Cantora contrata motorista mulher por causa do assédio

“Entendo que esse lugar que ocupo é importante, e que muita gente se espelha em mim”, afirma IZA Foto: Gabryel Sampaio/ Produção de moda: Cah Viana/ Styling: Bianca Jahara/ Beleza: Mary Savedra/ Vestido
Naiara Andrade

“Eu sei que o meu corpo te incomoda/ Sinto muito, o azar é seu/ Abre o olho, eu tô na moda/ E quem manda em mim sou eu”, ela brada em “Quem sabe sou eu”, uma das 14 faixas de “Dona de mim”, o primeiro e recém-lançado álbum de sua meteórica carreira. Há apenas dois anos, Isabela Lima trocou a profissão de publicitária pela de cantora. Decidiu, então, que assinaria IZA, com “z” e as três letras em caixa alta, para bem demarcar seu espaço. Assim se fez: hoje, ao mesmo tempo em que é apontada como uma das grandes artistas pop do Brasil, a carioca de Olaria se reafirma como ícone entre as mulheres a cada opinião feminista e antirracista lançada, a cada foto empoderada postada no Instagram, onde acumula 2,3 milhões de seguidores. REPRESENTATIVIDADE poderia ser seu sobrenome artístico (ou AMOR, EMPATIA, PAIXÃO, MÚSICA, RESPEITO, SEXO, EXCELÊNCIA, IGUALDADE, COMPETÊNCIA, EDUCAÇÃO… Palavras que ela escolheu para colocar em destaque na vida — e na nossa capa!).

— Entendo que esse lugar que ocupo é importante, e que muita gente se espelha em mim. Por isso, não posso sair por aí falando qualquer coisa. Preciso estar ciente de que não estou aqui só para pagar as minha contas e fazer aquilo que mais amo. Presto um serviço, além de ser cantora — acredita IZA, de 27 anos, dizendo que precisava “se entender e se enxergar primeiro” antes de servir de inspiração a outros: — Eu achava que tinha começado tarde nessa vida (artística), mas não, foi tudo no tempo certo. Aos 25, já tinha passado por muita coisa e amadurecido: eu me formei, trabalhei sob o comando de um chefe, peguei muito ônibus e metrô à noite, enfrentei um mundo de experiências boas e más.

“Eu tinha vergonha do meu corpo, medo do impacto que ele poderia causar, e me cobria toda”, lembra a carioca
“Eu tinha vergonha do meu corpo, medo do impacto que ele poderia causar, e me cobria toda”, lembra a carioca Foto: Gabryel Sampaio/ Produção de moda: Cah Viana/ Styling: Bianca Jahara/ Beleza: Mary Savedra/ Camisa:

Dona de vozeirão, cabelão e corpão, a moça, inevitavelmente, chama atenção. No palco, nas ruas e nas redes sociais, sua presença é MAIÚSCULA. E ela gosta. Ou, melhor, aprendeu a (se) gostar…

— Na adolescência, minha insegurança vinha muito do assédio que eu sofria. Eu tinha vergonha do meu corpo, medo do impacto que ele poderia causar, e me cobria toda. Se eu pudesse voltar no tempo, diria para aquela menina: “Tudo vai passar, e um momento muito bonito de amor e de autoestima vai chegar” — afirma ela, rainha das fotos sensuais de biquíni e roupas decotadas e transparentes: — Se me gosto num clique, penso: “Tô linda, tô gata! Vou postar!”. Aí comentam: “Você não precisa disso!”. E quem disse que eu posto porque preciso? Posto porque quero, porque estou me sentindo maravilhosa! A objetificação que determinaram para o meu corpo não é problema meu. Se a mulher negra é estereotipada, isso está na cabeça dos outros, não na minha. Vivemos em outra época, não dá mais para tolerar isso.

