Vergonha presidencial: petição assinada por Temer leva cliente a ser multado em R$ 4,5 milhões por litigância de má-fé
Temer desceu do pedestal de ex-presidente da República para atuar em litígio no qual, segundo um ex-ministro do STJ, parece ter atuado com o fígado
O Correio da Manhã publicou com o título “O varejinho de Michel Temer” a atuação do ex-presidente como advogado, assinando uma petição com argumentos pífios que levou à extinção do processo. Na sentença, o desembargador do TRF-1 espinafrou os argumentos. O caso ganha dimensões ainda maiores. A Justiça agora condenou o cliente de Temer por litigância de má-fé exatamente por argumentos usados na petição.
A Justiça Federal condenou a Cigás, do ex-OAS conhecido como o ‘Rei do Gás’, o empresário baiano Carlos Suarez, por litigância de má-fé no processo relativo à Amazonas Energia. A multa será de até R$ 4,5 milhões (1% do valor da causa) e recairá também sobre os contribuintes do Amazonas, já que o governo do estado possui 17% do capital da Cigás.
O motivo da condenação foi uma alegação considerada falsa pela Justiça, depois que a empresa perdeu o prazo para recorrer de uma decisão. Em uma petição assinada pelo ex-presidente Michel Temer, a Cigás alegou que não havia sido “regularmente intimada” de uma decisão que negou a entrada da empresa na ação judicial.
A decisão foi na terça-feira (28) e destaca que a Cigás foi regularmente intimada da decisão em 21/11/2024, com a intimação devidamente registrada nos expedientes do PJe (Processo Judicial Eletrônico), mas apresentou os embargos em 9/12/2024, fora do prazo legal de cinco dias úteis.
O “varejinho” de Temer é uma vergonha presidencial, já que o seu principal motivo é atuar contra o seu desafeto pessoal, os donos do grupo J&F. Os trechos da decisão falam por si: “desta feita, especialmente em razão de a Cigás haver faltado com a verdade ao afirmar não ter sido intimada regularmente acerca de decisão judicial, tentando induzir este Juízo em erro, condeno-a ao pagamento de multa por litigância de má-fé, com fundamento no art. 81 do CPC, cujo valor será fixado oportunamente em sentença, sem que ultrapasse a 1% do valor da causa corrigido”.
A Justiça Federal ainda decidiu que, como o presidente do TRF-1 reconheceu a ilegitimidade da Cigás na ação, “suas petições e pleitos não serão mais apreciados, salvo se demonstrado legítimo interesse superveniente”. Em outro trecho, o magistrado escreve: “além disso, a empresa Cigás vem tumultuando o feito através de peticionamentos diversos, apesar de não possuir legitimidade para tanto, o que, inclusive, já foi reconhecido pelo TRF-1, quando proferida a decisão Id 2166430168”. Afirma ainda: “portanto, se a referida empresa discorda do entendimento exarado por este Juízo em relação à sua retirada da lide – ao menos até que comprove interesse jurídico contraposto, não havendo ainda qualquer comprovação nesse sentido -, deve manejar recurso próprio às instâncias superiores, deixando de tumultuar o feito mediante interposição de pedidos de reconsideração infundados”.
Vale relembrar que Temer foi escalado pelo empresário baiano por ter atuado contra a J&F em outro caso, envolvendo um litígio do grupo brasileiro com o grupo de chineses da Paper Excellence. Carlos Suarez, ex-OAS, detém 83% das ações da Cigás e perdeu um processo competitivo realizado pela Eletrobras para a venda de usinas movidas a gás natural. A Âmbar Energia, do grupo J&F, venceu a disputa com uma oferta de R$ 4,7 bilhões, incluindo R$ 1,2 bilhão em earn-out.
Desde então, a Cigás já tentou criar empecilhos para a Âmbar na Aneel, na Justiça Federal do Amazonas e no Tribunal Regional Federal da 1ª Região. A Cigás alega, sem sucesso, que teria direito a analisar os novos contratos de energia das usinas adquiridas pela Âmbar antes da concretização da transação, por ser a distribuidora de gás do estado do Amazonas, onde fica a grande maioria das usinas vendidas pela Eletrobras. Nos meios jurídicos, a condenação de litigância de má-fé tem efeitos colaterais na atuação do ex-presidente na advocacia, por descer de um pedestal de ex-presidente da República para atuar em litígio no qual, segundo um ex-ministro do STJ, ele parece ter atuado principalmente pelo fígado.