“Um dos maiores problemas da educação é o consumo de drogas”, diz Cristovam Buarque

Ana Pompeu/Júlia Schiaffarino

Foto: Edilson Rodrigues/CB/D.A Press
Foto: Edilson Rodrigues/CB/D.A Press

Desde a década de 1980 sendo tratada apenas teoricamente pela sociedade civil e pelos movimentos sociais no Brasil, a legalização da maconha se transforma de fato em objeto legislativo no Congresso Nacional. Com 20 mil votos de apoio na internet, uma sugestão de lei que pede a legalização dos usos recreativo, medicinal e industrial da erva foi acolhida pelo Senado. O senador Cristovam Buarque (PDT-DF) tem a missão de analisar a proposta e dar um parecer sobre a transformação do tema em projeto de lei. Além de ouvir especialistas, o parlamentar convocará audiências públicas para a construção da proposta.

Cristovam foi nomeado relator pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) semana passada.

Como recebeu a relatoria?
Para mim, foi uma surpresa. Recebi a notícia pelo Twitter. A comissão me indicou sem me consultar, mas eu não teria motivo para recusar, a não ser excesso de trabalho. Então, eu assumi, até porque é um assunto relevante. Como eu sou muito ligado à educação, para mim, hoje um dos maiores problemas da educação é o consumo de drogas dentro da escola e o tráfico.
 
Em se legalizando a maconha, o que precisaria ser repensado em relação às políticas de combate às drogas nas escolas?
Não sabemos. Eu não sei ainda. Para isso, eu preciso estudar muito, ouvir muita gente, fazer muita audiência. Entreguei minha proposta de trabalho que vai durar meses. Vou querer responder  se isso aumenta ou diminui o consumo de maconha. A maconha é uma porta para outras drogas? Tem efeitos medicinais? Diminui a violência? É preciso argumentar sobre a maneira como o brasileiro pensa. Se for uma coisa que choque demais, nós podemos adiar. Mas, mais dia ou menos dia virá. Então eu vou ter que responder a essas perguntas para dizer: devemos estudar a proposta ou suspender o assunto.
Como pretende responder às perguntas? Quem pretende ouvir?
Muita gente. São muitas instituições, muitos movimentos, gente a favor, contra.
O senhor já tinha alguma opinião formada sobre o assunto?
Nunca me debrucei sobre o assunto para ter uma posição. Tenho medo que a legalização possa aumentar o consumo.
 
Algumas pesquisas mostram que muitos homicídios estão ligados às drogas. Tem a questão da segurança pública que esse assunto envolve…
Um dos problemas realmente é a relação com a violência. Mas a maior parte da violência não é com a maconha, é devido a outras drogas mais pesadas.
 
Mas um argumento é o de que, em se acabando com a proibição, se tiraria poder dos traficantes e diminuiriam os índices de violência. Outros, porém, dizem que isso abriria caminho para drogas mais pesadas. Como vê esses dois pontos?
Vamos analisar. A violência diminui se você organiza. O problema é ver se vale a pena diminuir a violência e aumentar o número de usuários. Falo de dependentes. O problema é que, liberada a maconha, pode aumentar o número de dependentes. Tem que se analisar quantos por cento da violência é fruto da maconha.
 
Em caso de liberação, poderíamos pensar, também, na liberação de outras drogas? Essas reivindicações devem surgir.
Não. Acho que pararia por um tempo, mas poderá chegar às outras, sim. Isso é debatido no mundo inteiro. Os países que perderam o controle sobre a segurança, como o México, já discutem a liberação total. Eu conversei com o embaixador mexicano e ele me disse: “Nós perdemos a guerra contra as drogas. Agora temos que aprender a conviver com elas”. Eu creio que o Brasil não perdeu ainda a guerra, por isso precisamos saber como fazer para vencer essa guerra. Não vamos vencer essa guerra fechando os olhos, fingindo que o problema não existe.
 
Alguns países da Europa têm experiências consideradas bem-sucedidas, como Portugal e Holanda. O brasileiro estaria preparado para receber essa liberação?
Esse é um dos temas que pretendo debater. Não digo apenas se estaríamos preparados para conviver com isso sem cair nas drogas, como também preparados do ponto de vista moral. A moral brasileira aceitaria isso? Há alguns séculos, fumar era considerado uma coisa absurda. Um dos donatários de capitania foi destituído porque fumava. A moral naquela época não permitia o fumo. Hoje em dia o sentimento da população é ou não favorável a ter pessoas fumando maconha em um restaurante na sua frente?
 
Mas se a gente usar esse discurso corre o risco de receber o contradiscurso do preconceito contra quem fuma…
Evidente. A gente tem que olhar isso. O Brasil é um país laico, mas não pode ignorar que milhões de brasileiros têm a visão de mundo definida por suas igrejas e podem ficar chocados. Se forem alguns, aí pronto, a maioria tem que prevalecer. Mas se for a maioria, tem que se pensar duas vezes antes de adotar essa ideia.
 
Como o senhor pretende aferir a aceitação moral? 
Ouvindo palestrantes.
 
O senhor não acredita que o assunto caminhe a um plebiscito?
Pode ser depois. Neste momento vou ouvir e decidir.
 
Pretende colher experiências de outro país?
Colher experiência de leitura sim, mas não necessariamente trazer aqui.
Fonte: Correio Braziliense

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