Há terras sem limites para lendas sem limites. Sem estradas, nem prédios permanentes, apenas o céu infinito, grama seca e vento.
Paramos para beber um chá salgado de leite nas tendas das tribos nômades e tirar fotos dos cavalos e cabras pastando. Às vezes, parávamos só por parar – a província de Ömnögovi, na Mongólia, é infinita mesmo para percorrê-la de carro. Eu não consigo imaginar como isso seria possível em um cavalo.
Mas este é o país de Genghis Khan, o guerreiro que conquistou o mundo sobre seu cavalo. Sua história é cheia de sequestros, sangue, amor e vingança.
Isso é apenas história. A lenda começa com a sua morte.
Genghis Khan (conhecido como Chinggis Khaan na Mongólia) certa vez dominou tudo entre o oceano Pacífico e o mar Cáspio. Diante da morte, ele pediu para ser enterrado em segredo.
Um exército em luto carregou seu corpo para casa, matando qualquer um que cruzasse o caminho. Quando o imperador finalmente foi enterrado, seus soldados fizeram mil cavalos trotear sobre a sua tumba para destruir qualquer traço dela.
Nos 800 anos após sua morte, ninguém descobriu a tumba de Genghis Khan.
Tabu local
Expedições lideradas por estrangeiros procuraram a tumba por meio de textos históricos, percorrendo o território e até a partir do espaço – o projeto “Vale dos Khans” do canal National Geographic, chegou a usar imagens de satélite em uma enorme caça pelo local.
Mas a maior parte do interesse em achá-lo é internacional – os mongóis não querem a descoberta.
Não que Genghis Khan não seja importante em sua terra natal – na verdade, trata-se do oposto. Seu rosto estampa desde a moeda local até garrafas de vodca, e ele provavelmente nunca esteve tão popular desde sua morte, em 1227.
Então pode ser difícil para os estrangeiros entenderem por que é um tabu procurar sua tumba.
A relutância é muitas vezes romantizada pela imprensa internacional como uma maldição, uma crença de que o mundo irá acabar se a tumba for descoberta.
Isso repete a lenda de Tamarlane, um rei turco-mongol do século 14 cuja tumba foi aberta em 1941 por arqueólogos soviéticos. Imediatamente depois disso, os soldados nazistas invadiram a União Soviética, iniciando a frente oriental da Segunda Guerra Mundial. Pessoas supersticiosas podem achar que exista uma relação de causa e efeito ali.
Mas Uelun, minha tradutora, não acreditava em nada disso. Sendo uma jovem mongol com um diploma em Relações Internacionais pela Universidade de Buryat em Ulan-Ude (Rússia), ela não parecia supersticiosa. Na sua opinião, é uma questão de respeito. Genghis Khan não queria ser descoberto.
“Eles fizeram todo aquele esforço para esconder a tumba”, diz ela. Abri-la agora violaria seu desejo.
Esse era um sentimento comum. A Mongólia é um país de tradições antigas e de muito orgulho. Muitas famílias penduram tapeçarias com o rosto do “Grande Khan”. Alguns se identificam como os “descendentes dourados”, ligando sua descendência à família real.
O guerreiro continua um ícone poderoso por toda a Mongólia.
A busca pela tumba
Em meio a pressões culturais para honrar o desejo de Genghis Khan de ter uma morte secreta, há uma série de problemas técnicos na busca pela tumba. A Mongólia é enorme e pouco desenvolvida – mais de sete vezes o tamanho da Grã-Bretanha com apenas 2% de suas estradas.
A densidade populacional é tão baixa que apenas a Groenlândia e algumas ilhas remotas conseguem superá-la. Assim, qualquer vista é selvagem. Parece que a humanidade só está lá para dar um senso de escala: um pastor à distância ou o brilho de uma pedra com bandeiras de oração. Um território assim mantém seus segredos.
O doutor Diimaajav Erdenebaatar fez sua carreira superando desafios na arqueologia. Chefe do departamento da área na Universidade de Ulan Bator, capital da Mongólia, ele fazia parte da primeira expedição para achar a tumba.
O projeto japonês-mongol chamado Gurvan Gol (que significa “Três Rios”) tinha como foco o local de nascimento de Genghis Khan na província de Khenti, onde passam os rios Onon, Kherlen e Tuul.
Isso foi em 1990, o mesmo ano da revolução democrática mongol, quando o país rejeitou pacificamente seu governo comunista e pediu um novo sistema democrático. Ele também rejeitou a busca por Genghis Khan e os protestos suspenderam o projeto.
