Vikings: por que muito do que conhecemos sobre este povo nórdico está errado
Altos, loiros, fortes e guerreiros implacáveis da Escandinávia. Graças a algumas sagas e lendas – e aos filmes e à Netflix – foi assim que os vikings se firmaram no imaginário popular.
Mas agora, um novo estudo, a maior análise genética sobre essa cultura até hoje, derruba muitos dos juízos que tínhamos desse poderoso grupo de navegadores que conquistou partes da Ásia, Groenlândia e Europa por volta do primeiro milênio dC.
“Os resultados mudam a percepção de quem realmente eram os vikings. Os livros de história terão que ser atualizados”, diz o geneticista evolucionista Eske Willerslev, líder do estudo, em comunicado divulgado pela Universidade de Cambridge, no Reino Unido, uma das instituições de ensino envolvidas na descoberta.
A pesquisa envolveu a análise genética de mais de 400 esqueletos Viking em diferentes locais na Irlanda, Islândia, Groenlândia, Polônia, Ucrânia, Reino Unido e Rússia.
“O estudo levou mais de seis anos para ser concluído desde a sua concepção e envolveu a coleta de amostras ósseas de toda a Europa em colaboração com uma grande equipe de arqueólogos”, explica Fernando Racimo, especialista do Centro de Geogenética da Universidade de Copenhague, na Dinamarca, e um dos autores.
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Segundo Racimo, os cientistas começaram extraindo e sequenciando o material genético das amostras para depois analisá-lo e compará-lo com outros genomas antigos e atuais, interpretando os resultados “em seu contexto cultural e histórico.”
“Todo o esforço envolveu uma grande equipe de geneticistas, estatísticos, arqueólogos, linguistas e historiadores”, diz ele.
O estudo foi realizado por cientistas da Universidade de Copenhague (Dinamarca) e de Cambridge (Reino Unido), e os resultados foram publicados na quarta-feira (16/09) na revista científica Nature.
O que o estudo diz?
Os pesquisadores partiram do pressuposto de que a expansão marítima das populações escandinavas durante a Era Viking (por volta de 750-1050 DC) foi uma transformação profunda na história mundial.
Para isso, a equipe sequenciou os genomas de 442 humanos (incluindo homens, mulheres, crianças) de sítios arqueológicos na Europa e na Groenlândia para entender a influência global dessa expansão.
“A maior conquista (da pesquisa) é que agora temos uma imagem muito detalhada da estrutura genômica dentro e fora da Escandinávia durante a era Viking e o impacto genético das expedições Viking em todo o continente”, diz Racimo.
Para surpresa de muitos, e ao contrário da frequente teoria da “pureza racial” do grupo, eles descobriram que os vikings, geneticamente, não só vieram da Escandinávia, mas também tinham DNA da Ásia, sul da Europa e das Ilhas Britânicas.
“Concluímos que a diáspora Viking foi caracterizada por um envolvimento transregional substancial: diferentes populações influenciaram a composição genômica de diferentes regiões da Europa e a Escandinávia experimentou um maior contato com o resto do continente”, aponta o estudo.
De acordo com Racimo, a pesquisa também revelou como as rotas Viking também levaram a genética do grupo a se diversificar.
“Também vimos que a ancestralidade do sul da Europa aumentou no sul da Escandinávia durante a era Viking, provavelmente devido ao aumento das rotas comerciais e à frequência das expedições ao sul do continente e vice-versa”, observa.
Como resultado, os cientistas descobriram que nem todos os vikings eram louros ou tinham pele clara e olhos azuis.
“Nossa pesquisa desacredita a imagem moderna dos vikings de cabelos louros, já que muitos tinham cabelos castanhos e foram influenciados pela genética de fora da Escandinávia”, diz Willerslev em comunicado divulgado pela Universidade de Cambridge.
Outras descobertas
A pesquisa sugere que ser um Viking era mais um conceito e cultura do que uma questão de herança genética, como se acreditava até agora.
Na verdade, a equipe descobriu que dois esqueletos Viking enterrados nas ilhas do norte da Escócia tinham herança escandinava e irlandesa, mas nenhuma escandinava, pelo menos geneticamente.
“Fiquei particularmente surpreso com a quantidade de mistura que ocorreu entre os vikings e a população local dentro de cada uma das regiões que estudamos. Muitas vezes, descobrimos que vários indivíduos que eram ‘culturalmente’ vikings ou enterrados no estilo viking também tinham afinidades com ancestralidade com povos locais, por exemplo, pessoas do tipo celta no oeste e nas ilhas do Atlântico Norte “, diz Racimo à BBC News Mundoy, o serviço de notícias em espanhol da BBC.
O estudo também aponta que os navios vikings em suas expedições às vezes eram compostos por membros da mesma família ou que estavam associados em suas viagens pelas populações ou regiões que habitavam.
Quem foram os vikings?
Tradicionalmente, os vikings eram considerados guerreiros e navegadores do norte da Europa que conquistaram partes daquele continente, a Ásia, e chegaram à América por volta do ano 1.000.
“As diásporas escandinavas estabeleceram comércio e assentamentos que se estendiam do continente americano às estepes asiáticas. Eles exportaram ideias, tecnologias, linguagem, crenças e práticas e desenvolveram novas estruturas sócio-políticas”, diz Søren Sindbæk, arqueólogo do Museu Moesgaard na Dinamarca, um dos colaboradores do estudo.
Os vikings mudaram o curso político e genético da Europa, mas também exploraram outros continentes.
Muitas expedições envolveram ataques a mosteiros e cidades ao longo dos assentamentos costeiros da Europa, mas de acordo com historiadores, o comércio de produtos como peles de foca, presas e gordura era frequentemente seu objetivo principal.
As Sagas nórdicas, a antiga coleção escandinava de mitos e lendas, reconta o auge da conquista e exploração Viking um milênio atrás.
De acordo com seus relatos, Canuto, o Grande, tornou-se rei da Inglaterra, Olaf Tryggvason trouxe o cristianismo para a Noruega e um viking chamado Leif Ericson teria sido o primeiro europeu a chegar ao continente americano antes da expedição de Cristóvão Colombo.
Ericson, segundo a lenda, liderou uma expedição do novo assentamento nórdico na Groenlândia para o oeste, navegando rumo ao desconhecido, em busca de terras e recursos para fazer frente às deficiências da colônia da Groenlândia.