Marcas da História: A seca de 1932

No Brasil, na região Nordeste, existe a região semiárida que é delimitada pelo Polígono das Secas. Uma zona na qual as precipitações pluviométricas são mais baixas, onde as secas ocorrem produzindo os seus efeitos negativos e nefastos sobre a economia.

O fenômeno das secas nesta área se dá por causas naturais, devido principalmente pela alta variabilidade climática, ocorrendo quando a chamada zona de convergência intertropical (ZCIT) não consegue se deslocar até a região Nordeste no período verão-outono no Hemisfério Sul, sobretudo nos períodos de El Niño.

As secas despertaram (e despertam) a atenção dos governantes desde a época do Império de D. Pedro II. E, por sua vez, estes reagiram com planos e projetos nas áreas de engenhariasocial e política, tentando assim amenizar as conseqüências das secas tanto para as populações diretamente afetadas (os flagelados), bem como as classes políticas locais.

As grandes secas ocorrerem após vários anos de chuvas irregulares. A primeira grande seca historicamente documentada ocorreu no período de 1721 a 1727. Um historiador, Tomás Pompeu de Assis Brasil, escreveu que “1722 foi o ano da grande seca, em que não só morreram numerosas tribos indígenas, como o gado e até as feras e aves se encontravam mortas por toda a parte.”

No município de Campo Formoso a seca mais comentada pelos mais idosos é a de 1932. Eles contam que perderam quase tudo. O governo do Estado da Bahia, Juracy Montenegro Magalhães, mandava alimentos para o município de Campo Formoso, no entanto, poucos recebiam a cesta de alimentos, a situação era mais crítica no interior do município, onde muitos padeciam de fome.

Para não morrer de fome comiam “bró”, uma espécie de massa que era extraída do caule dos licurizeiros. Mesmo assim muitos morriam de fome. Naquela época os pais deixavam os filhos em casa e ima a procura do “bró”. Cortavam a casca grossa do caule do licuri, levavam esse caule para uma laje de pedra, batiam-no até extraírem uma massa, peneiravam-na e assavam no forno da casa de farinha.

O Senhor Cantídio, um morador da comunidade de Poços que conviveu com a seca de 1932 expõe sua experiência:

“A Água era escassa. Dia de feira poucos compravam alimentos. Naquela época era tudo aberto não havia tantas cercas, hoje os bichos são presos em pequenas roças, comem o pouco que elas oferecem e depois acabam morrendo.

Agente comia o bró tirado do licurizeiro. Era preciso escolher a planta certa. Derrubava, desgarrava, cortava, laçava em quatro partes, batia numa lage. Levava para ser secada, ia ao pilão e depois era peneirada. Era uma farinha vermelha, depois fazia um cuscuz vermelho que só. Era comida ruim, menino chorava pra não comer, era só para encher a barriga.

Uma comida muito braba e saborosa era produzida com a mucunã. A semente era assada no fogo feito com palhas, era quebrada, tirava um bago bem branco, como castanha de caju. O bago era levado ao pilão, fazia uma massa, peneirava, depois era lavada em nove águas para tirar o veneno, era como tapioca. Depois se fazia o beiju.

Agente comia o inhame de mato, ele tem folha larga, é uma batata. Para comer é descascada e cozinhada como o aipim. Tinha o palmito do licuri, uma comida para encher a barriga, logo agente tava com fome”.

De acordo com o jornalista pernambucano Carlos Garcia, “A grande seca de 1932 começou realmente em 1926, quando as chuvas foram irregulares, irregularidade que se acentuou a cada ano seguinte. Em 1932, caíram chuvas finas em janeiro, mas cessaram totalmente em março. A estiagem de 1958 também foi uma grande seca, o que indica a ocorrência de um ciclo de anos secos a cada 26 anos, aproximadamente. Essa periodicidade é que leva os sertanejos a afirmar que cada homem tem de enfrentar uma grande seca em sua vida.”

Na seca de 1932 o nordeste brasileiro sofria com as conseqüências da estiagem, mas também vivia um momento histórico próprio dentro da era de Getúlio VargasLampião e seu bando centralizavam as atenções dos políticos. Moradores do Povoado de Poços, em Campo Formoso, afirmam que era comum a passagem de Revoltosos. Eram bandidos e cangaceiros que aterrorizavam a população local e de todo sertão nordestino.