“Sempre fui muito ansiosa, não gosto de esperar. Por que perder tempo?”, questiona ela, sobre tomar a iniciativa nos relacionamentos
“Sempre fui muito ansiosa, não gosto de esperar. Por que perder tempo?”, questiona ela, sobre tomar a iniciativa nos relacionamentos Foto: Gabryel Sampaio/ Produção de moda: Cah Viana/ Styling: Bianca Jahara/ Beleza: Mary Savedra

Com o tempo, IZA conta, o assédio diminuiu (“Até porque as pessoas já sabem que eu grito mesmo, não deixo barato”). Mas ela sabe que sua realidade não reflete a da maioria das mulheres:

— Ando com um segurança e contratei uma motorista mulher. Estou sempre acompanhada, porque nunca sei o que pode me acontecer. O meu cotidiano não é comum, sabe? Tanto posso ir a um lugar e ninguém me reconhecer quanto pode dar merda. Por estar protegida, não costumo pensar na roupa que visto. Mas sei que você (dirigindo-se à repórter) não pode ir à padaria à noite de shortinho e top, mesmo que esteja fazendo um calor do cacete. Por mais que o empoderamento exista, ele não depende só de você. Ser mulher no Brasil é ser sobrevivente.

“Meu cabelão é um estímulo para as meninas irem até o fim. O resultado sempre vale a pena”, diz a Deusa de Ébano
“Meu cabelão é um estímulo para as meninas irem até o fim. O resultado sempre vale a pena”, diz a Deusa de Ébano Foto: Gabryel Sampaio/ Produção de moda: Cah Viana/ Styling: Bianca Jahara/ Beleza: Mary Savedra/ Vestido

Vaidosa, esta Deusa de Ébano não é muito fã de academia e cita “tomar muita água” como seu principal cuidado estético.

— Estou sempre hidratando a pele, isso é o principal. Eu deveria fazer mais exercícios físicos, mas tenho tido pouco tempo. Então, procuro manter uma alimentação balanceada. Mas não tem nada que eu não coma só para manter a forma. Só não rola beterraba, inhame e fígado porque não gosto — detalha, bem-humorada: — Fora isso, faço máscara de argila e esfoliação toda semana, uso protetor solar diariamente. E não dispenso rímel e um bom lápis para os olhos. Um olhar marcante é tudo!

“Posto porque quero, porque estou me sentindo maravilhosa!”, afirma, sobre as fotos de biquíni no Instagram
“Posto porque quero, porque estou me sentindo maravilhosa!”, afirma, sobre as fotos de biquíni no Instagram Foto: Reprodução de Instagram

Na vida, a beleza é recebida como dádiva. Já na carreira, passa a ser uma questão quando colocada lado a lado com o talento musical. Ainda mais se a comparam a outras cantoras, como Anitta e Ludmilla, num tom de rivalidade.

— Isso é muito louco, porque não sinto que aconteça o mesmo com os cantores homens. Somos muito visadas pela nossa aparência. Existe uma pressão para que a gente se mostre de um determinado jeito, o que eu acho supercruel e injusto. É bom frisar que somos parceiras, nos admiramos e respeitamos — afirma a atual apresentadora do “Música boa ao vivo”, do canal Multishow, dona de um repertório que passa longe de termos como “inimigas” e “recalque”, comumente usados em hits do funk e do pop para se referir a outras mulheres: — Não combina comigo nem é o tipo de recado que meus fãs esperam de mim. O mundo já é muito machista, cruel demais com as mulheres. É perda de tempo e desserviço ficar incitando esse tipo de competição.

Com Ludmilla no “Música boa ao vivo”: elas lamentam a rivalidade que criam entre as cantoras pop
Com Ludmilla no “Música boa ao vivo”: elas lamentam a rivalidade que criam entre as cantoras pop Foto: Reprodução

Ludmilla rasga elogios para a colega de profissão e também lamenta o clima de disputa:

— IZA canta muito, tem um superswing, é linda… Tô apaixonada pelo CD dela! O que mais me incomoda nas comparações que fazem entre a gente é que temos muitos fãs crianças e adolescentes. Eles acreditam no que veem por aí e acabam brigando por nada! Nos admiramos e nos apoiamos tanto, e as pessoas ainda criam rivalidade entre nós.