Uelun e eu conhecemos Erdenebaatar na universidade para falar sobre tumbas – especificamente as similaridades entre seu projeto atual e o local de descanso de Genghis Khan.
Desde 2001, Erdenebaatar tem escavado um cemitério de 2 mil anos de reis Xiongnu na província central de Arkhangai, na Mongólia. Ele acredita que os Xiongnu eram antepassados dos mongóis, uma teoria compartilhada pelo próprio Genghis Khan. Isso pode significar práticas de enterro parecidas – então as tumbas dos Xiongnu poderiam dar uma ideia sobre a aparência da tumba de Genghis Khan.
Os reis Xiongnu foram enterrados a mais de 20 metros abaixo da terra em câmaras, sendo que os locais foram marcados sobre o chão com um quadrado feito de pedras.
Erdenebaatar levou dez anos para escavar a primeira tumba, que já havia sido saqueada. Mesmo assim, ela ainda tinha uma fartura de itens preciosos que indicavam o alcance diplomático de Xiongnu: uma carruagem chinesa, cristais romanos e muitos metais preciosos.
Ele me levou até o pequeno museu de arqueologia da universidade para ver os artefatos. Ornamentos de ouro e prata foram enterrados com os cavalos sacrificados no local. Chamou atenção para os leopardos e unicórnios nos desenhos – imagens da realeza que também eram usadas por Genghis Khan e seus descendentes.
Muitos acreditam que a tumba de Genghis Khan tenha muitos tesouros parecidos conquistados pelo Império Mongol – é uma das razões do enorme interesse estrangeiro. Mas se Khan foi enterrado no estilo Xiongnu, pode ser difícil – até impossível – saber com certeza.
Uma tumba do tipo pode ser escondida ao simplesmente se tirar as pedras dali. Com a câmara principal a 20 metros abaixo da terra, seria impossível encontrá-la no vasto território do país.
Quando perguntei a Erdenebaatar se ele acredita que Genghis Khan será descoberto algum dia, ele respondeu encolhendo os ombros com calma e indiferença. Não há vidas o suficiente para desempenhar seu trabalho. A história é longa demais.
Uma possível pista em um local proibido
Diz a lenda que Genghis Khan foi enterrado no topo das montanhas Khentii, um local chamado Burkhan Khaldun, a cerca de 160 km a nordeste de Ulan Bator.
Ele teria se escondido de inimigos ali quando jovem e jurado retornar na sua morte. Mas há discordância entre os estudiosos no assunto sobre em qual montanha exatamente ele estaria – se é que está em alguma.
“É uma montanha sagrada”, reconhece Sodnom Tsolmon, professor de história da Universidade de Ulan Bator e especialista na história da Mongólia do século 13. “Não significa que ele esteja enterrado ali.”
Os estudiosos usam dados históricos para tentar descobrir a localização da tumba de Genghis Khan. Mas as ideias que apresentam muitas vezes são contraditórias. O trote de mil cavalos indica um vale ou planície, como o cemitério Xiongnu. As teorias, no entanto, apontam para uma montanha.
Para complicar as coisas ainda mais, o etnologista mongolês S. Badamkhatan identificou cinco montanhas historicamente chamadas de Burkhan Khaldun (apesar de ele ter concluído que a localização atual provavelmente está correta).
Nem Tsolmon nem eu poderíamos escalar a Burkhan Khaldun, já que as mulheres não são bem-vindas na montanha sagrada. Até mesmo o entorno delas era restrito à família real antigamente. Uma vez conhecido como o Ikh Khorig, ou “Grande Tabu”, o local agora é a Área Estritamente Protegida de Khan Khentii e um Patrimônio Mundial da Unesco (braço da ONU para educação e cultura)
Desde que conquistou esse status, Burkhan Khaldun ficou além dos limites dos pesquisadores, o que significa que qualquer teoria sobre o paradeiro de Genghis Khan continua em um limbo.
Honrando o último desejo de um guerreiro
Com a tumba aparentemente fora de alcance, por que ela continua sendo um assunto tão controverso na Mongólia?
Genghis Khan simplesmente é o maior herói do país. O Ocidente só consegue lembrar do que ele conquistou, mas os mongóis lembram do que ele criou. Seu império conectou Ocidente e Oriente, fazendo a chamada Rota da Seda prosperar.
Seu reinado incluía conceitos de imunidade diplomática e liberdade religiosa. Ele estabeleceu um serviço de correio confiável e o uso de cédulas de dinheiro. Genghis Khan não apenas conquistou o mundo, como também o civilizou.
“Se eles queriam que nós o encontrássemos, teriam deixado algum sinal;”
Essa é a palavra final de Uelun.