Grilagem no Capão: MP pede prisão de invasor de área equivalente a 150 campos de futebol

Marcela Villar
Grilagem no Capão: MP pede prisão de invasor de área equivalente a 150 campos de futebol(Reprodução/Redes Sociais)
Morador é alvo de 6 ações judiciais; audiência nesta terça (14) decidirá futuro do grileiro

O esquema de grilagem, ocupação ilegal de terras e degradação do meio ambiente terá novos capítulos no Vale do Capão, na Chapada Diamantina, um dos principais destinos turísticos da Bahia. José Mariano Batista de Souza, acusado de fazer grilagem de terras há mais de 20 anos, foi denunciado à Justiça pelo Ministério Público da Bahia (MP-BA). Caso seja condenado pelos crimes apontados pelo órgão, a pena mínima ultrapassa quatro anos de prisão. O caso foi contado pelo CORREIO na edição de 1º de setembro de 2019.

Segundo o MP, Mariano invadiu e ocupou ilegalmente uma área no interior do Parque Municipal do Boqueirão, dentre os limites do município de Palmeiras. Esse Parque está totalmente situado em área de aplicação da Lei da Mata Atlântica e foi criado por decreto municipal em maio de 2015, antes de Mariano ter invadido o terreno e chamado de seu. A área tem 153 hectares, o equivalente a 150 campos de futebol.

Além da invasão, o MP-BA aponta que Mariano ateou fogo na vegetação de Mata Atlântica, causando danos a área de proteção ambiental. Uma audiência marcada para esta terça-feira (14) irá determinar as sanções do caso, segundo o promotor de justiça do MP-BA Augusto César Carvalho de Matos.

Mariano é conhecido na região por ser agressivo, fazer constante ameaças a nativos e colocou cercas ao redor de uma área do Parque, apossando-se. Diversos boletins de ocorrência foram registrados contra ele. Ele ainda é alvo de três outras ações penais, por lesão corporal leve, ameaças e tráfico de drogas, e outras duas na área cível.

De acordo com moradores, Mariano vendeu terras para dezenas de pessoas ao longo da vida, principalmente visitantes e turistas estrangeiros que frequentam a trilha de Águas Claras. Alexandro de Souza, antigo advogado de Mariano, que não o representa desde o ano passado, disse que não sabe da venda de terras do Parque para terceiros. Ele alega não saber quem é o atual defensor do ex-cliente e não pode dar maiores informações, pois não representa mais o suposto grileiro.

Terras vendidas por Mariano dentro do Parque Boqueirão. Crédito: Reprodução/Google Earth.

Novos envolvidos 
O presidente da Cooperativa dos Garimpeiros de Novo Horizonte (COOPEGANH), Flávio José Mota Junior, também estaria envolvido no esquema de grilagem. “Mariano criou uma história que não existe para poder regularizar a terra, mas foi grilagem simples. Esse cidadão, Flávio José, chegou depois, e ajudou eles a lotear e vender as áreas. São poligonais que já estão com o nome de outras pessoas, estrangeiros”, diz uma fonte ao CORREIO, que pediu anonimato.

Flávio Júnior não quis conversar por telefone, mas respondeu por mensagem sobre a acusação. “É de extrema má fé, desprovida de verdade e passiva de processo, essa nociva calúnia. Jamais tive relação comercial ou de amizade com esse senhor [Mariano] e me nego a comentar sobre a conduta do mesmo”, escreveu o presidente.

“Tudo é de conhecimento da Justiça. Deixo claro que são públicas minhas declarações a favor da criação da unidade de conservação de forma legal”, acrescenta Júnior. A Polícia Civil disse não ter registros.

Primo de Mariano também é denunciado pelo MP-BA 
Além de Mariano, o primo dele, Afonso Felinto Timóteo, foi denunciado por crime ambiental. De acordo com o MP-BA, Tomóteo degradou o meio ambiente após abrir uma estrada no interior do Parque Boqueirão, com supressão de vegetação nativa, além de ter dificultado a regeneração natural do bioma Mata Atlântica, no início de 2019.

Isso foi provado por uma Nota Técnica do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que indicou que Timóteo suprimiu uma área de 525 m² de vegetação nativa do Parque, à beira do Rio Riachinho. A estrada que ele construiu tem 500 metros de comprimento e 3,5 metros de largura.

O crime foi constatado pela equipe de fiscalização da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Sustentável do Município de Palmeiras no dia 8 de maio de 2019. No Inquérito Policial, o denunciado confessa que realizou supressão de vegetação nativa do bioma Mata Atlântica. Ele disse ter utilizado, inclusive, instrumentos manuais para interligar imóveis rurais, e que sabia que aquela área localizava-se no interior de área pública.

