TSE tem transição fria entre Moraes e Cármen, e primeiros atos indicam mudança de perfil no tribunal

 

Os primeiros movimentos de Cármen Lúcia à frente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) indicam uma mudança de perfil da corte em relação à gestão de Alexandre de Moraes.

A Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação, órgão turbinado pelo magistrado para combater as fake news, por exemplo, deve passar por alterações e ganhar novo nome.

A gestão de Cármen também pretende reduzir os atritos entre o TSE e as big techs após Moraes e as plataformas estabelecerem relação conflituosa nos últimos dois anos.

O primeiro indicativo nesse sentido foi dado pelo tribunal nas discussões com as plataformas sobre as eleições deste ano.

O TSE e as big techs negociam a criação de memorandos de entendimento. Esses textos vão definir os procedimentos das plataformas para a análise de possível remoção de conteúdos desinformativos no processo eleitoral.

É uma fase da regulamentação do CIEDDE (Centro Integrado de Enfrentamento à Desinformação e Defesa da Democracia) —a principal aposta de Moraes para conter as notícias fraudulentas.

O centro criado pelo TSE será um canal para o recebimento de denúncias de conteúdo falso nas redes sociais. Qualquer pessoa poderá entrar no site e acusar uma publicação de fraudulenta.

Moraes definiu que o prazo para as plataformas darem uma resposta para a denúncia seria de 2 horas. Se a providência não fosse satisfatória, o caso poderia ser encaminhado para a Advocacia-Geral da União e para o Ministério Público, para “adoção de medidas cabíveis”.

As plataformas reclamaram para a equipe de Cármen Lúcia e pediram o aumento do prazo para 24 horas. As big techs foram comunicadas que a demanda foi atendida e será formalizada, segundo relato de três pessoas que participam das conversas.

Alexandre de Moraes também tinha determinado que os funcionários das plataformas encarregados de analisar as denúncias fossem identificados com nome e CPF no sistema do CIEDDE, para eventual responsabilização.

As big techs sugeriram aos auxiliares de Cármen que a identificação não seja pelo nome do funcionário, mas pelo setor da empresa responsável pelo trabalho. O pedido também foi aceito pela equipe da ministra.

Como presidente do TSE, Cármen Lúcia se reuniu pela primeira vez com representantes das plataformas na última quarta-feira (24). Foi a primeira reunião formal do CIEDDE. Segundo relatos de dois participantes da reunião, a ministra disse que pretende analisar todas as solicitações das big techs até a próxima segunda-feira (29).

Uma cerimônia para assinatura dos memorandos de entendimento deve ser realizada na primeira quinzena de agosto.

Procurados, o TSE, Cármen e Alexandre não se manifestaram.

Segundo integrantes de ambos os gabinetes ouvidos sob reserva, embora costumem dar respaldo um ao outro em julgamentos e terem atuado em harmonia para conter o avanço do bolsonarismo contra o sistema eleitoral, nos bastidores a relação não é tão próxima.

Poucas reuniões foram realizadas entre as duas equipes para troca de informações sobre questões administrativas da corte. Alguns servidores que ocupavam função de chefia na gestão de Moraes não foram informados de que perderiam seus cargos após a troca de comando no TSE e dizem ter sabido das exonerações pelo Diário Oficial.

Internamente, Cármen nega que haja atritos com Alexandre. Ela destaca, por exemplo, que foi o ministro quem a chamou para participar das reuniões com os TREs (Tribunais Regionais Eleitorais) e com a área de Tecnologia da Informação do TSE, no fim de sua gestão.
Outra mudança de postura após a troca de comando ocorreu em relação à eleição da Venezuela. Pouco antes de Moraes deixar a presidência, o tribunal informou à imprensa que não enviaria nenhum representante para o pleito do país vizinho, o que já ocorreu em outras ocasiões.

Agora, na gestão Cármen, a corte chegou a anunciar que enviaria dois técnicos para acompanhar a disputa presidencial venezuelana no domingo (28). A presidente do TSE decidiu recuar na última quarta-feira (24) após o ditador Nicolás Maduro dizer que as urnas eletrônicas brasileiras não seriam confiáveis.

A ministra Cármen Lúcia também estuda nos bastidores mudar o perfil de atuação da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação. O órgão foi criado pelo então presidente Edson Fachin e turbinado por Moraes.

O ministro usou a assessoria interna do TSE como um dos principais braços de combate às fake news do tribunal.

O órgão monitorou as redes sociais, embasou pedidos para a derrubada de perfis e sugeriu medidas contra o Telegram. O modelo foi visto como uma forma encontrada por Moraes para agir de ofício, ou seja, sem provocação da PGR (Procuradoria-Geral da República) ou da Polícia Federal, mesmo método que costuma usar no STF e que é alvo de críticas.

A ministra pretende evitar que o tribunal ganhe fama de implementar censura —prática que já foi atribuída a Moraes. Atualmente, a suspensão de perfis nas redes sociais decididas pelo ministro é feita sem transparência, o que Cármen pretende evitar, segundo pessoas próximas à magistrada.

Cármen Lúcia foi alvo de críticas de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro durante o processo eleitoral de 2022 por seu voto em julgamento sobre a desmonetização de canais bolsonarista no YouTube e retirada de conteúdos que espalhavam desinformação.

Ela disse que não se poderia “permitir a volta de censura sob qualquer argumento” e que o caso julgado pelo TSE era “excepcionalíssimo” para garantir a segurança das eleições, diante do grande alcance de mentiras espalhadas pelos investigados.

“Se, de alguma forma, senhor presidente [Alexandre de Moraes] e especialmente o ministro relator [Benedito Gonçalves], que é o corregedor, isto se comprovar como desbordando para uma censura, deve ser imediatamente reformulada essa decisão no sentido de se acatar integralmente a Constituição e a garantia da liberdade, de ausência de qualquer tipo de censura”, disse Cármen.

 

Matheus Teixeira e Cézar Feitoza, Folhapress

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