Os baianos que tentaram ser presidente do país

Gabriel Moura
Padre Kelmon, Ruy Barbosa e Antônio Pedreira têm em comum o fato de serem baianos que se candidataram à presidênciaPadre Kelmon, Ruy Barbosa e Antônio Pedreira têm em comum o fato de serem baianos que se candidataram à presidência (Fotos: Reprodução e Agência Brasil)

Com quatro candidatos ao longo da história, Bahia não elegeu ninguém

A Galeria dos Ex-presidentes nos conta que, ao longo dos 132 anos de república, 44 pessoas assumiram o cargo mais importante do Brasil. Investigando a vida desses poderosos, encontra-se uma variedade de gêneros, opiniões políticas e profissões ocupadas, e um importante detalhe coloca todos no mesmo pote: nenhum é baiano.

E não foi por falta de tentativa. Em eleições passadas, três baianos se colocaram como postulantes ao cargo e não conquistaram a simpatia da maioria do eleitorado. Ruy Barbosa, o mais famoso, tentou por três vezes (1910, 14 e 19), enquanto Antônio Pedreira e João de Deus Barbosa de Jesus arriscaram a sorte em 1989 e 1998, mas passaram longe de registrar um ponto percentual sequer.

Em 2022 um novo filho da terra tenta encerrar o jejum: Padre Kelmon. No entanto, as pesquisas eleitorais indicam que ele deve passar longe da vitória. Apesar da falta de competitividade, a candidatura do ex-filiado ao PT, atualmente no PTB, chama a atenção pela contundente defesa que presta a outro candidato, o atual presidente Jair Bolsonaro.

Apesar de estar conhecido como “Candidato Padre” após o debate da TV Globo, até o título sacerdotal está envolto em dúvidas. Kelmon atua em um templo na Ilha de Maré, em Salvador, mas é membro da Igreja Católica Apostólica Ortodoxa do Peru, que não é reconhecida pelas correntes ortodoxas brasileiras.

“Esclarecemos que, em pleno respeito, mas também gozando da mesma liberdade de pensamento, consciência e religião prevista no 18º artigo da Declaração dos Direitos Humanos e no artigo 5º da Constituição Federal do Brasil, o referido candidato não é membro de nossa Igreja Sirian Ortodoxa de Antioquia do Brasil em nenhuma de suas paróquias, comunidades, missões ou obras sociais”, diz a referida igreja em nota.

Asteriscos
Antes de destrinchar os candidatos do passado, é necessário esclarecer dois asteriscos envolvendo Manuel Vitorino e Itamar Franco.

Manuel é soteropolitano e foi vice-presidente entre 1894 e 1898. Durante quatro meses ele assumiu a presidência por causa do afastamento de Prudente de Morais por motivos de saúde. No entanto, ele não consta na lista oficial de ex-presidentes – disponível na Biblioteca da Presidência  da República em Brasília ou em meio digital.

O episódio mais marcante da gestão de Manuel Vitorino foi um ataque que ele organizou à sua terra natal. Após pedido do governador da Bahia, Luís Viana, ele enviou o terceiro ataque ao arraial de Canudos. A expedição militar fracassou solenemente, com direito à morte do coronel Moreira César, líder das tropas, e o Exército Brasileiro se tornando piada nacional. Além disso, ele também foi o responsável pela compra do Palácio do Catete, que foi a residência oficial da presidência até a capital migrar do Rio de Janeiro para Brasília, em 1960.

Atualmente, o baiano que assumiu a presidência por mais tempo é homenageado em Salvador com o batismo de uma pequena rua no Dois de Julho e de um hospital em Nazaré (ele também era médico) – com variações na grafia para Manoel Vitorino e Manoel Victorino, respectivamente. Há também um pequeno município no Sudoeste do estado que carrega seu nome.

Já Itamar Franco, presidente entre 1992 e 1995, é um caso mais complexo, pois a naturalidade dele não é clara. Nasceu em mar aberto, em um navio que fazia o trecho Rio de Janeiro/Salvador. Não se sabe exatamente na costa de qual estado se deu o nascimento, mas a mãe o registrou em Salvador no dia 28 de junho de 1930.

No entanto, segundo a Galeria dos ex-Presidentes, o registro de batismo aponta nascimento em 1931 na cidade de Juiz de Fora, em Minas Gerais, pois ele fazia parte de uma tradicional família daquele estado. Além disso, Itamar nunca reivindicou ser baiano, sempre exaltando suas raízes mineiras.

