Miserês

Trata-se, ainda, de um miserê humano. Desavergonhados, ele e seus pares estão presos à avaliação de conjuntura a partir de seus holerites.

Aquele promotor de justiça mineiro que não consegue viver com míseros 24 mil reais por mês é a síntese emblemática da Direita Concursada.

Demonstra um miserê cognitivo, não entende o mundo e o país onde vive. Teve a infelicidade de não nascer pobre, segundo afirmou. Alude à redução em seus níveis de consumo, gasta apenas 8 mil no cartão de crédito, não mais os 20 mil mensais habituais que despendia antes do Golpe. Não relaciona, todavia, uma coisa com a outra.

Padece, também, de um miserê axiológico. Os valores que comparte com outros concursados (juízes, promotores, procuradores, delegados, servidores da justiça, do MP, das polícias), e não apenas no Sistema de Justiça (estão aí os médicos como evidência), fazem com que se sinta superior aos demais brasileiros. Sobrevalorizam-se. O mérito na aprovação em concurso serve como autorização, prévia e eterna, para que ajam com soberba e arrogância.

O miserê deôntico que permitiu a autoindulgente justificação cabotina do recebimento do auxílio-moradia em valores mensais superiores à média salarial de mais de quatro-quintos da população brasileira, mesmo tendo casa própria, se repete. O paradigma dos mandarins que se apropriaram, por mérito atestado em certames públicos, do aparelho repressivo tem a ética torta que caracteriza a Direita Concursada. Confia na “criatividade” da chefia para a criação de novos pinduricalhos (diárias, auxílios-qualquer-coisa) para retirá-lo da inexistente penúria.

Trata-se, ainda, de um miserê humano. Desavergonhados, ele e seus pares estão presos à avaliação de conjuntura a partir de seus holerites. O Estado existe para garantir-lhes condições econômicas superiores não apenas à realidade do mercado de trabalho brasileiro. Daqui a pouco ninguém mais vai querer fazer concurso, vaticinou. Recebem, comparativamente, mais que o dobro do que é pago a promotores, procuradores e juízes em países ricos, na Europa e nos EUA. Não dá para ir toda hora para Miami comprar ternos, disse tempos atrás um dos líderes da magistratura.

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São várias e sobrepostas as camadas de miserês que servem de capa e armadura aos mandarins que desdenham a democracia criticando “os políticos”. Não fazem por mal. Sentem-se assim, superiores. Entre eles os mais perigosos são os que, além de tudo, arvoram-se em justiceiros, em reformadores sociais, em arautos da moralidade. Um miserê danado.

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Wilson Ramos Filho (Xixo), doutor em Direito, professor (UFPR/UFRJ), presidente do Instituto Defesa da Classe Trabalhadora (DECLATRA)

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