Amiga da artista, Preta Gil se diz admirada com sua força:

— Ela é um furacão! É um ser humano de caráter muito forte, um talento sobrenatural e uma beleza divina. Desde que a gente se encontrou pela primeira vez, eu soube que ela iria brilhar muito. Fico só aplaudindo e aprendendo com ela, que só está chegando para dominar.

Com Preta Gil: a amiga admira a sua força
Com Preta Gil: a amiga admira a sua força Foto: Adriana Lorete/ 17.02.2018

Com outras “manas” negras e famosas, IZA integra um grupo de WhatsApp, cujos debates fortalecem e embasam seu discurso:

— Somos eu, Cris Vianna, Taís Araújo, Gloria Maria, Juliana Alves, Camila Pitanga, Tia Má e mais uma galera que é muito ativa quando se fala de representatividade, empoderamento e racismo. A gente precisa se movimentar, dizer coisas que as pessoas precisam ouvir. Quando unificamos nosso discurso, a mensagem fica mais eficaz. Eu me informo, aprendo, troco ideias, mudo de opinião… Sinto que faço a minha parte.

Se o assunto gira em torno de vaidade e negritude, o assunto “cabelo” vem logo à tona. Há quase dois meses, IZA abandonou as longas tranças box braids (feitas com material sintético) e revelou seus fios ao natural.

— As tranças fizeram parte de um momento de transição, que é bem doloroso, porque você não sabe para onde os seus fios estão indo. Meu cabelão é um estímulo para as meninas irem até o fim. O resultado sempre vale a pena — assegura a musa, que durante a adolescência se submetia ao alisamento porque cresceu ouvindo que “cabelo crespo é feio”: — Uma coisa eu acho muito importante dizer: empoderamento não existe para ditar regras. Hoje, estou amando o meu crespo, mas, se amanhã eu resolver alisá-lo de novo, tudo bem também. Ninguém tem nada a ver com isso.

“E não dispenso rímel e um bom lápis para os olhos. Um olhar marcante é tudo!”, conta ela
“E não dispenso rímel e um bom lápis para os olhos. Um olhar marcante é tudo!”, conta ela Foto: Gabryel Sampaio/ Produção de moda: Cah Viana/ Styling: Bianca Jahara/ Beleza: Mary Savedra/ Camisa:

Com o racismo, essa carioca bateu de frente ainda na infância. Nascida no subúrbio, numa família de classe média, ela foi morar em Natal (RN) aos 6 anos com o pai, o militar Djalma Leite Lima, e a mãe, a professora Isabel Cristina Lima. Lá, era a única negra da escola.

— Demorei a perceber que me tratavam mal por causa da minha cor. Contei para a minha mãe, e ela nunca mais deixou esse tipo de coisa ir adiante. Se tivesse que voltar outras 15 vezes à escola para reclamar, ela voltava — relembra, citando outro episódio triste, mas determinante em sua formação musical: — Teve uma enchente onde morávamos, e perdi toda a minha coleção de discos de Xuxa, Eliana e Angélica. Aí, passei a ouvir os do meu pai: Brian McKnight, George Benson, Stevie Wonder, Michael Jackson, Diana Ross, Earth, Wind & Fire, Donna Summer… Acabei me apaixonando por esses artistas. Foi decisivo para definir o que eu gostava de cantar. E foi a primeira vez que prestei atenção na minha voz… Engraçado como essas adversidades da vida podem mudar radicalmente o nosso caminho!

Também nos tempos de escola, IZA começou a construir sua hoje aparentemente inabalável autoestima:

— Na infância, eu sempre achei que tinha alguma coisa de errado comigo. Aí, na 5ª série, entrei pela primeira vez na lista das meninas mais bonitas da sala, porque apareceu o quesito “simpatia”, e as outras eram bem nojentinhas (risos). Foi um dos momentos mais felizes!

