Tacaruna: a fantástica fábrica de promessas vazias

Por: Alice de Souza

Foto: Tarciso Augusto/Esp DP
Foto: Tarciso Augusto/Esp DP
“Morreu, puxa o pano”. A frase pichada em vermelho, destacada na parede de reboco descascada e tomada pelo lodo, é só um informe para jogadores de paintball, mas contribui para o clima moribundo de um dos salões da antiga Fábrica Tacaruna. No chão, papéis queimados de uma campanha federal da década passada remetem a um das muitas tentativas frustradas de uso do prédio, localizado na divisa entre Recife e Olinda. Erguido como símbolo da pujança econômica e do desenvolvimento do Estado de Pernambuco, no século 19, o imóvel é hoje espelho da decadência. A estrutura definha à espera de revitalização.

A despeito da localização privilegiada às margens da Avenida Agamenon Magalhães e da importância arquitetônica e histórica de haver sido a primeira construção em concreto armado do Brasil e a primeira refinaria da América do Sul, o prédio vive um limbo de 27 anos em desuso que parece ter atingido o seu ápice. O imóvel de 9,5 mil metros quadrados, com amplos salões e seis andares, aparenta um cenário de guerra. Em todas as salas, o chão está destruído.

Os ferros das escadarias que levavam aos outros andares foram roubados, assim como as madeiras e vidros que serviam às portas e janelas curvadas da fachada e do interior. As estruturas de elevadores se resumem buracos onde são jogadas roupas, pedras e camisinhas. O letreiro com o nome “Fábrica Tacaruna” também já não existe.

Sequer o gradil que protegia a entrada do imóvel resistiu. “Teve um dia que o pessoal parou um caminhão aqui e saiu colocando todos os ferros. Isso de manhã mesmo, na frente de todo mundo. Agora não é possível nem subir aos outros andares”, lembra o mecânico Everaldo Oliveira, 24 anos.

Foto: Tarciso Augusto/Esp DP
Foto: Tarciso Augusto/Esp DP
Instigado pelos amigos, ele entra no prédio para procurar um banner que estampava uma das paredes internas. Era uma foto dele, fruto de uma das aulas de fotografia dada aos jovens da comunidade vizinha, quando fábrica tinha destinação cultural. A busca, como previa Everaldo, foi frustrante. No local, estão empilhados materiais publicitários da campanha do governo federal pela certidão de nascimento de 2009.

“Aqui tinham vários livros, deixaram muita coisa, mas tudo foi levado. Há uns cinco anos, começou a destruição total desse prédio. Não fica nem um vigia cuidado daqui. Agora, só o pessoal de paintball aparece uma vez por semana, e um pessoal de grupo de moto que vem fazer apresentação lá no estacionamento”, conta o ajudante de motorista Jorge Luiz, 21.

Nos fundos do prédio, há um tanque tomado pela água barrenta e lixo. Dentro dele, fitas de vídeo, solas de sapato, garrafas, pneu e até uma estrutura de isopor de uma antiga decoração de carnaval. “Quando a gente era menor, vinha para cá tomar banho nesse tanque. O pessoal da comunidade até pensou em se juntar, fazer uma cotinha e mandar limpar”, acrescenta o artesão Eriton Santos, 18.

Linha do tempo 
1895
Fábrica Tacaruna foi Inaugurada com uma unidade industrial e uma torre, como a primeira fábrica de açúcar em tabletes do Brasil.
Início do século 20
Espaço é transformado em uma refinaria de açúcar da Usina Beltrão
1925
Foi transformada na Companhia Manufatora de Tecidos do Norte, depois de ser comprada pela Tecelagem Paraíba
1992
Serviços foram completamente desativados
 
1994
O conjunto foi tombado pelo Patrimônio Histórico Estadual pela Fundação do Patrimônio Artístico e Cultural de Pernambuco (Fundarpe) e pelo Conselho Estadual de Cultura
 
1997 
Foi realizado o primeiro evento cultural no prédio, uma maratona de linguagens com 48 horas de instalações artísticas
2000
O imóvel foi comprado pelo governo de Pernambuco por R$ 14,3 milhões para a criação de um espaço cultural
2001
Foram investidos cerca de R$ 500 mil para realização de um concurso público de arquitetura para escolha do projeto de reforma do prédio. Bolsistas chegaram a viajar à França para uma capacitação.
2003 a 2005
Ocorreu a primeira etapa da revitalização do prédio para instalação da Fábrica Tacaruna Cultural, na qual foram gastos R$ 1,3 milhão para recuperar toda a cobertura do edifício central. Seria o início de uma sucessão de projetos interrompidos ou nunca implantados, que acabaram consumindo recursos sem retorno para a população

História que se desvaneceu

Inaugurado em 1895, para ser a sede da Usina Beltrão, o imóvel já foi de vários donos. Quatro anos depois de entregue foi comprado pela Cunha & Gouveia, depois pela Mendes Lima & Cia, em seguida pela Companhia Manufatora de Tecidos do Norte. Nessa época, passou a se chamar Fábrica Tacaruna. De lá, eram produzidos cobertores para o mercado local até 1992, quando foi fechada. Desde dezembro de 1994, é tombado como Patrimônio Histórico Estadual pela Fundação do Patrimônio Artístico e Cultural de Pernambuco (Fundarpe) e pelo Conselho Estadual de Cultura. O título por si só não foi suficiente para garantir a salvaguarda da fábrica, que vive à espera de uma proposta de uso desde a década de 1990.

