Verba para a revitalização do São Francisco é insuficiente e só parte dela foi liberada
Minas, que produz 70% da água da bacia, é o estado que mais demanda recuperação. Enquanto isso, assoreamento engole trechos inteiros do rio e mancha de algas tóxicas se estende por 28 quilômetros do leito
Cabrobó (PE), Salgueiro (PE), Barra (BA), Casa Nova (BA), Abaeté, Pompeu, São Gonçalo do Abaeté e Três Marias – A revolta do bispo de Barra, frei dom Luiz Cappio, com a falta de recuperação do Rio São Francisco antes da obras de transposição se apoia em um quadro sombrio. Não apenas a revitalização deixou de ser implantada nas cabeceiras, que concentram 70% da água da bacia, em terras mineiras, como o Velho Chico hoje morre de sede em locais antes inimagináveis. A seca que sobe o curso se alastrou pelas maiores represas da bacia – Três Marias e Sobradinho (BA) –, prejudicando a pesca, a piscicultura e quebrando as safras. O assoreamento soterrou tantos trechos do leito que há pontos em que não se atravessa mais de barco. Entre as represas de Paulo Afonso (BA) e Xingó (AL), os baixos níveis de água associados à poluição e à manobras nas hidrelétricas propiciaram o aparecimento de uma mancha de algas tóxicas com 28 quilômetros de extensão e sete metros de profundidade, que deixou sem abastecimento as torneiras de oito municípios do sertão alagoano.
Para o coordenador do Laboratório de Gestão Ambiental de Reservatórios do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG, Ricardo Mota Pinto Coelho, a revitalização serviu apenas de chancela para engrenar a transposição. “Promessas como essa (de despoluir e revitalizar o Velho Chico) vêm sendo feitas nos últimos 100 anos, mas não se faz nada. O que temos visto é a drenagem das lagoas marginais, que servem de berçário aos peixes, a introdução de espécies exóticas e projetos difusos, que gastam sem eficácia.”
O próprio presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), Vicente Andreu, concorda que para o Rio São Francisco atravessar as estiagens históricas – que, segundo ele, tendem a se repetir devido às mudanças climáticas –, seria necessário investir em ações de revitalização. “O Rio São Francisco precisa de mais água. É uma situação muito grave, sobretudo em Minas Gerais, onde se concentra boa parte da produção dessa água”, disse. Há também, afirma, outras questões que precisam ser trabalhadas, como o combate ao desperdício dos usuários. “Uma medida importante, por exemplo, seria a substituição de processos de irrigação, que são ineficientes em quase todo o território. É necessário também construir mais reservatórios, para guardar água e minimizar chuvas intensas”, pontua.
Já o Ministério da Integração considera parte do Projeto de Integração do São Francisco – que é como a pasta chama a transposição – as obras de política continuada e até intervenções de responsabilidade legal dos municípios que assinam convênios, como obras de saneamento. Esse cálculo elevaria a cifra gasta nessa área específica em cerca de R$ 34 bilhões, investidos desde 2008 em projetos que, segundo a pasta, beneficiaram a bacia do Rio São Francisco, como a construção de adutoras, canais, barragens e poços, incluindo as obras de revitalização que envolvem fornecimento de água, esgotamento sanitário, ligações intradomiciliares, controle de processos erosivos, gestão de resíduos sólidos, preservação de nascentes e matas ciliares
“O compromisso assumido desde 2008 pelo governo federal foi de realizar obras de infraestrutura hídrica em toda a região do semiárido, para garantir segurança na oferta de água para a população.” O investimento total na transposição, segundo o ministério, é de R$ 8,2 bilhões. “Destes, aproximadamente R$ 1 bilhão são para ações socioambientais”, informou a pasta, por meio de nota. Adicionalmente, segundo o texto, “estão em curso obras de saneamento em municípios que estão na área das bacias hidrográficas que compõem o Rio São Francisco, que vão contribuir com a preservação e a revitalização do rio, por diminuir o lançamento de esgoto e resíduos e o assoreamento de seu leito”. Essas obras estão sob responsabilidade dos ministérios das Cidades e da Saúde.
A Proposta
A transposição tem justificativa de garantir a segurança hídrica para 12 milhões de pessoas em 390 municípios no Nordeste Setentrional (Pernambuco, Ceará, Piauí, Rio Grande do Norte e Paraíba)
O custo estimado é de R$ 8,2 bilhões e o término das obras está programado para 2016
A água retirada do São Francisco será injetada por meio de bombeamento em 477 quilômetros de canais e leitos de rios
O empreendimento prevê a recuperação de 23 açudes e construção de 27 reservatórios, capazes fornecer 6 mil litros de água por segundo
Segundo o governo federal, as obras estão em andamento e serão entregues a partir deste
ano, com previsão de término em 2017
O empreendimento apresenta, sete anos depois de iniciado com pelo menos quatro anos de atraso, 74,5% de execução física