Lamento sertanejo

Por Jeremias Macário

Lamento sertanejo

Foto: Acervo pessoal

A DOR DA FINITUDE

 

Dizem que a morte é matreira;

É o líquido eterno da vida finita;

Outros que é o amargo sem sentido,

E que a vida é sombra passageira,

Que traz na lida a dor da finitude,

Com seu baú de coragem e medo,

Nos laços do intrincado segredo.

 

A finitude pode até curar sua dor;

O sábio manda conhecer a ti mesmo;

Um que nada muda em sua forma;

O outro que tudo vai e se transforma;

Você se depara com o ser ou não ser,

E o poeta na sua escala fora dessa bitola

Não se conforma e se embriaga no amor.

 

Tudo passa, é mutável e se transforma,

Tudo fica no lugar, e mudança é ilusão.

Nada começa, nada se acaba, nada torna;

A flecha que voa está parada lá no ar;

É tudo finito, infinito, mistério e confusão,

E uns preferem o delírio etílico da festa;

Mergulhar nas ondas que se quebram no mar.

 

 

 

NAS CILADAS DA LUA CHEIA

 

Os lobos ficam moucos na lua cheia,

Do Planalto prateado do céu tropical,

Onde os bandos fazem sua farta ceia,

Vinda do arado suado braço serviçal.

 

As hienas viram renas na lua cheia,

Para a engorda gulosa do grande dia,

Enchendo seus trenós em cada aldeia,

Para mais quatro anos de mordomia.

 

Os ratos armam ciladas na lua cheia,

Os malignos vendem gato por lebre;

A mente pobre segue o canto da sereia,

E quem sempre paga o pato é a plebe.

 

Depois desta festa da lua cheia,

A chama da fé começa a minguar,

Até o fio da esperança vai-se embora,

Chora o velho, a senhora e a criança,

Na falta da justiça, do remédio e do pão,

E do direito digno de viver e sonhar,

De nunca mais ser boiada de patrão.

 

No aboio, ou no rasgo da guitarra,

Vamo s´imbora, gente forte e valente,

Não mais na espera do Deus dará!

Vamos acabar de vez com essa farra

Dessa corja bicharada do nosso lar,

Sem mais raposas uivando em nosso luar.

 

 

 

 

 

FREGUÊS DE TODO MÊS

 

Para poucos o colosso, para muitos o osso;

O cristianismo pegou dos celtas e romanos

O solstício, e veio o capital inventou Noel

E os profanos de Cristo lotearam todo o céu.

 

Você corre e corre atrás do metal vil,

E nem dá conta que não passa de freguês;

Se esbalda no bar no final de semana;

Em casa ouve um som do antigo vinil

Que fala de liberdade e se acha bacana,

E a conta chega todo o final do mês.

 

Olhe meu camarada para seu espelho;

Você corre, corre e todo fim de mês

Entra na maldita lista de besta freguês;

Faz conta, conta e só bate no vermelho.

 

Você corre e voa como cavalo alado;

Discute, briga e solta seu baseado;

Busca como um louco pela verdade,

E pensa no filósofo da antiga idade,

De que a vida dada é um bem incerto,

E que a morte conserta um mal certo.

 

 

 

O brutal sistema sempre nos frita,

Nos faz de brita todo regime maldito,

Seja no verão, primavera ou inverno,

E cada um tem seu deus e seu inferno.

 

Esmagado como cana que vira bagaço,

Você abre o site burocrata do formulário;

Faz o passo a passo pra abrir os cadeados,

E segue o rigor dos minutos e do horário,

E ele pede sempre mais e mais dados,

E testa seus nervos esticados de aço,

E no final ainda lhe chama de fracassado.

 

Lembre-se que você tem as fronteiras,

De norte a sul tem arames e muralhas;

Do outro lado vivem os frios canalhas;

E nem adianta pedir para abrir passagem

Nessas tormentas fileiras da vazia viagem.

 

Olhe meu camarada para seu espelho;

Você corre, corre e todo fim de mês

Entra na maldita lista de besta freguês;

Faz conta, conta, e só bate no vermelho.

 

 

 

 

 

SEM ESSA DE NOVO

 

Amigo mano, sem essa de ano novo!

Mesmo assim te desejo um novo ano!

