Venda da Amazonas Energia para grupo dos Batista completa um mês ainda incerta
A assinatura da bilionária transferência de controle da Amazonas Energia ao grupo J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista, está completando um mês cercada por tantas incertezas que nenhum dos envolvidos faz uma aposta firme sobre qual será o desfecho.
Oficialmente, o contrato do processo de transferência foi assinado em 11 de outubro após uma série de idas e vindas. Mas o negócio segue incerto porque a J&F não vê segurança no formato do aval dado pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), responsável por autorizar mudanças de controlador nas concessões do setor.
A autarquia só liberou a operação em junho após ter sido obrigada por uma liminar de primeira instância da Justiça do Amazonas, um instrumento considerado muito frágil pela J&F para respaldar um negócio desse tamanho. O grupo pretende só assumir de fato o ativo se receber, até 31 de dezembro, um respaldo robusto –o que deve ocorrer, também, apenas pela via judicial.
Caso a transferência realmente não vá adiante, o governo já vê como alternativa a possibilidade de intervenção. Mas o processo poderia trazer custos bilionários para os cofres federais, além de depender de processo da Aneel –como seria no caso da distribuidora Enel em São Paulo.
Paralelamente, as empresas passaram a ver outro complicador para o negócio. A Amazonas acionou a Aneel na Justiça dizendo que não recebeu da agência todas as flexibilizações permitidas por uma MP (medida provisória) publicada pelo governo. O texto liberou em junho uma série de benefícios temporários à operação da empresa do Norte para tornar sua operação viável, além de permitir a transferência a um novo controlador sob as regras mais vantajosas.
A Amazonas Energia –da Oliveira Energia, controlada pelo empresário Orsine Rufino de Oliveira– disse que, por não receber a totalidade das flexibilizações, acumulava prejuízo de ao menos R$ 462 milhões há pouco mais de dois meses. Agora, sem os efeitos da MP e sem a transferência de controle, falou-se nos últimos dias na parte privada da operação no crescimento mensal do valor —representando mais um fator de dúvidas.
A Aneel, ao responder na Justiça à Amazonas sobre as flexibilizações, disse que a demanda pelos benefícios não era mais válida devido à perda do objeto –quando o fundamento do caso deixa de existir. Isso porque os executivos assinaram a transferência depois de expirado o prazo da MP que permitia o contrato, segundo a agência.
O argumento da autarquia foi o de que a assinatura após o prazo representava falta de interesse em relação ao conteúdo da MP, além de “desistência ou renúncia tácita da pretensão”.
As assinaturas dos executivos foram registradas no sistema da Aneel em um horário peculiar –pouco depois da 0h do dia 11 de outubro. Mas a disponibilização do documento pela autarquia na plataforma foi registrada às 23h58, o que daria pouco tempo para as partes privadas agirem.
O diretor-geral da Aneel, Sandoval Feitosa, foi questionado há pouco mais de duas semanas se o início do trâmite antes da 0h já não daria aval ao processo. Ele respondeu não ter como avaliar.
“Sou um singelo engenheiro que sei pouco do direito, então vamos aguardar os advogados. Não tenho como opinar”, disse Feitosa. “Posso falar tecnicamente –[sobre] poste, fio, árvore–, mas essa parte jurídica eu não conheço”.
Após semanas de dúvida, a Justiça do Amazonas decidiu no fim da tarde da sexta-feira (8) contra a Aneel, reconhecendo as assinaturas como válidas e criticando a agência pelo pouco tempo dado aos executivos.
“Poderia até ser risível se não fosse um documento público tão sério e de profundas consequências para a população amazonense´, que já sofre com pobreza energética há muitas décadas. Mais um episódio que merece ser investigado”, afirma a juíza Jaiza Maria Pinto Fraxe.
Mesmo assim, nas empresas o caso ainda não é visto como resolvido e é mantida a visão de que é preciso o que chamam de “estabilização” da liminar concedida até agora para a transferência de controle.
O plano aprovado pela Aneel, por força da liminar, prevê condições apresentadas pela Âmbar no fim de setembro. A proposta prevê custos de R$ 14 bilhões, pelos próximos 15 anos, aos consumidores de energia elétrica de todo o país. Para reduzir a dívida da concessionária amazonense, a Âmbar se comprometeu com um aporte de capital de R$ 6,5 bilhões.
Procurada, a Aneel afirma que a AGU (Advocacia-Geral da União) está recorrendo contra a liminar que a obrigou a autorizar a transferência e o caso está no Tribunal Regional Federal da 1ª Região.
Procurados, Amazonas Energia, J&F e Ministério de Minas e Energia não emitiram posicionamentos.
LINHA DO TEMPO
10 de junho. Eletrobras anuncia que vendeu conjunto de térmicas no Amazonas para a Âmbar, da J&F
13 de junho . Governo manda MP ao Congresso flexibilizando regras da Amazonas Energia e permitindo transferência do controle da distribuidora; menos de três semanas depois, J&F apresenta proposta de compra à Aneel
3 de outubro . Justiça do Amazonas decide, em caráter liminar, obrigar Aneel a autorizar operação
7 de outubro. Aneel autoriza transferência após ser obrigada por liminar
11 de outubro . Âmbar e Amazonas assinam transferência de controle, mas firmas após 0h geram dúvidas sobre validade (já que MP perderia efeitos)
8 de novembro . Justiça do Amazonas decide que assinaturas são válidas, mas nas empresas caso ainda não é visto como resolvido
31 de dezembro . Fim do prazo para a conclusão do processo de transferência do controle societário
Fábio Pupo/Folhapress