Cresce procura por terras na região 
Uma corretora de imóveis e um turista que foi recentemente ao Capão comentaram sobre a explosão de procura por compra e venda de imóveis na região. “Tem crescido muito, todo mundo virou corretor aqui na Chapada, são mais de 50 trabalhando com aluguel e venda de imóveis e terras, mas nem todos têm Creci (cadastro no Conselho Regional de Corretores de Imóveis) ou são regularizados. É uma farofa total”, revela a corretora.

Segundo ela, por conta de os terrenos serem pequenos, muitas vezes, não têm escritura particular. Ou seja, não é a propriedade que é vendida, mas a posse da terra. Mesmo sem documentação, a procura é grande. “Antes da pandemia, era um ou outro cliente que aparecia, coisa de uma vez por mês. Hoje, todo dia atendo quatro a cinco clientes. Não consigo dar conta da demanda”, conta.

O doutor em Direito pela PUC-SP e professor da Faculdade Baiana de Direito e Gestão, Camilo Colani, explica que, quando não há documentação da propriedade de terra, grileiros se aproveitam para se apossar das terras ilegalmente.

“Boa parte dos imóveis do Capão eram fazendas grandes, que perderam o título de propriedade. Então fica uma verdadeira confusão, pois não há documentação que comprove quem é o dono. É aí que aparece a figura do grileiro, que fica pulando de um terreno para outro, se fazendo de dono. Ele cerca a área, divide em três a quatro lotes, vende, e vai para outro terreno”, esclarece.

A posse de um terreno em si não é algo ilegal. O que configura o ilícito é a venda da posse de terra ao invés do título de propriedade. “Não há problema em vender a posse de um terreno. A pessoa pode não ser a dona, mas, se tiver a posse há muito tempo e dentro de certas condições, é possível ter a usucapião. O que há de errado é vender a ideia de propriedade e registrar em cartório”, completa Colani.

Usucapião é a forma por meio da qual uma pessoa pode se tornar proprietária de um bem móvel ou imóvel caso o utilize por um determinado período de tempo sem a reclamação do dono original. A função social do bem é levada em conta.

O detalhe é que, no caso alvo do MP, não é permitida a posse de imóveis públicas pelo código civil, como lembrou o advogado.  “Terras públicas não são passíveis de usucapião. Se houve a criação do Parque Municipal por decreto, a área deve ser desapropriada e o sujeito indenizado com precatórios”, conclui. O especialista acrescenta que, para pedir a usucapião, é preciso ter ocupado a terra entre cinco e 15 anos.

Relembre a história 
A partir de 2010, Mariano e a esposa, a policial civil aposentada Leila Tatiana Martins, ocupam a área para comprovar a posse. Porém, nunca apresentaram documentação. Por isso, não há estimativa do tamanho da terra ocupada por Mariano. E, mesmo que houvesse documento, não seria possível ocupar uma terra pública como o Parque do Boqueirão.

O suposto grileiro utiliza da documentação dos primos para tentar dizer que é dono da terra. Em fevereiro de 2017, Adaílde Neves, a prima de Mariano, e seu marido, Afonso Timóteo, moveram processo na Vara de Iraquara, município na Chapada Diamantina, para questionar o decreto do Parque.

O decreto foi mantido pela Justiça e a Prefeitura ficou obrigada a, em até 12 meses, desocupar “posseiros e grileiros”, através de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), em junho de 2019, que não foi cumprido até hoje.

Em abril de 2015, Mariano foi ao Cartório de Títulos e Documentos de Palmeiras doar 56 hectares de terra dentro do Parque para a prima Adaílde. A doação aconteceu menos de um mês antes das terras serem transformadas numa área de preservação. Na declaração, disseram se tratar de uma herança da “falecida mãe” de Mariano, chamada Maria da Rocha. A mãe, no entanto, estava viva na época, e responde por Clarinda.

No repasse, Mariano apresentou um contrato datado de 2000 e declarou o tamanho da terra em 25 hectares. Em maio de 2018, Adaílde foi ao cartório realizar uma certidão de uso e posse. Dessa vez, a declaração foi de 56 hectares, um terço do tamanho total do Parque.

Na época, o advogado Alexandro de Souza, que representava Mariano, afirmou que a doação aconteceu por razões familiares. Depois de Adaílde retornar de São Paulo ao Capão, “ele [Mariano] se compadeceu da prima, que chegou e não tinha nada. Ele doou parte da terra para ela”.

Associação de Condutores de Visitantes do Vale do Capão (ACV-VC) foi procurada, mas disse não saber ou acompanhar dos desdobramentos do caso.

A Prefeitura de Palmeiras foi procurada desde a última sexta-feira (3), mas, por conta do feriado do dia 7 de setembro, só poderia responder na quinta-feira (9). A reportagem ligou diretamente para prefeito da cidade, Ricardo Guimarães, que não atendeu ou respondeu às mensagens.

José Mariano foi contatado pelo CORREIO mas não atendeu às ligações.

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