Civilista
De um lado, um militar sobrinho do ex-presidente Deodoro da Fonseca e conhecido, principalmente, por sua truculência na repressão de revoltas populares. Do outro, um intelectual, poliglota, líder político da república e, o principal, baiano.

O brasileiro se deparou com essa escolha para definir o presidente nas eleições de 1910, e, com 64,35% dos votos, escolheu Hermes da Fonseca ao invés de Ruy Barbosa.

A derrota do baiano se deu, principalmente, pela ajuda que Nilo Peçanha, presidente entre 1909 e 1910, deu ao militar gaúcho. Em meio à chamada República do Café com Leite, Ruy até angariou aliados importantes, como as bancadas paulistas e baianas, mas não foi o suficiente para derrotar o grande acordo nacional.

“Ele teve uma campanha muito forte, apoiado pela massa. Muita gente queria romper com os militares, que instauraram uma ditadura durante 20 anos. Ruy era famoso em todo o Brasil e apontava esse veio autoritário dos militares, mas não furou o bloqueio dos grandes estados”, narra o historiador e professor da Ufba Carlos Zacarias.

Além disso, também houve fraude, reconhecida até pela Justiça Eleitoral. Era uma época em que o voto de cabresto reinava, as mulheres e analfabetos não podiam votar. Ou seja: as elites rurais, que dominavam o país, escolhiam quem quisessem. E a maioria estava fechada com Hermes.

No entanto, Ruy foi a personificação da frase “o mais importante é o caminho e não a chegada”. O baiano rodou o Brasil inteiro no que ficou conhecido como a Campanha Civilista, se colocando como a “terceira via” (na época não se usava este termo) entre os militares e os ruralistas.

“Foi a primeira campanha política propriamente dita de um candidato à presidência. Ele era o representante civil, a intelectualidade, a ‘Águia de Haia’. Enquanto os outros candidatos defendiam um Brasil conservador, muito ligado às lideranças tradicionais, Ruy era o que projetava um país voltado para o futuro”, afirma o historiador Rafael Dantas.

Ruy voltou a ser candidato em 1914 e 1919, mas também passou longe de se eleger. Na primeira marcou apenas 8,24% dos votos ante o vencedor Venceslau Brás, e na outra foi um pouco melhor: 28,85% contra Epitácio Pessoa.

Ruy Barbosa é um dos nomes mais importantes da história do Brasil 
(Foto: Reprodução)

KGB brasileira
Os chamados candidatos nanicos sempre reclamam da falta de exposição midiática tanto para serem conhecidos pelo eleitor, quanto para apresentar suas propostas. O baiano Antônio Pedreira se deparou com esse problema nas eleições de 1989. Disputando com nomes como Collor, Lula, Brizola, Ulysses Guimarães, Mário Covas e Paulo Maluf numa lista com incríveis 22 presidenciáveis, ele encontrou uma forma de se destacar no noticiário: ser sequestrado.

Na falta de bandidos dispostos a realizar tal crime, o baiano tornou-se seu próprio algoz: sumiu por dois dias da campanha sem dar explicações e, ao retornar, berrou pelos quatro cantos do Brasil que sofrera um sequestro. No entanto, a farsa foi desqualificada pela imprensa, que ridicularizou o candidato que se apresentava como o “Senador do Povo”, apesar de nunca ter exercido tal cargo.

Além do auto sequestro, Pedreira se destacou na campanha por defender que o antigo Serviço Nacional de Informações (SNI) se transformasse em uma espécie de KGB brasileira.

O candidato também era famoso por seus ataques, tanto aos adversários quanto à língua portuguesa. Em propagandas marcadas por erros de concordância, ele xingava tanto os oponentes que atingiu o posto de líder de punições na corrida eleitoral de 1989. A propaganda dele chegou a ficar banida da televisão por oito dias.

Pedreira também gabava-se por ser “amigo pessoal” do presidente José Sarney e, após conquistar somente 0,12% dos votos, mostrou uma certa crise de identidade. Lançou-se candidato a deputado por diversos estados como Rio de Janeiro, Distrito Federal, Amapá e, claro, Bahia. Foi derrotado em todas.