No fim dessa década, o prédio foi comprado pelo Governo de Pernambuco por R$ 14,5 milhões, para a criação de um espaço cultural. A ideia remetia a uma vocação assumida pelo imóvel, que passou a ser palco de eventos culturais como maratonas de linguagens, shows e apresentações circenses. O governo chegou a investir na criação de um concurso para escolher um projeto de reforma. Enviou pessoas à França, tentou parcerias, mas nada saiu do papel. Pelo menos três grandes projetos foram pensados para a fábrica.

Em 2003, a então Secretaria de Educação e Cultura iniciou uma obra para colocar em funcionamento a Fábrica Tacaruna Cultural, gastando R$ 1,3 milhão. Haveria uma outra etapa, orçada em R$ 5 milhões. Em 2009, foi anunciado que o espaço seria o Centro de Cidadania Padre Henrique, com teatros, cinema, museus. Seriam gastos R$ 45 milhões, mas ficou no anúncio. Três anos depois, com um orçamento de R$ 20 milhões e capitaneado pela secretaria da Criança e Juventude, o projeto ressurgiu. A meta, de estar pronto para a Copa do Mundo de 2014, não se concretizou.

O governo então decidiu realizar uma parceria com a Fiat Chrysler Automobiles (FCA) para construir um centro de Engenharia, Pesquisa e Desenvolvimento de Software Automotivos, que também acabou não indo adiante. A reportagem procurou cinco secretarias do governo. A Secretaria de Cultura respondeu que uma proposta de restauro de imóveis tombados vai além da reforma e recuperação estrutural, passando por um plano para sua utilização. O órgão acrescentou, ainda, que o projeto de 2003 era de responsabilidade da secretaria de Educação, e não tem nenhum plano atual para a área. As secretarias de Desenvolvimento Social, Criança e Juventude, Turismo e Desenvolvimento Econômico também não tem projetos para a fábrica.

A Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação afirmou, em nota, que ao longo das negociações com a Fiat o projeto existente foi reorientado para funcionar dentro do Parque Tecnológico do Porto Digital, no bairro do Recife. A FCA respondeu que avaliou a instalação do centro e que o projeto teria evoluído para um modelo descentralizado em quatro unidades.

Projetos para a fábrica que não vingaram:

Pesquisa e desenvolvimento
Entre 2014 e 2015, o governo de Pernambuco e a Fiat Chrysler Automobiles (FCA) iniciaram negociações para instalação de um Centro de Engenharia, Pesquisa e Desenvolvimento de Software Automotivos da Fiat no Recife. O projeto seria implementado na Fábrica Tacaruna como um desejo do ex-governador Eduardo Campos, mas acabou não vingando. Seria o quarto centro de pesquisa da empresa no mundo, com um investimento de R$ 500 milhões. A ideia foi alvo de polêmica e nunca se concretizou. A Fiat decidiu por adotar um modelo de centro descentralizado, dividido entre quatro unidades (Paiva, Recife Antigo, Jaboatão dos Guararapes e Goiana).
Criança e juventude
Em junho de 2012, o governo de Pernambuco lançou edital para licitar uma recuperação da Fábrica Tacaruna orçada em R$ 20 milhões. Capitaneada pela Secretaria da Criança e Juventude na época, a proposta era criar um centro de formação para a juventude no prédio, com direito a biblioteca, museu, três cinemas, três teatros, espaço para gravação e edição de música, cinema e vídeo e até uma escola integral.

Na época foi anunciado que a ideia era que o centro estivesse em funcionamento até 2014, tendo como horizonte a Copa do Mundo. Antes disso, em 2009, já sob a tutela de Criança e Juventude, houve um projeto para o prédio, intitulado “Centro de Cidadania Padre Henrique”, que também não saiu do papel.
Centro cultural
Em 2003, a então secretaria de Educação e Cultura de Pernambuco iniciou uma obra de revitalização da Fábrica Tacaruna. A obra começou por intervenções no teto da estrutura, para abrigar o que seria a “Fábrica Tacaruna Cultural”. As obras do telhado foram finalizadas em 2004, porém o projeto cultural nunca foi concluído. A fábrica chegou a receber shows, exposições e espetáculos teatrais e circenses, tendo sido duas vezes sede do Festival de Circo do Brasil. Bandas como Nação Zumbi e artistas como Ney Matogrosso chegaram a realizar shows dentro do imóvel, antes de ele se deteriorar completamente.
Fonte: Diário de Pernambuco

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