora seja comum que as pessoas confundam, as missas gregorianas não são celebradas com canto gregoriano – aqui em Salvador, o canto é entoado aos domingos no Mosteiro de São Bento. As missas gregorianas têm a ver com um episódio ocorrido no mosteiro beneditino de Monte Célio, em Roma, por volta do ano de 590 – e recebem este nome por conta do envolvimento do então papa São Gregório Magno, ex-abade do Mosteiro de Monte Célio.

Regra de São Bento não permite que monges acumulem dinheiro próprio
(Foto: Paula Fróes/CORREIO)

“Esta é uma história verídica”, alerta o bispo de Petrópolis, Dom Gregório Paixão, antes de contar o episódio que resultou no costume. “Nós, monges, não podemos ter dinheiro particular, é uma questão da Regra de São Bento. Acontece que um monge daquele mosteiro ganhou umas moedas e escondeu o dinheiro. Esse monge morreu e, quando foram preparar o corpo, encontram as moedas de ouro embaixo do colchãozinho. O abade novo ficou tão abismado que foi atrás de São Gregório Magno no Vaticano e disse: ‘Olhe, nós encontramos essas moedas no colchão desse irmão, o que nós fazemos?’”, conta o bispo.

O papa, então, ordenou uma punição exemplar.

“São Gregório Magno diz para ele: ‘Volte para o mosteiro, faça uma cova lá na pocilga, coloque o corpo desse monge dentro da cova e em cima do corpo jogue as moedas e as fezes dos porcos, na frente de toda a comunidade, para que, diante de uma cena tão chocante, ninguém mais repita isso’. Foi feito tudo isso, mas quando foi dormir, São Gregório Magno pensou bem e percebeu que tinha exagerado na dose”, continua o religioso.

O papa sonhou com o monge, que lhe pediu por misericórdia pelo pecado cometido e solicitou que São Gregório rezasse por ele 30 missas. “São Gregório acorda assustado, escreve o sonho e conta para o novo abade que vai celebrar 30 missas pelo monge, e pede que ele celebre outras 30”, completa. O monge pecador teria, depois disso, aparecido em outro sonho, ao final das celebrações, e dito que havia se libertado do purgatório; daí o ritual, aprovado pela Igreja Católica, das missas gregorianas.

Nomes dos “destinatários” das missas são colocados todos os dias no Livro de Intenções; ao lado, o nome do monge responsável pelas orações
(Foto: Paula Fróes/CORREIO)

Sétimo e trigésimo dia
O padre Gilson Magno dos Santos, doutor em Teologia e professor titular de Língua e Literatura Latinas da Universidade Federal da Bahia (Ufba), explica que os sufrágios aos mortos prescritos por São Gregório Magno também possibilitavam a realização de missas por três dias consecutivos, sete, dez ou 30.

“Na nossa cultura, prevaleceu a missa de 7º dia e a missa de 30º dia, sem o encadeamento”, afirma. A diferença da missa gregoriana para as demais é que, além de encadeadas, elas têm uma intenção exclusiva – o sufrágio, ou seja, as orações pelos mortos, têm um ‘destinatário’ específico.

“Considera-se que a missa é a expressão maior da nossa religião, pois ali se renova o sacrifício de Cristo para a salvação das almas”, afirma.

Ele acrescenta que, aqui em Salvador, há possibilidades de pedir missas para os mortos em outras igrejas. É o caso da Igreja e Convento da Piedade, que celebra as Missas pela Terra Santa. Mas, neste caso, elas não são perpétuas nem cumprem uma sequência de 30 dias, e sim de um ano. Também não há exclusividade na intenção, pelo contrário.
Perguntado sobre quantos pedidos de orações, em média, a igreja recebe por mês para essas celebrações, o reitor da Piedade, frei Albervan Pinheiro, não chega a uma estimativa.

Missas pela Terra Santa, na Igreja e Convento de Nossa Senhora da Piedade, também são colocadas em livro; validade é de um ano
(Foto: Divulgação)

“A gente se perde, porque é muita, muita gente mesmo. As pessoas têm essa devoção grande, né? Tem dia que são dez, tem dia que são 15, vinte, é muita gente!”, resume.
O processo é simples e, olha a boa notícia, também dá para rezar pelos vivos.

“Você pede para celebrar, dá o nome do ente querido, a pessoa dá R$ 15 e essa missa é celebrada diariamente às 7h30 aqui na Piedade. É um livro dessa grossura com vários nomes, tanto para quem já morreu quanto para quem está vivo. Enquanto tiver páginas no livro, os nomes continuam sendo inscritos. A pessoa leva para casa um comprovantezinho com o nome, a data que foi colocada a intenção e o prazo que vai vencer”, explica.

O dinheiro é aplicado nas Obras Seráficas das Santas Missas, dedicada à formação e missão dos Frades Menores Capuchinhos da Província de Nossa Senhora da Piedade da Bahia e de Sergipe. Apesar do nome, esta não é a mesma missa para os benfeitores da Terra Santa, celebrada em Jerusalém, na Basílica do Santo Sepulcro, por todos os benfeitores que colaboram com as missões franciscanas.

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