Antônio Pedreira tentou se lançar candidato novamente em 2010, mas foi vetado pelo seu partido, o PMDB (Foto: Agência Brasil)

De Deus e de Jesus
Antes de Padre Kelmon, o último baiano lançado como candidato à presidência também carregava uma forte presença religiosa: João de Deus Barbosa de Jesus. Sua trajetória política foi muito marcada por uma peregrinação partidária, rodando por quatro legendas no espaço de seis anos, e por ser um ferrenho defensor de Getúlio Vargas, inclusive colocando o sobrenome do ex-presidente em um dos filhos.

Foi candidato no pleito presidencial de 1998, pelo PTdoB (atual Avante), e fez uma campanha discreta, em que defendia o retorno de políticas varguistas e o fim das privatizações. Terminou a disputa com 198 mil votos, ficando em 8º lugar entre 12 concorrentes. O vencedor foi Fernando Henrique Cardoso, reeleito para seu segundo mandato ainda no primeiro turno, com 53% dos votos.

Cadê o baiano?
A Bahia é o estado mais populoso do Brasil que nunca elegeu um presidente. Se as proporções matemáticas fossem respeitadas na política, com cerca de 8% da população o estado teria celebrado três chefes do Executivo nacional.

O estado mais vitorioso nas campanhas presidenciais é Minas Gerais, com nove, seguido por Rio Grande do Sul e São Paulo, ambos com sete. Ao todo, 13 estados têm um presidente para chamar de seu, incluindo os também nordestinos Rio Grande do Norte, Paraíba, Maranhão, Ceará e Pernambuco.

A situação fica ainda mais feia quando colocada em perspectiva histórica. Tendo Salvador como primeira capital do Brasil (até 1763), a Bahia foi uma das províncias mais importantes do período imperial, comumente dona da segunda maior bancada do Senado Federal.

Para os historiadores, alguns motivos explicam a falta de protagonismo da Bahia na política nacional após a Proclamação da República, em 1889, principalmente a crise econômica enfrentada pelo estado no final do século XIX e início do século XX.

“A Bahia sempre foi um estado muito ligado à aristocracia, à elite que era rica simplesmente por ser filho de alguém também rico e com um título de nobreza. O Império era aristocrata, mas a República passa a ser oligárquica. Ou seja: era rico e, consequentemente, poderoso quem construiu sua riqueza com o café, principalmente. Por isso, a elite baiana não consegue manter o prestígio. Tanto que a República, inicialmente, é militar e depois Café com Leite”, explica o historiador Carlos Zacarias – a expressão café com leite indica o período da República Velha em que o poder se alternava entre políticos de São Paulo (produtor de café) e Minas Gerais (produtor de leite).

Isso, no entanto, não quer dizer que a Bahia era desimportante. Dono de um dos maiores colégios eleitorais, o estado sempre era convocado pelas elites de Minas, São Paulo e Rio de Janeiro para fazer parte das coalizões – e em quase todos os momentos aceitava fazer parte do acordo.

“Ou seja: a Bahia era importante para fazer parte do grupinho, mas não o bastante para liderá-lo. Talvez essa questão também explique por que estados menores como Paraíba e Rio Grande do Norte já tiveram presidentes. Eles eram relegados do grande acordo e, por isso, sentiam-se mais livres para arriscar um voo solo”, teoriza Zacarias.

Outro consenso é a falta de políticos baianos que tiveram destaque no cenário nacional. Após Ruy Barbosa, apenas Antonio Carlos Magalhães despontou como figura de liderança nessa esfera, tendo presidido o Senado Federal e até assumido a cadeira de presidente por oito dias durante uma viagem de Fernando Henrique Cardoso em 1998.

No entanto, ACM nunca externalizou vontade de disputar o principal cargo do Executivo do país, preferindo dedicar-se a manter sua força na Bahia. A intenção dele era que o filho Luís Eduardo Magalhães despontasse como força nacional para eventualmente postular o cargo. O plano foi interrompido pela morte do então deputado em 1998.

“Até tivemos nomes menores, como o próprio Manuel Vitorino, presidente por quatro meses, mas enfrentou diversos problemas e perdeu relevância política. Vital Soares foi vice na chapa vencedora de Júlio Prestes, mas não assumiu por causa da revolução de 1930. João Mangabeira era uma grande liderança nacional, mas não o suficiente. Waldir Pires também saiu como vice na chapa de Ulysses Guimarães em 1989, mas não foi eleito”, relembra o historiador Rafael Dantas.

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