Uma mulher foi estuprada no Brasil a cada 6 minutos em 2023

Até o fim desta reportagem, uma mulher terá sido vítima de estupro no Brasil.

É o que mostram os dados do Anuário Brasileiro de Segurança, que aponta que o país teve novamente um recorde nos registros desse tipo de crime em 2023. Ao todo, foram 83.988 casos no ano passado —ou seja, a cada seis minutos uma mulher foi abusada sexualmente no país. Em 2022, um caso foi registrado a cada 8 minutos.

O número leva em conta apenas os casos que foram denunciados às autoridades policiais e incluem tanto estupro quanto estupro de vulnerável, como são classificados os casos no qual a vítima tem menos de 14 anos ou quando ela não tem condição de consentir.

O dado representa um aumento de 6,5% dos casos comparados com 2022. Quando observada a série histórica, que teve início em 2011, houve um aumento de 91,5% de registros.

O perfil das vítimas permanece igual nos últimos últimos, ou seja, do sexo feminino (88,2%), negras (52,2%), com no máximo 13 anos (61,6%), estupradas por familiares ou conhecidos (84,7%) e abusadas dentro de casa (61,7%).

Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, diz que os dados refletem como os lares ficaram mais violentos —o relatório aponta também que cresceram os registros de violências contra crianças e adolescentes, com aumento de 30,3% de maus-tratos na infância, sendo que em 60,9% as vítimas tinham no máximo 9 anos.

“Esse cenário se acentuou no pós-pandemia. Precisamos entender as consequências do isolamento social, uma vez que o Brasil é um país violento, principalmente, dentro de casa”, diz Bueno.

O relatório do Fórum destaca que, além do trauma dos abusos, muitas delas lidam com a gravidez fruto de uma violência —no Brasil, a Constituição considera que qualquer relação sexual com alguém menor de 14 anos é classificada como estupro de vulnerável.

Os dados em relação a estupro apontam que há uma prevalência das denúncias entre crianças nessa faixa etária e uma queda em relação as meninas e mulheres mais velhas.

A diretora do Fórum afirma que os dados também podem demonstrar uma dificuldade para denunciar casos de estupro nos quais a vítima não é considerada vulnerável.

A entidade também alerta que os dados em relação aos casos de estupro no Brasil chamam ainda mais atenção em meio a discussão acerca da PL 1904/2023, que prevê uma pena de 20 anos de prisão para mulheres que realizarem aborto após a 22ª semana de gestação.

No caso de crianças, em que as violências acontecem principalmente dentro de casa e por familiares, é comum que o crime seja descoberto após reiterados episódios de violência sexual.

Por isso, diz o Fórum, criminalizar a vítima pela suposta demora no procedimento de interrupção da gravidez decorrente de um estupro é “mais uma forma de violência contra meninas que já vivem em situação de extrema vulnerabilidade”.

Os dados apontam que a taxa média nacional das ocorrências de estupro são, ao todo, de 41,4 por 100 mil habitantes. Quando observados os recortes por faixa etária, a taxa de vitimização de bebês e crianças de 0 a 4 é superior à média nacional e chegou a 68,7 casos por 100 mil habitantes. Ou seja, a taxa de estupro para esta faixa é 1,6 vezes superior à média nacional.

Entre as cidades que registram as maiores taxas está Sorriso, em Mato Grosso, em primeiro lugar, com 113,9 vítimas por 100 mil habitantes —a cidade considerada a maior produtora de soja do país também aparece no ranking dos municípios que registram maiores número de mortes violentas intencionais.

A lista das cidades com maiores números de estupro por 100 mil habitantes segue com Porto Velho (RO) com 113,6, Boa Vista (RR) com 110,5, Itaituba (PA) com 100,6 e Dourados (MS) com 98,6.

Além dos estupros, o Brasil registrou novamente um crescimento em todas as formas de violência contra mulheres.

O país teve aumento de feminicídio (0,8%), violência doméstica (9,8%), ameaças (16,5%), tentativa de feminicídio (7,1%), tentativa de homicídio contra mulheres (9,2%), violência psicológica (33%) e stalking (34,5%) —no caso dos dois últimos crimes, especialistas explicam que a alta pode estar ligada ao fato de se tratarem de crimes que foram tipificados em 2021.

Também foi registrado aumento nos casos de violência sexual, como importunação cresceu 48,7%, assédio (28,5%) e divulgação de cena de sexo/estupro/pornografia (47,8%).

Outro aumento registrado foi de chamadas o 190 para casos de violência contra mulher. Em 2023, foram 848.036 chamadas, um aumento de 0,9% em relação a 2022 —o dado, apesar de numeroso, corresponde a 1,8% de todas as chamadas recebidas pela PM. Goias, Bahia e Rio de Janeiro não informaram o número de chamadas relacionadas à violência de gênero.

Também houve aumento nos processos na Justiça com pedido de medida protetiva —663.704 no total, aumento de 21,3%, sendo que 81,4% deles teve a medida concedida.

Bueno, do Fórum, afirma que os dados demonstram que, medidas de acolhimento para mulheres são necessárias, porém é necessário estabelecer políticas para transformar os padrões de comportamento de homens, responsáveis pela maioria dos crimes.

“Se não mudarmos esse comportamento e não conseguirmos envolver os homens nesse processo, vamos continuar falando de metade da população que está morrendo pela outra metade”, diz. Ela considera que é comum mulheres acharem que a solução para o problema é o fim da relação com o agressor, mas muitas vezes nesse momento acontece uma escalada da violência.

E, quando a vítima consegue se desvincilhar, o agressor ingressa em outra relação e repete o mesmo comportamento agressivo e abusador. “Ele entende que essa é a forma de se relacionar. Se o homem é o problema, ele precisa ser parte da solução.”

Ela concorda que é importante cobrar por políticas de acolhimento à mulher, respostas concretas do poder público, mas o debate com o agressor é importante para garantir uma mudança no comportamento. “Quais são as respostas que damos? É quase como se esse homem fosse incapaz de lidar com o corpo feminino. É preciso falar de políticas em grande escala para lidar com agressores.”

Isabella Menon/Folhapress

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