Na vida nada se cria, tudo se copia.

 

As luzes se apagaram. O show acabou!

Você continua sendo escravo do patrão;

O sinal indica não entrar na contramão,

E o pássaro astronauta levanta seu voo.

 

O pobre continua sendo um estorvo;

Meu camarada, não existe ano novo!

No Planalto assombrado pia o corvo,

E o ano conta os meses e os santos dias,

No calendário freguês das companhias.

 

Nas noites vagam as tristezas e alegrias;

Os amores começam e se vão pelas vias;

Ninguém mais aprecia noite de lua cheia;

Preferem mesas suculentas da santa ceia

 

No sertão só vingam cacto e mandacaru,

E o homem labuta na terra o ano inteiro;

Ronda no céu pela carniça o tenaz urubu,

E nas cidades, só se vê retirante estradeiro.

 

Mano véio, sem essa de ano novo!

Mesmo assim, te desejo um novo ano!

Seja bonito, corcunda ou como for,

Siga o mais velho, amando a sua flor.

 

 

 

 

 

LÁGRIMAS DE MARIANA

 

Salve, oh nossa eterna Mariana!

Mãe santa sempre teu nome,

No vale dos desvalidos,

Correr chuvas de lágrimas,

De lama e de sangue,

Lá do Fundão profano

Até o mar do mangue,

Espraiando sede e fome,

Do monstro de usura insana,

Capital do vil metal desumano.

 

Do Doce no azul das matas,

Agora um amarelo amargo,

Escorrem lágrimas de dor

Dos filhos nativos das canoas,

Do Bento engasgado de barro,

Uma onda engoliu todo largo,

E detritos varreram margens

De Colatina até Valadares;

Contaminaram doces lagoas,

E as paisagens de Linhares.

 

Chovem lágrimas de Mariana!

Da igrejinha flor da praça,

Da terra sem suas marés,

Do pescador derrama o pranto,

Sufocado pela mina assassina,

De pasta tóxica da Samarco,

Que cobre até o topo da colina

Da nação índia dos Aimorés,

Guerreiros da flecha e do arco,

Irmãos do rio Doce e da caça.

 

Chovem lágrimas de Mariana!

Do cristalino das meninas,

Do lendário negro véio cantador,

De histórias gerais das Minas;

Chora nosso São Francisco;

Choram as cordas da viola,

Choram cordelistas de sacola,

Nas batidas do poeta cantador,

De uma triste canção de uma mina,

Que um dia no estouro arrebentou

O sonho de um povo violado lutador.

 

 

 

 

 

NA ESPERA DA GRAÇA

 

O tempo se arrasta tinhoso,

Como agente espião do mundo,

No árido perdido do nada,

Do riacho rachado profundo,

Onde pia de fome a perdiz;

O boi berra de sede na baixada,

E vai o velho com sua enxada,

Vagando no vento lamentoso,

Na procura de uma agreste raiz,

Alimento do Deus que assim quis.

 

A seca devorou toda roça,

Tombou o jumento e o cavalo,

Da mandioca, a última massa,

E assim, o roceiro só leva coça,

Como castigo que vai e volta;

Enfrenta a dor da perda com roça,

Laça a palavra vinda do altar,

Solta sua fumaça tragada ao ar,

Esperando dos céus uma graça,

Sempre com as mãos cheias de calo.

 

A procissão de pedra passa,

Como cobra cortando a praça,

Para o alto do Cruzeiro Sagrado.

E o povo canta, ora e chora:

Perdoai Senhor, perdoai Senhor!

Com a benção da Senhora Vossa!

Perdoai todos nossos pecados,

Por termos cometido tanto mal,

Que nem a planta deu sua flora,

Perdoai Senhor, perdoai Senhor!

Nos dê a água, ao invés do sal.

 

Da última chuva guarda no frasco,

Como beato penitente nordestino,

Crente como beduíno,

De uma graça sempre a esperar,

Que nos liberte deste bruto carrasco,

Desta coberta curta do puxa e encói,

Desta amarga taça de tanta trapaça,

Dos malditos governos dos capitais,

Cheios de pontes e fachadas de cal,

Que prometem o milagre do maná,

E ao invés da água, só nos mandam sal.

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