Atualizadas e sem data definida: o que se sabe sobre as vacinas bivalentes contra a covid

Thais Borges
As vacinas bivalentes da Pfizer vêm em um frasco com a tampa cinzaAs vacinas bivalentes da Pfizer vêm em um frasco com a tampa cinza (Foto: Pfizer Canadá)

Imunizantes começam a chegar este mês, mas há incertezas quanto à quantidade de doses e como serão distribuídas

O cenário é de atenção. Do aumento de casos de covid-19 logo no início do período de festas e confraternizações de fim de ano à cobertura vacinal de doses de reforço abaixo do ideal, a onda atual da pandemia na Bahia fez levantar o alerta de cientistas e profissionais de saúde. Só que, ao mesmo tempo, o que poderia ser um importante aliado ainda está longe dos braços de brasileiros – e, consequentemente, de baianos.

Desde 22 de novembro, as chamadas vacinas bivalentes – uma espécie de imunizante atualizado – foram autorizadas para uso emergencial no Brasil. Usadas em países da Europa e dos Estados Unidos desde setembro, elas estão sendo aguardadas por aqui há meses. Segundo o Ministério da Saúde, as primeiras doses devem chegar ainda no início deste mês – o órgão só não informou quando exatamente, nem quantas ou como serão distribuídas.

Ao longo dos últimos três anos, o Sars-cov-2 passou por mutações que o tornaram mais resistente e mais capaz de ter um escape imune das vacinas, como explica o médico infectologista Victor Castro Lima, professor da Medicina FTC.

“As vacinas continuam protegendo contra a forma grave da doença, mas tem esse escape imune. A ideia da bivalente é melhorar a imunogenicidade, ou seja, evitar o escape imune dessas novas subvariantes da ômicron que estão circulando”, explica.

Em nota, o Ministério da Saúde informou que a estratégia de imunização com as vacinas bivalentes, assim como os grupos que serão priorizados, ainda estão sendo definidas pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI). Segundo o órgão federal, as orientações para aplicação e o cronograma de distribuição devem ser formalizados aos estados, através de notas técnicas, nos próximos dias.

Diante da promessa de chegada dos imunizantes, médicos e cientistas têm recebido um questionamento constante por parte de quem ainda não fez uma ou duas doses de reforço: seria o caso de esperar pelas bivalentes?

Diferenças
As vacinas que já são usadas no Brasil  são uma espécie de primeira geração de imunizantes. Como explica a infectologista e imunologista Fernanda Grassi, pesquisadora da Fiocruz, a composição delas está relacionada ao primeiro vírus Sars-cov-2 identificado – aquele de Wuhan, que ficou conhecido como coronavírus original.

Cada uma usando sua plataforma, as vacinas têm algo desse vírus. No caso da Pfizer, que usa um RNA mensageiro, há um pedaço do material genético do vírus. Na Coronavac, por sua vez, há um vírus inteiro inativado.

Desde o começo da pandemia, porém, as mutações trouxeram novas variantes. Diante delas, a eficácia das vacinas era um tanto diminuída, mas ainda mantinha uma boa proteção. Foi assim que as ondas provocadas pela gama, pela delta e pela própria ômicron foram atravessadas, segundo Fernanda. Em todos esses momentos, as vacinas continuaram com uma proteção elevada, principalmente para os quadros graves da doença.

“O que aconteceu agora é que a ômicron, essa variante que apareceu no final de 2021, se estabeleceu e deu origem a várias sublinhagens. A gente sabe que a pessoa que tem o esquema vacinal completo com as vacinas atuais ainda está protegida de doenças graves, mas por conta da persistência dessas variantes, foram feitas atualizações”, explica.

A diferença é que as vacinas bivalentes têm, em sua formulação, não apenas elementos do coronavírus original, mas também material genético da ômicron – numa espécie de proteção mais específica. Foram aprovadas duas vacinas da Pfizer: uma com a cepa BA.1, apontada como responsável pela onda de janeiro, e outra com a BA.4/BA.5, que provocou a maioria dos casos entre junho e julho.

