Um em quatro prefeitos do país busca reeleição com impulso acima da média em emendas

 

Na primeira eleição municipal com grande impacto da injeção de dinheiro de emendas parlamentares, mais de 1.500 cidades terão prefeitos tentando a reeleição após terem os caixas privilegiados com R$ 23,5 bilhões em recursos acima do patamar médio apadrinhado por deputados e senadores, segundo análise do jornal Folha de S.Paulo.

No pleito de 2024, poderão ser conhecidos os efeitos da mudança iniciada no governo de Jair Bolsonaro (PL) que deu aos congressistas papel inédito na destinação das verbas federais. A medida resultou na distribuição total de mais de R$ 80 bilhões em emendas para os 5.568 municípios brasileiros desde o início dos mandatos dos atuais prefeitos, entre 2021 e 2024.

De todos os municípios, 2.873 têm prefeitos que concorrem à reeleição, mas um grupo específico de 1.546 recebeu uma quantia acima da mediana brasileira (o valor do meio de todas as cidades), que é de R$ 847,90 por eleitor durante o mandato.

O candidato à reeleição da cidade mais beneficiada definiu com uma palavra a situação do jogo político local, que pode estar se repetindo em centenas de redutos políticos: desleal.

O termo foi usado por Mardônio Soares, prefeito de Barra D’Alcântara, município do interior do Piauí distante cerca de 230 km de Teresina. Emancipada em 1997, a cidade que tem cerca de 3.600 eleitores recebeu um total de R$ 23 milhões de emendas parlamentares nos últimos quatro anos.

Ao dividir o montante pelo número de eleitores, Mardônio teria R$ 7.482,36 por voto (R$ 1.870 por ano a cada eleitor). O valor é 782% superior à mediana de emenda por eleitor brasileiro.

O desequilíbrio político reconhecido por Soares já teve efeito no pleito municipal: ele é candidato único.

O prefeito disse à reportagem que a maior parte das emendas destinadas ao município em seu mandato foram na modalidade conhecida como “Pix”, aquela em que o congressista padrinho da remessa não precisa explicar como o dinheiro será utilizado.

Esse tipo de emenda passou a ser alvo do STF (Supremo Tribunal Federal) pela baixa transparência na remessa de verbas.

Segundo o prefeito, os recursos das emendas Pix foram usados para obras de calçamento e reforma de prédios.

A maior parte das verbas ao município foi destinada pela ex-deputada federal Marina Santos (Republicanos), mas, segundo o prefeito, também houve remessas apadrinhadas pelos senadores Ciro Nogueira (PP) e Marcelo Castro (MDB).

O candidato único da cidade afirmou que também foram feitas obras de pavimentação em bairros com recursos de emendas por meio da estatal Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba).

No governo Bolsonaro, a Codevasf foi transformada no principal emendoduto dos congressistas e foi mantida com esse perfil na gestão Lula.

Somente em relação à distribuição de máquinas, veículos e implementos agrícolas, os gastos da estatal turbinados pelas emendas saltaram de RS 26 milhões em 2017 para mais de R$ 1,2 bilhão tanto em 2022 como em 2023, de acordo com relatório da CGU (Controladoria-Geral da União).

Indagado se os recursos recebidos via emenda não causariam um desequilíbrio na disputa eleitoral no município, Soares foi direto: “É desleal a concorrência. Você tem um prefeito que recebe milhões, faz um investimento, o pessoal fica satisfeito”.

“Eu tenho mais de 30 veículos, máquinas, carro-pipa, caminhões, caçamba. Eu tenho 15 motos, tudo novo, rodando, trabalhando. Seis ambulâncias. Construí um hospital, creche com ar condicionado”.

“Fica difícil para o concorrente disputar. Se eu estivesse do outro lado, iria pensar duas vezes em enfrentar um prefeito com uma administração dessa”, completou.

Porém a candidatura única de Soares está sob ameaça de cassação. O Ministério Público Eleitoral impugnou o registro dele sob o argumento de que o político foi condenado pela Justiça Federal por supostas irregularidades no uso de recursos federais da área de educação, incluindo o desvio de pneus.

Soares alega que a condenação se baseou em um equívoco da fiscalização da CGU e prossegue na candidatura amparado por uma liminar em habeas corpus concedida pelo ministro do STF Gilmar Mendes.

Se ele for eleito, e a chapa for cassada, a Prefeitura será assumida pelo presidente da Câmara Municipal.

A segunda cidade mais turbinada por emendas no ranking pelo número de eleitores é Bituruna, no interior do Paraná. Conhecido pela tradição vinícola, o município recebeu R$ 83 milhões em emendas nos últimos quatro anos, basicamente R$ 6.455,30 por eleitor. A quantia é 661% acima do valor mediano do país.

No município, ocorre um fato que chama a atenção no sistema das emendas: o grande direcionamento de recursos para parentes de deputados e senadores que governam municípios.

Rodrigo Rossoni (PSDB) venceu a disputa de 2020 e agora tenta a reeleição contra os mesmos oponentes do pleito passado, Rodrigo Marcante (PSD) e Santos Olegário (PT).

Em seu mandato municipal, 43% do valor recebido em emendas tiveram como autor o pai dele, Valdir Rossoni, no período em que ele exerceu o cargo de deputado federal. O total enviado pelo pai em valores absolutos foi de R$ 35 milhões.

A reportagem procurou o prefeito Rossoni via assessoria de imprensa, mas ele não se manifestou.

O cenário que combina prefeituras turbinadas com tentativa de reeleição ocorre em todos os estados brasileiros, sendo que, em quatro, a maioria das cidades da unidade federativa está nessa situação.

Em Roraima, por exemplo, 60% das cidades terão prefeitos tentando reeleição após serem amplamente beneficiados com emendas. Já em Tocantins, Acre e Rondônia, essas quantidades representam, respectivamente, 56,1%, 54,5% e 53,8% de todos os municípios.

Os prefeitos privilegiados por emendas concorrem à reeleição por 22 dos 29 partidos disponíveis. No topo da lista, com mais candidatos, estão partidos de centro e direita. O MDB lidera com 274 nomes (18%), seguido do PSD (17%), União Brasil (14%), PP (13%) e PL (8%).

Todas as prefeituras do país receberam algum recurso de emendas. Para classificar os municípios como superimpactados, a reportagem identificou os repasses enviados a cada uma das cidades brasileiras, dividiu o dinheiro pelo total de eleitores locais, ordenou os valores e chegou à mediana, no centro dessa ordem.

As cidades superimpactadas foram as que receberam mais do que o valor mediano (de R$ 847,90 por eleitor). Depois, a reportagem considerou quais os prefeitos dessa lista disputam a reeleição neste ano.

 

Natália Santos/Flávio Ferreira/Folhapress

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