Iza quando criança: “Na infância, eu sempre achei que tinha alguma coisa de errado comigo”
Iza quando criança: “Na infância, eu sempre achei que tinha alguma coisa de errado comigo” Foto: Reprodução de Instagram

Na transição menina-mulher, a aproximação com o sexo oposto permaneceu complicada:

— Fui dar meu primeiro beijo com 18 anos! Não sei se por timidez, por ser discriminada mesmo ou por, simplesmente, me blindar.

O mulherão que agora provoca com músicas sensualíssimas, como “Saudade daquilo” (“Olha pra mim/ Vem aqui que eu tô a fim/ Tira o jeans/ E me faz sentir”) e “No ponto” (“Eu vou te dar/ O presente que cê quer/ Bem devagar/ Te mostro como é/ Me esquenta mais/ Que eu vou guiar você/ Pra lá, pra cá/ Até você chegar no ponto G”), conta que passou a tomar a iniciativa nos relacionamentos já na fase adulta.

— Sempre fui muito ansiosa, não gosto de esperar. Por que perder tempo? — sentencia ela, que também se define extremamente perfeccionista: — Eu me cobro demais! E isso nem sempre é positivo. É ótimo para o meu trabalho, quando exijo uma postura da minha equipe (pelo menos 30 pessoas a acompanham em viagens e outras 30 lhe prestam serviços terceirizados). O complicado é que para mim nunca está bom o suficiente. Só agora comecei a me ver na TV, acredita? Me assistir e perceber minhas falhas é doído, e ninguém é perfeito, né?

“Demorei a perceber que me tratavam mal por causa da minha cor”, conta ela, sobre os tempos de escola Foto: Gabryel Sampaio

O namoro com o produtor carioca Sérgio Santos, de 30 anos, nasceu, digamos, da proatividade da moça. Os dois se conheceram nos estúdios de gravação do CD dela, e foi a cantora quem demonstrou interesse.

— Ele é o cara mais companheiro que eu já tive na vida. Super entende o lugar que ocupo e é muito feliz com isso. A ciumenta da relação sou eu! — entrega ela, que tenta driblar a agenda cheia de shows (são, em média, 15 por mês), compromissos na TV (o comando do “Música boa ao vivo”, até outubro, e as participações em outros programas) e eventos variados para encontrar o amado: — Eu e ele moramos no Rio, e a gente consegue se ver algumas vezes por semana. Mas não é tão simples. Ou eu vou até Sérgio ou ele vem até mim. E isso implica, muitas vezes, em pegar um avião.

Com o namorado, Sérgio Santos: “Ele é o cara mais companheiro que eu já tive na vida”
Com o namorado, Sérgio Santos: “Ele é o cara mais companheiro que eu já tive na vida” Foto: Reprodução de Instagram

Depois de se apresentar com o rapper americano CeeLo Green no Rock in Rio 2017; abrir o show do Coldplay em São Paulo, em novembro do ano passado; gravar clipes com Marcelo Falcão, ex-O Rappa (“Pesadão”), e com o rapper Rinco Paciência (“Ginga”), pergunte a IZA com que artista no mundo ela ainda gostaria de fazer um “feat”. Para quem espera as divas Rihanna ou Beyoncé como resposta, ela surpreende:

— Tenho muita vontade de fazer alguma coisa com a Liniker (cantora transexual paulistana).

De internacional, por enquanto, nem projeções para a própria carreira. Focada na estreia de sua nova turnê, no próximo dia 10 de agosto, em São Paulo — depois, ela viajará com o show pelo Brasil —, IZA não pretende se lançar no exterior tão cedo.

— Acabei de chegar, de apresentar meu primeiro CD. Sempre que tiver a chance de colaborar com artistas de fora, que eu admire, vai acontecer. Mas lançar uma carreira lá fora ainda não está nos meus planos — garante ela, mais plena do que nunca: — Não me falta nada. Amo meu trabalho, minha equipe, meus fãs, minha família, meu namorado… Está tudo no lugar. Parece que vivo um sonho!

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