Por essa mesma lógica, as vacinas que já estão sendo usadas têm sido chamadas de ‘monovalentes’, para diferenciação. Esse tipo de classificação não é novo. No calendário vacinal infantil obrigatório, por exemplo, uma das mais conhecidas é a vacina que ficou conhecida como tetravalente (ou tetraviral), porque protege contra vírus da varicela (catapora), sarampo, caxumba e rubéola.

Mas o imunizante que mais ajude a entender a situação talvez seja o da gripe. Com campanhas anuais, a vacina da gripe é atualizada a cada ano com as cepas que mais circularam no ano anterior, a partir da identificação da Organização Mundial da Saúde (OMS). No Brasil, há duas opções: a trivalente, disponível no Sistema Único de Saúde (SUS), e a tetravalente, normalmente ofertada na rede particular. Ou seja, a primeira conta com três cepas do vírus influenza (duas do A e uma do B), enquanto a segunda tem uma linhagem extra do tipo B.

Esquema
O fato de as bivalentes terem sido aprovadas não significa que as monovalentes se tornaram vacinas ‘velhas’ ou ineficazes. Inclusive, elas vão continuar sendo utilizadas para o esquema inicial – a primeira e a segunda doses. Isso porque esses imunizantes atualizados não passaram por testes para saber como se comportam na imunização primária, de acordo com a infectologista e imunologista Fernanda Grassi.

“A indicação dela é unicamente para reforço. As outras ainda têm eficácia, mas a gente precisa ter as quatro doses para manter um nível bem elevado (de resposta imune). A vacina bivalente vem para dar esse reforço e aumentar mais os anticorpos para melhor neutralizar a ômicron”, pontua.

Para completar, o objetivo ainda é alcançar o maior número possível de pessoas imunizadas, como ressalta o médico Thiago Cerqueira Silva, doutor em Ciências da Saúde e pesquisador da Fiocruz.

“Ter duas doses  já gera bastante resposta imune. É melhor priorizar quem já tomou as duas doses porque seria um benefício menor tomar uma dose igual de novo”, acrescenta.

Assim, com boa parte da população com doses de reforço em atraso, os especialistas têm uma visão unânime quanto à possibilidade de esperar pela chegada das vacinas atualizadas. Para todos, a resposta é não. A recomendação é fazer a dose de reforço o quanto antes, com o imunizante que estiver disponível.

O infectologista Victor Castro Lima, da Medicina FTC, fala de dois contextos: o ideal e o mais factível. “O cenário ideal, enquanto existir uma predominância das subvariantes, seria transicionar todas as doses de reforço com monovalente para bivalente”. Na prática, porém, não há nenhuma certeza quanto à disponibilidade de doses para toda a população apta a recebê-las.

“É melhor vacinar com a monovalente e ter uma quantidade mais ampla do que só vacinar uma pequena quantidade com a bivalente. As pessoas não devem aguardar a chegada dessas vacinas para se vacinar”, enfatiza.

Essa é a mesma avaliação do coordenador de imunização da Secretaria da Saúde do Estado (Sesab), Ramon Saavedra. Ele explica que a continuidade da vacinação com os imunizantes já disponíveis é fundamental para evitar o aumento de internações e óbitos.

“Essa campanha está cumprindo com o objetivo dela, que é reduzir a mortalidade e os casos graves que levam à internação. A gente percebe que o Sars-cov-2 tem uma plasticidade genética muito alta e isso quer dizer que elas podem sofrer mutações rapidamente. A coisa boa disso tudo é que não houve, ainda, o surgimento de nenhuma variante que cujas vacinas não tenham efeito”, diz.

Interesse
O momento agora é similar ao do início da vacinação, em janeiro de 2021, na avaliação de Saavedra, justamente porque nem mesmo as secretarias locais sabem, antecipadamente, quantas vacinas vão chegar.

