União paga apenas R$ 5 a agricultor desapropriado
Apenas R$ 5,39. Essa foi a indenização oferecida a um agricultor do Piauí cuja terra integra o traçado da ferrovia Transnordestina, uma das principais obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) do governo federal.
Com o dinheiro, equivalente a menos de um centavo por metro quadrado, o dono da terra, Nelson do Nascimento, 67, não conseguiria nem ir ao fórum para contestar o valor: gastaria R$ 10 só para isso.
Nascimento vive na comunidade quilombola Contente, em Paulistana, por onde passa a Transnordestina, que ligará o sertão do Piauí ao litoral do Ceará e de Pernambuco. Ao todo, são 1.728 km.
Com a obra, ele não sabe mais se chegará à roça de onde tira sustento –a ferrovia abrange uma área de cerca de 583 m² que usa como acesso. “É muito errado isso. Cortou minha terra no meio”, disse.
Segundo o procurador da República Francisco Forte, ao menos 21 famílias da comunidade contestam os valores.
Órgãos públicos e empresas envolvidos na obra estão cientes do problema. “Todos têm consciência de que os valores são irrisórios e injustos”, diz Alexandro Reis, da Fundação Palmares, órgão do Ministério da Cultura que certifica comunidades quilombolas.
Além de Nascimento, “premiado” com o menor valor, moradores relatam indenizações de R$ 18, R$ 24 e R$ 140.
Para o Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), que firmou convênio com o Estado para as desapropriações, em princípio não há erro. “Estamos analisando esse possível problema. A indenização foi calculada por parâmetros usados em todas as desapropriações”, diz Mário Dirani, diretor de infraestrutura ferroviária.
Moradores afirmam que as indenizações são menores até mesmo do que o valor de mercado das áreas mais castigadas pela seca, onde o mínimo pago varia de R$ 300 a R$ 500 por hectare, ou R$ 0,03 a R$ 0,05 o m², segundo técnicos do Emater e o sindicato de agricultores de Paulistana.
“É uma humilhação”, diz Antônio Bispo dos Santos, líder quilombola no Piauí. “Quem vem avaliar são pessoas que não sabem como funciona a vida na roça.”
Segundo o procurador Francisco Forte, o problema está nos critérios de cálculo. “O método leva em consideração basicamente o valor da terra, e não os impactos na vida comunitária”, afirma. Segundo ele, moradores chegam a ter que percorrer 5 km para ir de um local a outro.
Há ainda outros impactos. Segundo Jucélia Xavier, 41, líder no quilombo Contente, famílias estão com casas e cisternas rachadas. A obra também dificultou o acesso à escola e aos açudes usados para fornecer água aos animais. “Ficou tudo para o outro lado: lá era onde a gente plantava, criava os bichinhos.” (Na Folha de São Paulo)