Tacaruna: a fantástica fábrica de promessas vazias
Por: Alice de Souza
Foto: Tarciso Augusto/Esp DP |
A despeito da localização privilegiada às margens da Avenida Agamenon Magalhães e da importância arquitetônica e histórica de haver sido a primeira construção em concreto armado do Brasil e a primeira refinaria da América do Sul, o prédio vive um limbo de 27 anos em desuso que parece ter atingido o seu ápice. O imóvel de 9,5 mil metros quadrados, com amplos salões e seis andares, aparenta um cenário de guerra. Em todas as salas, o chão está destruído.
Os ferros das escadarias que levavam aos outros andares foram roubados, assim como as madeiras e vidros que serviam às portas e janelas curvadas da fachada e do interior. As estruturas de elevadores se resumem buracos onde são jogadas roupas, pedras e camisinhas. O letreiro com o nome “Fábrica Tacaruna” também já não existe.
Sequer o gradil que protegia a entrada do imóvel resistiu. “Teve um dia que o pessoal parou um caminhão aqui e saiu colocando todos os ferros. Isso de manhã mesmo, na frente de todo mundo. Agora não é possível nem subir aos outros andares”, lembra o mecânico Everaldo Oliveira, 24 anos.
Foto: Tarciso Augusto/Esp DP |
“Aqui tinham vários livros, deixaram muita coisa, mas tudo foi levado. Há uns cinco anos, começou a destruição total desse prédio. Não fica nem um vigia cuidado daqui. Agora, só o pessoal de paintball aparece uma vez por semana, e um pessoal de grupo de moto que vem fazer apresentação lá no estacionamento”, conta o ajudante de motorista Jorge Luiz, 21.
Nos fundos do prédio, há um tanque tomado pela água barrenta e lixo. Dentro dele, fitas de vídeo, solas de sapato, garrafas, pneu e até uma estrutura de isopor de uma antiga decoração de carnaval. “Quando a gente era menor, vinha para cá tomar banho nesse tanque. O pessoal da comunidade até pensou em se juntar, fazer uma cotinha e mandar limpar”, acrescenta o artesão Eriton Santos, 18.
História que se desvaneceu
Inaugurado em 1895, para ser a sede da Usina Beltrão, o imóvel já foi de vários donos. Quatro anos depois de entregue foi comprado pela Cunha & Gouveia, depois pela Mendes Lima & Cia, em seguida pela Companhia Manufatora de Tecidos do Norte. Nessa época, passou a se chamar Fábrica Tacaruna. De lá, eram produzidos cobertores para o mercado local até 1992, quando foi fechada. Desde dezembro de 1994, é tombado como Patrimônio Histórico Estadual pela Fundação do Patrimônio Artístico e Cultural de Pernambuco (Fundarpe) e pelo Conselho Estadual de Cultura. O título por si só não foi suficiente para garantir a salvaguarda da fábrica, que vive à espera de uma proposta de uso desde a década de 1990.
No fim dessa década, o prédio foi comprado pelo Governo de Pernambuco por R$ 14,5 milhões, para a criação de um espaço cultural. A ideia remetia a uma vocação assumida pelo imóvel, que passou a ser palco de eventos culturais como maratonas de linguagens, shows e apresentações circenses. O governo chegou a investir na criação de um concurso para escolher um projeto de reforma. Enviou pessoas à França, tentou parcerias, mas nada saiu do papel. Pelo menos três grandes projetos foram pensados para a fábrica.
Em 2003, a então Secretaria de Educação e Cultura iniciou uma obra para colocar em funcionamento a Fábrica Tacaruna Cultural, gastando R$ 1,3 milhão. Haveria uma outra etapa, orçada em R$ 5 milhões. Em 2009, foi anunciado que o espaço seria o Centro de Cidadania Padre Henrique, com teatros, cinema, museus. Seriam gastos R$ 45 milhões, mas ficou no anúncio. Três anos depois, com um orçamento de R$ 20 milhões e capitaneado pela secretaria da Criança e Juventude, o projeto ressurgiu. A meta, de estar pronto para a Copa do Mundo de 2014, não se concretizou.
O governo então decidiu realizar uma parceria com a Fiat Chrysler Automobiles (FCA) para construir um centro de Engenharia, Pesquisa e Desenvolvimento de Software Automotivos, que também acabou não indo adiante. A reportagem procurou cinco secretarias do governo. A Secretaria de Cultura respondeu que uma proposta de restauro de imóveis tombados vai além da reforma e recuperação estrutural, passando por um plano para sua utilização. O órgão acrescentou, ainda, que o projeto de 2003 era de responsabilidade da secretaria de Educação, e não tem nenhum plano atual para a área. As secretarias de Desenvolvimento Social, Criança e Juventude, Turismo e Desenvolvimento Econômico também não tem projetos para a fábrica.
A Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação afirmou, em nota, que ao longo das negociações com a Fiat o projeto existente foi reorientado para funcionar dentro do Parque Tecnológico do Porto Digital, no bairro do Recife. A FCA respondeu que avaliou a instalação do centro e que o projeto teria evoluído para um modelo descentralizado em quatro unidades.