“Essas vacinas da Pfizer estão em processo de liberação e devem chegar (ao Brasil) no início de dezembro. Tem alguns trâmites alfandegários que toda vacina que chega tem que passar. Mas a gente já está na expectativa de receber e vamos ficar junto ao ministério para solicitar uma posição”.

O pedido para uso emergencial foi feito pela Pfizer à Agência Nacional de Vigilância Sanitária desde 30 de setembro. Para a imunologista e infectologista Fernanda Grassi, não houve celeridade por parte do governo.

“O governo tratou a pandemia como se não fosse um assunto grave e não fez as medidas que teria que fazer. Não creio que a Anvisa seja culpada, porque ela é uma agência regulatória que vai analisar quando os documentos chegarem. A condução da pandemia foi muito dramática porque não houve uma centralização das informações, que é fundamental”.

Outra vacina que poderia estar sendo utilizada neste momento é a Coronavac trivalente, que tem o material genético de três cepas diferentes – a original, a delta e a ômicron. Há, ainda, uma Coronavac bivalente, com a cepa original e a variante BA4/BA5. No entanto, nenhum dos imunizantes chegou a ser encomendado pelo governo brasileiro.

O surto atual de casos de covid-19 no Brasil e na Bahia tem sido atribuído, entre outras razões, ao avanço da variante BQ.1, outra sublinhagem da ômicron. De acordo com o pesquisador Thiago Cerqueira e Silva, a BQ.1 é um tipo de descendente da BA.5, logo, espera-se que as vacinas bivalentes respondam bem nesse contexto também, melhor do que as monovalentes.

“Estudos preliminares mostram que quem tomou duas doses monovalentes e uma bivalente tem proteção de 50% contra infecção sintomática. Para você frear a transmissão de casos, precisa bloquear a infecção. As vacinas anteriores bloqueiam só os casos graves”, diz.

Nos países onde já estão sendo aplicadas, essas vacinas são indicadas ao público em geral até dois meses após a conclusão do esquema primário ou da aplicação de um primeiro reforço com qualquer vacina bivalente. No caso dos EUA, por exemplo, ela é permitida até para crianças com idades a partir de cinco anos. O país ainda tem a vacina da Moderna, também de RNAm mas não utilizada no Brasil, que também tem versões bivalentes para pessoas a partir de seis anos.

Cobertura 
Enquanto essas vacinas não chegam, porém, os imunizantes tradicionais e já em uso encontram outros desafios. O principal deles é a cobertura de doses de reforço abaixo do esperado. Em todo o estado, até a manhã desta sexta-feira (2), apenas 59% do público-alvo – pessoas maiores de 12 anos que já tinham feito as duas primeiras doses – haviam tomado a terceira dose (ou primeiro reforço).

O percentual da quarta dose – o segundo booster – é ainda menor. No entanto, devido à orientação da Comissão Intergestores Bipartite (CIB) de que o público-alvo seria a partir de 40 anos, os dados oficiais quanto ao percentual referem-se apenas a essa faixa etária, ainda que a maior parte da cidade já tenha avançado para todas as idades acima de 12 anos. Nesse caso, pouco mais de 47% das pessoas acima de 40 anos no estado receberam a quarta dose.

A empresária Renata Rossi, 40 anos, faz parte do grupo que está com alguma dose em atraso. Ela deixou de tomar a quarta dose, que estava apta a receber desde julho. “Quando fui tomar, era a Janssen e eu não queria, porque vi muitas pessoas tendo reações”.

Ela diz que, a depender do prazo de previsão para a chegada dos imunizantes bivalentes, deve esperar para renovar o esquema. “Me senti mais segura por saber que protege de mais cepas”, explica. “Se for possível e tiver previsto para até fevereiro, eu espero”, acrescenta.

Apesar de atualizadas, o infectologista Victor Castro de Lima reforça que nenhuma vacina impede, por completo, alguém de adoecer.

“Não existe nenhuma vacina, contra nenhuma doença, que proteja 100%. A pessoa pode tomar a vacina e adoecer, mas é esperado que aconteça numa frequência menor do que nas vacinas monovalentes”, diz.

