Um dos primeiros grandes ídolos do futebol: os melancólicos momentos finais de Heleno de Freitas
Craque consagrado no Botafogo, Heleno teve uma carreira marcada por lances geniais e momentos explosivos dentro de campo
Talentoso, goleador, irritadiço, boêmio, galã, catimbeiro, um homem de boa aparência, adjetivos não faltam para descrever a figura de Heleno de Freitas, um dos primeiros grandes ídolos do futebol brasileiro.
Com uma carreira marcante no Botafogo, Heleno ainda defendeu as cores de grandes times do futebol mundial, como o Boca Juniors e o Vasco da Gama, entretanto, apesar de sua enorme relevância, o jogador acabou falecendo precocemente de maneira melancólica, em 1959, quando tinha apenas 39 anos.
A carreira no futebol
Filho de pais ricos, Heleno de Freitas nasceu na cidade de São João Nepomuceno, em Minas Gerais, mas acabou se mudando para o Rio de Janeiro quando seu pai faleceu, ainda em sua juventude. Na cidade maravilhosa, dividia seu tempo entre suas obrigações em casa e o futebol na praia.
Com apenas 15 anos, enquanto jogava no Posto 4, chamou a atenção de olheiros do Botafogo, que o convidaram para testes no time da Estrela Solitária. Ali nascia uma parceria de sucesso que traria muitas felicidades para ambas as partes.
Sua estreia profissional aconteceu em 1939 e, em pouco tempo, Heleno de Freitas alcançou o status de um dos jogadores mais importantes em todo o território nacional. Um de seus gols mais emblemáticos é relatado por Eduardo Galeano no livro “O futebol ao sol e à sombra”, que relembra a partida entre Botafogo e Flamengo realizada em 1947.
“Heleno estava de costas para o arco. A bola chegou lá de cima. Ele parou-a com o peito e se voltou sem deixá-la cair. Com o corpo arqueado e a bola no peito, enfrentou a situação. Entre o gol e ele, uma multidão. Na área do Flamengo havia mais gente que em todo o Brasil. Se a bola caísse no chão, estava perdido. E então Heleno pôs-se a caminhar, sempre curvado para trás, e com a bola no peito atravessou tranquilamente as linhas inimigas. Ninguém podia tirá-la sem fazer falta, e estavam na zona de perigo. Quando chegou às portas do gol, Heleno endireitou o corpo. A bola deslizou até seus pés. E ele arrematou”.
O primeiro bad boy do futebol brasileiro
A mesma facilidade que tinha para driblar a zaga adversária, Heleno também tinha para se meter em confusão. Indisciplinado taticamente, constantemente era expulso das partidas por discutir não só com seus adversários como também com colegas de time.
Mas as atitudes do craque eram muito mais complexas do que as de um jogador problemático. Isso porque, ele sofria gravemente de sífilis, que afetava seu sistema nervoso — o deixando muito mais temperamental.
Uma doença sexualmente transmissível, a sífilis foi adquirida por Heleno, muito provavelmente, por sua vida sexual extremamente ativa. A enfermidade, inclusive, foi o principal fator que o fez pendurar as chuteiras, em 1952.
A vida pós-futebol
Longe das quatro linhas, Freitas voltou para Minas, dessa vez para morar em Barbacena. Foi justamente lá que o ex-jogador foi internado pela primeira vez. Conhecida, entre outras coisas, por ser uma cidade repleta de manicômios, a cidade mineira abraçou o craque que buscava dar a volta por cima em sua vida.
Por lá, Heleno foi internado no Hospital Colônia. Inaugurado em 1903, o centro médico chegou a receber 3.500 pacientes por ano na década de 1950. Além do alto número de internados, o local também tinha uma média altíssima de mortes em suas instalações, cerca de 700 a cada 12 meses. Por essas e outras, o Colônia chegou a ser comparado a um campo de concentração nazista, recebendo os “indesejados” da sociedade.
Depois de passar dois anos no Colônia, Freitas foi transferido para a Casa de Saúde de São Sebastião. Nela, ficou internado por quase cinco anos. “Nas dependências da casa da saúde, Heleno tornara-se agressivo, xingava as pessoas à toa. Um dos enfermeiros contaria que, num acesso de demência, chegou a botar quatro cigarros acesos na boca e dois nas narinas. Passou a rasgar as próprias roupas e volta e meia anda nu pela casa”, relata o jornalista Marcos Eduardo Neves no livro “Nunca Houve um Homem como Heleno”, publicado em 2006 pela Ediouro.
Em 1956, o time do Botafogo foi visitar o atacante aposentado na Casa de Saúde. O encontro marcou a única vez em que os dois maiores ídolos do clube alvinegro carioca se conheceram: Garrincha e Heleno de Freitas.
No ano seguinte, sua saúde começou a deteriorar rapidamente, seu peso foi embora, assim como seus cabelos e a saúde bucal. Estava cada vez mais violento, comia papel e tentava rasgar suas roupas com seus dentes podres, que já quase caíam todos.
Além da violência, Heleno teve suas faculdades mentais extremamente afetadas pela sífilis. A demência havia tomado conta de suas ações. “Em seus últimos dias, Heleno esteve mudo e afásico. Tudo era melancolia, silêncio, tristeza. Agonizava. Suas unhas tornavam-se roxas, em sinal preventivo de que a morte se aproximava. A linguagem do olhar, a mais sincera das linguagens, por seu estado profundo e humano, revela sua dor, sendo todos, ao seu lado, impotentes para reanimá-lo”, narra Neves.
“Na manhã de 8 de novembro de 1959, um domingo como tantos em que Heleno encantou plateias, o enfermeiro foi levar-lhe o café da manhã e o encontrou morto. Após quatro anos, dez meses e 25 dias de tratamento, os médicos constataram o óbito, aos 39 anos, por paralisia progressiva”.