Émilie, de 17 anos, se matou em janeiro. Marion tinha 13 anos quando tirou a própria vida em 2013. Ambas cometeram suicídio depois de terem sido vítimas de bullying na escola.
A morte prematura e trágica das duas adolescentes desencadeou um debate sobre a melhor forma de proteger jovens e, ao mesmo tempo, ensiná-los a respeitar uns aos outros. O drama de ambas também foi exposto pela imprensa francesa.
O sofrimento de Émilie tornou-se público quando um jornal francês reproduziu trechos do diário da adolescente divulgados pelos pais dela.
Em seguida, uma rede de televisão exibiu o filme Marion, para sempre 13 – uma dramatização da vida de Marion Fraisse, que morreu há três anos.
O filme de 90 minutos mostra como seu sofrimento foi crescendo gradualmente, de forma imperceptível para quase todos ao seu redor. Numa sala cheia de alunos, Marion fica marcada como uma das garotas boazinhas. Aos poucos, vai perdendo amigas, e passa a ser vítima de rumores, insultos e isolamento.
Um certa ocasião, Marion é abordada no corredor da escola por um grupo de garotos, que a agarram, reviram e jogam longe seus sapatos. “Ela estava pedindo para isso acontecer”, diz uma garota que testemunhou tal cena.
Após esse episódio, Marion fica abalada e chora. A partir desse momento, o filme mostra como ela entra em desespero, se rende à depressão e, finalmente, toma a decisão radical de acabar com a própria vida.
Filhos, esses desconhecidos
O filme exibido na televisão francesa foi adaptado do livro escrito pela mãe de Marion, Nora Fraisse. Depois de encontrar uma carta da filha, Nora decidiu publicar a história da adolescente.
O ato pode ser considerado comovente, porque um dos elementos mais marcantes dessa história é a forma como os pais de Marion narram saber o que estava acontecendo com sua filha.
Entrevistada por um jornal francês para divulgar o lançamento da dramatização, a atriz Julie Gayet, que interpreta Nora, disse que o filme traz dois pontos de vista: Marion e sua mãe.
Segundo a atriz, o roteiro “mostra que os pais nunca conhecem realmente os filhos”. “Metade da vida de uma criança lhes escapa”, observou Gayet.
Mais de quatro milhões de pessoas sintonizaram no canal de televisão para assistir ao drama, cuja exibição que foi sucedida por um debate de uma hora. Muitos levaram a discussão para as redes sociais, onde compartilharam suas histórias e expressaram suas opiniões.
“Não é suicídio, é assassinato”, escreveu uma usuária do Twitter que se identificou como Sara. Outro sugeriu que o filme fosse exibido em escolas. Muita gente descreveu suas próprias experiências com bullying, narrando que o trauma os perseguiu por anos mesmo já tendo saído da escola.
“Querido diário”
Quando Émilie morreu, ela era quatro anos mais velha que Marion.
Considerada uma aluna brilhante, estudava em uma escola particular na cidade francesa de Lille quando começou o assédio.
Os pais dela narram que desde os 13 anos Émilie era discriminada pelos colegas: não era considerada descolada o suficiente, não acompanhava o que estava na moda e era uma leitora voraz. Um dia, atingiu seu limite e abandonou a escola.
Durante três anos, em que tentou outros colégios e até ensino à distância, Émilie desenvolveu uma fobia de escolas.
Os pais acreditam que sua morte esteja ligada à depressão como resultado de anos de bullying. Parte de seu calvário foi registrado num diário, no qual ela relata algumas das dificuldades de seu dia-a-dia:
Esquivando-me de golpes, rasteiras e cuspes. Fechando os ouvidos para insultos e zombaria. Mantendo um olho na bolsa e no cabelo. Segurando as lágrimas. De novo e de novo.
…
– Ei, sabe o quê?, um menino exclamou alto o suficiente para todos ouvirem na classe menos o professor. Aparentemente, eles vão premiar os CDFs mais feios de todos os países. – Ah é?, reagem os colegas dando risadinhas. Aposto que temos o vencedor na classe.
…
Eu não quero que os meus pais saibam o quão patética eu sou; e acho que eles deram à luz a um pedaço de lixo.
Combatendo o bullying
Estatísticas oficiais indicam que cerca de 700 estudantes sofrem com bullying todo ano na França, país que tenta conscientizar os alunos sobre as consequências do bullying e, ao mesmo tempo, oferecer apoio para as vítimas.
Em 2014, uma nova lei antibullying foi aprovada. Também foi criada uma linha telefônica para receber informações sobre incidentes envolvendo alunos. Mesmo assim, ativistas que lutam contra o assédio nas escolas afirmam que a França não enfrenta o problema de forma adequada.
“A resposta das autoridades está melhorando muito lentamente”, diz a psicóloga e ativista Catherine Verdier. “Mas comparada a outros países, a França está se arrastando. Se você olhar para a Finlândia, a Suécia, onde o bullying é uma causa nacional, nesses países houve um verdadeiro esforço vindo de cima para mudar as coisas.”
Willy Pierre, que dirige uma entidade chamada “Vocês São Heróis”, criada após a morte de Marion para quebrar o tabu em torno bullying diz que “algumas escolas melhoraram” na França, “mas não o suficiente”.
“A linha direta funciona apenas em horário escolar e agendar uma conversa entre a criança e um adulto pode levar semanas ou meses”, afirma Pierre.
Ativistas pressionam para que as autoridades combatam também o cyberbullying – o assédio pela internet – que ocorre do lado de fora dos portões da escola. Pierre diz que a solução só virá quando pais, professores e alunos discutirem o problema abertamente.
Um relatório da Unicef publicado há dois anos idetifica o bullying como um problema mundial que “existe em algum nível e de alguma forma em todos os países”.
As crianças que são maltratadas, diz a Unicef, são propensas a uma vasta gama de efeitos negativos, incluindo “depressão, ansiedade, pensamentos suicidas”.