À reportagem, o Ministério da Saúde também enfatizou que as doses disponíveis nas salas de vacinação do Brasil são eficazes contra a doença e protegem contra casos graves e óbitos. “Os brasileiros devem procurar os postos de vacinação mesmo após o prazo para a dose de reforço”, completou o órgão, em nota.

Além disso, há eventuais problemas de abastecimento com vacinas para alguns públicos. Ainda na sexta-feira, a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) divulgou um levantamento que indicou que uma em cada cinco cidades brasileiras estavam sem doses da Coronavac pediátrica. Na última quinta-feira (1º), o CORREIO mostrou que nove cidades baianas não tinham doses do imunizante para crianças.

O Ministério da Saúde não respondeu aos questionamentos quanto ao envio de novas doses pediátricas para a Bahia. No entanto, segundo Ramon Saavedra, da Sesab, não houve falta de vacinas no estado, mas a pasta identificou em alguns momentos que alguns municípios tinham estoques de determinados tipos de vacina, sem demanda, enquanto não tinham de outros. Isso levou a uma redistribuição.

“No que se refere à dose pediátrica, vieram doses com indicativo pequeno, o que é limitador, mas não recebemos essa queixa formalmente dos municípios. Fizemos um formulário eletrônico para as regionais preencherem de acordo com os estoques dos municípios”, acrescenta.

Aumento de casos não é só fruto de nova variante, diz infectologista

A subvariante BQ.1 tem sido apontada, com frequência, como responsável pelo aumento de casos de covid-19 na Bahia nas últimas semanas. Apesar da relevância do avanço dessa nova cepa, o infectologista Victor Castro Lima, professor da Medicina FTC, ressalta que o aumento de casos é multifatorial.

“Uma questão é da cepa que vai sofrendo mutações até que exista um predomínio da que tem maior transmissibilidade. Isso já tinha acontecido na China, em países da Europa e nos Estados Unidos. Sem dúvida, é o mais importante”, diz.

Ainda assim, não há como desprezar a contribuição da baixa cobertura vacinal das doses de reforço ou mesmo das medidas de flexibilização, consideradas justificadas por ele devido à redução dos casos e impacto pequeno no sistema de saúde naquele contexto anterior.

“Quando a gente coloca tudo junto, temos uma importância significativa do próprio desenvolvimento do vírus, mas diante de um cenário propício a isso”. 

Para ele, é difícil dizer quanto tempo essa nova onda deve durar. “Essas previsões são sempre difíceis de serem feitas, mas a gente já tem alguma experiência”, pontua, citando períodos anteriores. Nas ondas até a variante delta, o período com alta de casos ficava entre dois e três meses. No entanto, é possível que esse momento agora seja mais parecido com as ondas provocadas por outras subvariantes da ômicron, que não duraram mais do que dois meses.

“Os sintomas são bem de vias aéreas superiores, com quadro secretivo importante, dor de garganta, obstrução nasal, coriza, febre e dor no corpo. Mas voltamos a observar mais alterações de paladar e olfato do que nas últimas duas ondas, quando elas tinham sido menos comuns”.

Esta semana, o governo do estado voltou a decretar a obrigatoriedade do uso de máscara em locais fechados, como escolas, universidades, shopping centers e restaurantes, além do transporte público.

Entenda os termos

Bivalente – Vacina que conta com material genético de duas cepas do vírus. No caso da covid-19, as duas aprovadas foram da Pfizer e contam com a variante original e alguma subvariante da ômicron.

Monovalente – Vacina que utiliza apenas uma cepa de um vírus. É o caso das vacinas que já são aplicadas contra o Sars-cov-2 no Brasil desde o início de 2021.

RNAm – Responsável por carregar instruções para síntese de proteínas. Vacinas de RNA mensageiro ensinam células a sintetizar uma proteína que estimula a resposta imunológica.

Variante – Uma nova linhagem do vírus, após sofrer mutação. Essas mudanças podem afetar as propriedades do vírus, incluindo sua transmissibilidade, gravidade de doenças associadas e performance de vacinas.

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