O legítimo representante dos excluídos

 

Com mais de cinco mil famílias contempladas pelo Bolsa-Família, o município de Monteiro, de 33 mil habitantes, no Sertão do Cariri paraibano, a 305 km de João Pessoa, elegeu para a Câmara de Vereadores um legítimo representante dos excluídos, dependente e ex-bolsista do programa de distribuição de renda do Governo Federal: Edilson Mendes, o Courão da Carrocinha. Ele embolsou o benefício usando um cartão da Caixa Econômica para sacar R$ 186 por mês até as vésperas do registro da sua candidatura, em julho deste ano.

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Magro, semblante abatido e de poucas palavras, por ser semianalfabeto, Courão passou fome e humilhações na vida. Seu passado é um livro de dor, sofrimento e traumas. Perdeu a mãe Lúcia Mendes na mesa do seu parto, vítima de eclampse. O pai João Caldeirão suicidou-se quando ele tinha apenas 12 anos. A ex-mulher Liliane, seu único amor em vida, o traiu. Ao abandoná-lo, abriu mão também dos dois filhos, criados por ele e por um casal vizinho no sítio em que mora, que adotou como “pais de criação”.

Aos 40 anos, tendo os últimos 17 anos tirado o sustento da família puxando pelas ruas da cidade uma carroça de madeira que ganhou de presente, em busca de fretes que lhe rendiam entre R$ 30 e 40 por semana, Courão ganhou a simpatia da população e 784 votos nas urnas usando uma frase na propaganda eleitoral ao longo da campanha que mexeu profundamente com o coração de muita gente.

“Eu sou o Courão da Carrocinha. Sou candidato a vereador para representar a pobreza de Monteiro na Câmara. Sei o que é ser pobre, porque já passei muita fome. Se for eleito, vou ajudar aos que passam fome também”, repetia no guia eleitoral do rádio. A estratégia deu certo. Dos 13 vereadores eleitos acabou em nono, com 784 votos. A princípio, quando se espalhou que seria candidato, fruto de uma brincadeira de amigos, ninguém acreditou.

Filiado ao PROS, no cartório eleitoral teve que assinar um documento sustentando que sabia ler e escrever. Na sua inscrição consta que possui o ensino fundamental incompleto. Na prática, num primeiro contato, dá para perceber suas deficiências na leitura, mas o que chama atenção nele são a simplicidade e o respeito que ganhou da população.

Dono de uma loja de móveis usados, Anilton Viana de Queiroz deu a carrocinha que Courão usa até hoje, com data para aposentar em 1 de janeiro, quando troca a dura rotina nas ruas pelo plenário de ar-condicionado da Câmara de Monteiro.  “Ele sempre foi uma pessoa muito trabalhadora, de boa índole. Todo mundo gosta dele aqui na cidade”, diz Anilton.

Além de doar, o comerciante permite que Courão faça ponto na sua loja e ainda guarde a carrocinha todos os dias, ao final da sua labuta. No sítio Lagoa dos Catités, a 8 km do centro da cidade, onde mora, o agora vereador eleito é adorado pela vizinhança não apenas agora, mas de há muito tempo. David Moraes, vizinho dele, se emociona toda vez que fala sobre as agruras na vida dele que testemunhou.

No dia da eleição, quando ouviu pelo rádio que Courão estava eleito, David reuniu a vizinhança e fez uma festa. “Daqui, ele saiu com mais de 150 votos. Só da minha família foram 20 votos”, diz o vizinho, que considera o novo parlamentar um herói. “Quando Courão teve um problema na bexiga e ficou muito doente a solidariedade da população foi algo louvável e isso prova como ele sempre foi muito querido”, afirma David, acrescentando esperar dele, agora como vereador, que olhe para a região onde mora e consiga melhorias. “A seca aqui devastou tudo e ele tem que lutar por água”, assinala.

Ao perder sua mãe no parto e mais tarde o pai, que se suicidou com um tiro na cabeça, Courão ganhou Elias Viana e Maria de Lourdes como pais adotivos, mas ambos também já morreram. Mais tarde, surgiu em sua vida outra pessoa bastante importante: a tia Safira Bezerra da Silva. Hoje, com 87 anos, é ela quem ajuda na criação dos dois filhos do vereador – João Victor, de 12 anos, e Caio, de quatro anos.

“Eu tive dó de Courão e seus filhos para mim hoje também são meus netos”, afirma dona Safira, que mora no mesmo sítio de Courão, em frente da sua casa. O vereador a chama de tia-mãe, porque, segundo ele, também ajudou na sua criação. “Sabendo das minhas dificuldades ela trazia de vez em quando um feijãozinho aqui em casa”, relata Mourão, para quem dona Safira apareceu em sua vida como uma benção de Deus.

“Eu deixo meus filhos aqui com ela e vou cuidar dos meus fretes na carrocinha sem nenhuma preocupação”, acrescenta. Depois de tomar posse, com uma mudança brusca de vida, passando e receber um subsídio mensal de R$ 4,5 mil, Courão faz planos de ajudar a família. “Tia Safira já tem o seu pedaço de terra, é aposentada e tem umas cabeças de boi, mas o que eu puder fazer por ela farei”, afirma.

(Magno Martins)

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