O mito Lampião

Por José de Jesus Barreto
O mito Lampião

Ilustração: Enéas Guerra – Solisluna

89 anos sem o ‘Rei do Cangaço’

 

– Num tem coisa mais vergonhosa e triste prum cabra macho como foi ele, do que ter de morrer assim, sem dar um tiro, matado a traição por um bando de fi duma égua, duns cabra safado fi do cabrunco, da pustema. Teve muita gente que chorou por ele – fala o véi do sertão do Carira, brenhas de Sergipe.

 

***

 

A chamada do irmão véi Carlos Vittório pela manhã bem cedo do domingo me lembrou que foi num dia 28 de julho, do ano de 1938, numa invernosa manhã, que o cabra macho Virgulino ‘Lampião’ morreu tocaiado, impiedosamente fuzilado e metralhado na toca de Angicos, um esconderijo de uma saída só, no sertão brabo e bonito de Sergipe, beirando o ‘grande rio’, o São Francisco.

 

Estava uns dias entoca e se sentindo seguro ali, com Maria Bonita e seu grupo mais chegado, uns 30 cabras. Esperava por Corisco e bando, pra um proseio sobre a labuta.   Quando, no primeiro clareio, mal tinha acordado, mal levantado com aquela boca amarga, espreguiçando-se ainda… e da tropa dos sordecos que faziam o cerco desde a madrugada escura pipocaram de uma vez as balas a brotar de tudo que é canto, derrubando um por um. Lampião e Maria Bonita, na porta da tenda, foram logo atingidos, sem direito a um ai. Uma carnificina. Uns poucos, mais ladinos e acesos ainda conseguiram escapar, aos lanhos.

 

Os soldados, além de rapinar tudo que encontraram pela frente, cortaram a cabeça de Lampião e Maria Bonita, exibindo-as pelas cidades como prova e troféu.

 

***

  

Mas…

Como Lampião, um cabra tão prevenido, um bicho dotado de extraordinária intuição e percepção do perigo foi se descuidar daquele jeito?  Ah, não ter percebido a trama da traição, ser apanhado com as calças na mão…

 

Ouvi de muito sertanejo a versão de que o ‘Capitão’ afrouxara, depois do convívio e dos dengos de Maria Bonita. Pode ser, tem mulher que afrouxa homem, sabemos.

 

Mas a verdade é que o Capitão Virgulino andava era cansado de tanta correria desde menino, a tocaiar e ser tocaiado, fugindo e perseguido, dando troco, baleando e baleado, cuidando e liderando, de tal sorte que trazia marcas brutais de combates pelo corpo inteiro, envelhecido precocemente (tinha pouco mais de 40 anos quando morreu), mal alimentado e mal abrigado quase sempre. Já andava meio desiludido daquela desgraceira de vida.  Quando morreu, Lampião já era um velho doentio e cansado.

 

Não foi nenhum Robin Wood, líder camponês… também não era a encarnação do mal, do satanás. Sabia agradar, quando queria, e era cruel, impiedoso e sanguinário quando achava que devia. Cortava gargantas sem dó e rezava o terço e o ofício de Nossa Senhora. Era vaidoso, sedutor e um exímio estrategista.

 

Sim, mito. Pedaço vivo de nossa História. “Herói’ num sertão brabo, violento, de uma época em que se matava e morria feito bicho, aos urubus. Matava-se por ódio, ciúmes, vingança, pedaço de terra, capricho, valentia pura, dinheiro, encomenda, cachaça ou simplesmente pra ver o ‘freguês’ se estrebuchar lá adiante. De bala, facão, punhal, tanto fazia. Depois, era só fazer se um ‘pelo sinal’, rezar um ‘pai-nosso’ e pouco ou nada ficava de arrependimento.

 

Lampião acreditava muito no deus do Padim Pade Ciço, em Nossa Senhora… mas Lampião  tinha parte com o demônio.

 

Tanto que está vivo, até hoje. Imortal.

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