Mais da metade dos jogadores de futebol no Brasil recebem no máximo um salário mínimo
Prestes a completar 36 anos, Luiz Ricardo Bernardes, o Luizão, rodou o Brasil tendo como objetivo tornar-se jogador de futebol. Zagueiro de bons recursos técnicos, atuou em clubes de São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo, Goiás, Rio Grande do Sul, Roraima e Tocantins. Cansado dos baixos salários, e de muitas vezes não receber sequer o combinado, ele abandonou o futebol em definitivo em 2018. Com três filhos, o ex-defensor trabalha agora como motorista de frete na capital paulista.
O histórico de Luizão representa a dura realidade da maioria dos jogadores que se aventura atrás de uma bola. Uma pesquisa divulgada pela plataforma Cupomvalido.com.br, que reuniu dados da CBF, Statista e Ernst & Young sobre o esporte, mostra que mais da metade dos atletas que atuam no Brasil tem de se virar com um salário mínimo.
Baseado em vencimentos com carteira de trabalho assinada, o levantamento indica que 55% dos boleiros recebem a remuneração de R$ 1.100, não considerando, por exemplo, os direitos de imagem. Entre os jogadores que faturam até R$ 5.000 o porcentual cai para 33%. Somente 12% têm remuneração superior a R$ 5.001.
De acordo com o estudo, o Brasil possui 7.020 clubes registrados, sendo que 874 agremiações são profissionais ativas. A região Sudeste é a que aloja a maior parte desses times (39%) e a que paga melhor também (média de R$ 15 mil). Já os vencimentos mais baixos estão concentrados no Nordeste (em torno de R$ 1.000). O País possui mais de 360 mil atletas registrados, sendo que 25% são profissionais.
Atrás do sonho de obter salários de primeiro escalão, Luizão acabou se tornando um andarilho da bola. Essa busca tinha um objetivo claro: despontar nos campos, vislumbrar bons contratos e levar uma vida confortável e glamourosa, a exemplo dos grandes nomes do futebol
“Tive boas condições de trabalho em Goiás. No Estado de São Paulo, o Noroeste e o Mogi Mirim também ofereceram boa estrutura. Mas nos outros clubes em que passei, só tive problemas: Inter de Limeira, Inter de Santa Maria, Uberaba, Tombense, entre outros. Aí você vai ficando mais velho e não tem mais paciência. Quando o dirigente vem com aquela conversa de que só vai poder pagar depois, já sei onde isso vai terminar. E, no meu caso, tenho família para sustentar”, comentou o ex-zagueiro ao Estadão.
Nesse período em que rodou o Brasil, Luizão disse que os salários giravam em torno de R$ 2 mil. “Às vezes um pouco mais, às vezes um pouco menos”. Desde que decidiu encerrar o ciclo no futebol, a sua vida mudou. E a troca dos campos pelo trânsito de São Paulo foi a opção escolhida para pagar as contas. Com a rotina atual de motorista de uma empresa de fretes, Luizão acorda antes mesmo de o dia clarear.
Às 4 horas ele já está de pé. O expediente tem início às 6h e normalmente acaba após o horário de almoço. Dependendo do volume de serviço, o dia de trabalho ainda pode se alongar. O ex-zagueiro dirige de 100 a 150 quilômetros por dia e atende as regiões norte, sul, leste e oeste da metrópole paulistana.
Mas o fato de ter pendurado as chuteiras não afastou Luizão dos campos. Bastante requisitado para jogar na várzea, ele reforça o orçamento familiar atuando aos sábados e domingos. “Dá uma média de R$ 700 a R$ 800 por jogo. Mas, com a pandemia, todos os campeonatos foram suspensos e acabei ficando sem esse dinheiro”, lamentou.
Num comparativo a esse cenário de penúria para a maioria dos jogadores que atua no Brasil, Neymar é um objetivo quase inalcançável para quem corre atrás da bola. Principal nome brasileiro em atividade no planeta, o atacante revelado pelo Santos embolsa R$ 405 milhões ao ano. Se for considerado os rendimentos com publicidade e patrocínio, as cifras alcançam R$ 501 milhões.
O estudo indica que cerca de R$ 52 bilhões são movimentados no futebol aqui no Brasil. De acordo com a pesquisa, 80% do valor total dos salários está concentrada em apenas 7% dos atletas.
Para Walter Dal Zotto, presidente do Juventude, a chave para tentar iniciar uma mudança passa, em primeiro lugar, por uma reformulação estrutural no futebol brasileiro. Isso tem relação direta com um calendário que permita aos times estar em atividade o ano inteiro. “A minha ideia é estruturar e melhorar o calendário brasileiro. Ampliar o número de divisões. Teríamos de estruturar mais divisões no Campeonato Brasileiro porque existem clubes de camisa pesada na Série D que não conseguem subir”, afirmou.
O dirigente defende ainda que uma pequena reestruturação de recursos financeiros poderia dar mais condições para os clubes menores se manterem. “Tem muito dinheiro na Série A. Um porcentual mínimo desses recursos poderia ser canalizado para as Séries C e D e outras divisões. Assim, teríamos competições organizadas o ano inteiro para essas equipes. E com calendário já definido, elas poderiam investir mais, conseguir patrocinadores”, comentou.
Para Junior Chavare, gerente de futebol do Bahia, a melhora salarial dos jogadores que atuam em times mais modestos tem de estar diretamente ligada à estabilidade dos clubes. “Só com equipes competitivas e com a questão financeira em dia é que a remuneração dos atletas pode melhorar. Nas condições em que se trabalha atualmente, é difícil exigir algo a mais. Hoje o que deveria ser obrigação, pagar em dia, é muitas vezes uma exceção. Infelizmente a gente sabe que isso não acontece”, comentou o dirigente.
Para Rinaldo Martorelli, presidente do Sindicato dos Jogadores de São Paulo, a mudança também passa necessariamente pela responsabilidade dos dirigentes que comandam os clubes. “Tem muita gente que entra no futebol e acha que vai ficar milionário. Não tem compromisso. Muitos dirigentes contraem as dívidas em nome dos clubes, não pagam, e vão embora. É uma sequência de coisas. Há uma mentalidade muito mais voltada ao descumprimento, ao inadimplemento, do que o contrário. Isso acontece porque não há punição pessoal”, afirmou o dirigente.
Esses desmandos, na opinião de Martorelli, têm como consequência o enfraquecimento dos clubes e os baixos salários pagos aos jogadores. “Os caras não têm condição de bancar salário e aceitam qualquer coisa porque não vão pagar mesmo e não têm responsabilidade.”
Para Marco Aurélio Cunha, ex-diretor da CBF e atualmente executivo de futebol do Avaí, além da concorrência ser muito grande no meio do futebol, o mercado é seletivo. “O gargalo é muito fino. Vamos imaginar que entre as Séries A, B e C tenham 60 times com cada clube dispondo de 30 jogadores em seu plantel. Por alto teremos 1.800 atletas em todas as três divisões. Nessa fatia, você vai ter uns 600 jogadores com vencimentos muito bons. O resto vai ganhar entre R$ 1.000,00 e R$ 5.000,00 mesmo.”
Outro fator que precisa ser levado em conta, segundo Cunha, é o tempo útil de atividade. “Em um banco você entra e pode se aposentar. No futebol, você vai se doar até os 35 anos e, se ganhar de 2 a 5 salários mínimos, vai ser aquilo ali mesmo. E muitos não pensam no pós-carreira. Os ricos não se preparam, imagine os pobres. O futebol de grandes salários é uma ilusão”, comentou Cunha.