Os escritores Edith Alves e José Freitas afirmam que em 1929, Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, passa no município de Campo Formoso. O grupo foi para o Povoado de Brejão da Caatinga a 70 km da sede do município, onde assassinaram cinco militares, os quais partiram de Senhor do Bonfim numa diligencia policial à procura de criminosos que haviam fugido da cadeia pública de Senhor do Bonfim. Após a chacina, os militares foram enterrados numa vala comum a um quilômetro do povoado, dois dias após um comando volante desenterrou os corpos transladando os mesmos para o cemitério de Campo Formoso.

A grande seca de 1932 foi um verdadeiro cataclisma sócio-econômico na região, cuja calamidade fez com que o flagelo, tantas vezes repetido, assumisse proporções devastadoras, principalmente para a população carente.

Nessa época, a fim de que a população não morresse de fome, o Governo Federal abriu frentes de trabalho. Os trabalhadores, chamados pejorativamente de “cassacos”, trabalhavam de sol a sol, sempre sob o olhar repressor de feitores. O salário obtido pelo trabalho realizado pelos trabalhadores era um vale-compras. Com o vale podia-se comprar farinha, carne do sol ou do sertão e um pouco de feijão. Dessa maneira a remuneração não era em moeda, mas em gêneros alimentícios, os quais na maioria das vezes eram desviados pelos encarregados da distribuição, ou tinham valores superfaturados.

Diante da penúria, inúmeros homens, mulheres e crianças se sujeitavam a migrar, a pé, ou em trens, em busca de auxilio e de outras cidades que lhes permitissem melhores condições de sobrevivência.

Naquele período milhares de pessoas pereceram de fome, sede e doenças. O então presidente Getúlio Vargas (1930-1945) buscou combater a seca como uma questão nacional, ou seja, as medidas adotadas seriam tomadas diretamente pelo governo federal.  Liberou verbas para socorro aos flagelados, controlou o mercado para garantir um abastecimento mínimo e preços razoáveis e instruiu a Inspetoria Federal de Obras contra as Secas (IFOCS), a alistar sertanejos para trabalhar na construção de açudes, estradas, calçamentos, etc. Mas nem todos os sertanejos conseguiam se engajar nas obras de emergência, pois não havia muitas vagas.

É dessa forma que Juracy Magalhães, em carta a Getúlio Vargas, define a situação da Bahia:

“(…) Ele [Oscar Bormann, funcionário contratado para tratar das finanças do estado] lhe dirá, de viva voz, da angustiosa situação financeira que atravessa a Bahia, cuja situação atual é agravada por múltiplos e variados fatores de ordem econômica, política e social. Sobreléva, porém, a todas as desgraças que incidem sobre esta terra, a desorganização absoluta do Nordeste Bahiano, onde a seca e o banditismo dizimam as populações, de tal sorte, que não havia cidadão que ousasse ser autoridade no meio de tanta desolação. Foi, assim, que encontrei municípios, onde nem siquer havia um prefeito”.

Flagelados da grande seca foram aproveitados nas obras que o Ministério de Viação e Obras Públicas implementava nos Estados Nordestinos. Multidões se formaram nos canteiros de obras, a grande maioria sem a mínima noção de higiene, sendo responsáveis pelo acúmulo de lixo e dejetos humanos em escala gigantesca. O regime alimentar, composto basicamente por farinha e carne seca, agravou o quadro de desnutrição crônica da população flagelada, aumentando ainda mais a possibilidade de acontecer um surto epidêmico.

No final de dezembro de 1932, quando as chuvas finalmente começaram a cair no Nordeste, o inevitável aconteceu através de um impressionante combinado de infecções que Orris Barbosa, em célebre e clássico livro intitulado “Secca de 32 – Impressões sobre a crise nordestina”, distinguiu como sendo do grupo coli-tífico-desintérico. Em janeiro, fevereiro e março de 1933 as cifras da mortandade entre os “cassacos” alcançavam números impressionantes.

Proliferação de moscas em verdadeiros enxames contribuiu acentuadamente para disseminar os germes causadores de doenças gastro-intestinais. Em pouco tempo os campos de trabalho estavam atulhados de cadáveres da desdita da seca do século XX.  Crianças, portadoras de um quadro lastimável de desnutrição, foram as mais penalizadas, registrando a maioria dos óbitos da grande epidemia que assolou o nordeste brasileiro na década de 30.

Neste novo contexto político do pós-30, de centralização do Estado, a seca de 1932 foi entendida, desde o início, como uma “questão nacional”, ligada à segurança pública, a ser enfrentada através da conjugação dos vários órgãos oficiais ligados à assistência social e pública.

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