Pais e mães de crianças e adolescentes com Transtorno do Espectro Autista (TEA) realizaram uma manifestação na porta da Secretaria de Saúde do Estado (Sesab), no CAB, na segunda-feira (4), para cobrar o cumprimento da liminar que garante o tratamento para esse grupo na Bahia. O prazo para divulgação do plano de ações expirou no dia 26 de agosto, sem resposta, e pais reclamam de uma movimentação do governo do estado para tentar derrubar a liminar.
O ato contou com cerca de 150 pessoas, entre mães, pais e crianças com TEA. Segundo a organizadora, Tatiane Costa, os manifestantes cobravam a divulgação do plano de ações e o início do tratamento até 15 de setembro, como determina a decisão judicial.
“Nós, mães, criamos um documento, caso o governo precise de ajuda na questão desse protocolo. A gente não pode esperar e nossos filhos não podem esperar, tem crianças com mais de 7 anos na lista de espera e nós já esperamos mais do que devíamos. Nossos filhos têm emergência e urgência pra agora, a gente precisa que a liminar seja cumprida”, afirma Tatiane, mãe de Nairobi Souza Moura, de 4 anos, autista de nível 2 de suporte.
Esse relato dela se dá porque, na quinta-feira passada, dia 31 de agosto, houve uma reunião entre a Procuradoria Geral do Estado (PGE) – órgão que faz a função de advogado do governo estadual – e a Defensoria Pública (DPE), que ajuizou a ação civil pública cobrando o tratamento. O encontro discutiu a possibilidade de fazer um acordo para suspender os efeitos da liminar – evitando a judicialização em segunda instância – e criar um grupo de trabalho para elaborar um protocolo de atendimento de TEA na Bahia.
Voltando à reunião de ontem, Tatiane Costa revela o teor do que foi tratado entre as famílias e a Sesab. “As mães tiveram falas marcantes contando relatos de seus filhos, a importância de que a nossa liminar seja mantida e não admitimos que ela seja extinta, que foi o que o governo tentou na semana passada. Falamos da falta de medicação e de médicos para que possam trocar a receita das crianças. Tem crianças que estão sendo trancadas em casa porque não possuem um médico para trocar a medicação, e o remédio que está sendo usado hoje não cobre tudo que a criança necessita para diminuir o nível de agressividade”, detalha.
O TEA é um distúrbio caracterizado pela alteração das funções de neurodesenvolvimento, interferindo na capacidade de comunicação, linguagem, interação social e comportamento do indivíduo. O Ministério da Saúde afirma que o diagnóstico precoce permite o desenvolvimento de estímulos para independência e qualidade de vida das crianças.
De acordo com o Coletivo de Pais e Mães Atípicos da Bahia, cerca de 2 mil pessoas aguardam por tratamento em Salvador. A principal unidade é o Centro de Referência Estadual para Pessoas com Transtorno do Espectro Autista (CRE-TEA), no Campo Grande.
A líder do grupo Autimais, Bárbara Donato, é mãe de duas crianças autistas e disse estar indignada. “A gente esperava que houvesse alguma tentativa do governo de atrasar o cumprimento da medida, mas não que tentassem derrubar uma liminar que garante direitos para crianças autistas. A criação do grupo é importante e a gente apoia, mas essa é uma medida a médio ou longo prazo, e nossas crianças não podem esperar”, protesta.
O pequeno Nairobi tinha 3 anos quando os pais começaram a perceber comportamentos fora do padrão. Só corria na ponta dos pés, não comia nada da cor verde e apresentava muita dificuldade em desenvolver a fala. Após consultas a uma fonoaudióloga e a uma neuropediatra, o diagnóstico saiu no final de 2022: autismo.
“Começamos o tratamento e não seria necessário o uso de medicamento. As consultas seriam a cada três meses, e ele deveria ser acompanhado por equipe multidisciplinar, mas isso não aconteceu. Em Salvador, existe uma fila de cerca de 2 mil pessoas aguardando para ser atendidas. O CRE-TEA não consegue dar conta da demanda”, afirma Tatiane.
O intervalo entre as consultas passou a ser de cinco meses, e Nairobi regrediu no tratamento. Agora com 4 anos, voltou a fazer as necessidades fisiológicas nas roupas e precisa usar medicação – que causa efeitos colaterais. Em março, Tatiane acionou o governo do estado na Justiça para conseguir o tratamento para o filho e descobriu que havia outras mães na mesma situação. Ao todo, 40 famílias participam da ação coletiva que busca tratamento para todas os pacientes do estado.
Em 16 de agosto, o juiz Walter Ribeiro Costa Júnior, da 1ª Vara da Infância e Juventude, expediu decisão liminar determinando que o Estado ofereça o atendimento adequado, seja pelo Sistema Único de Saúde (SUS) ou pela rede privada, em um prazo de 30 dias. Portanto, até 15 de setembro.
“Analisando-se cuidadosamente o procedimento preparatório, fica evidente que o direito à vida de crianças e adolescentes encontra-se ameaçado caso não seja determinado o acesso ao tratamento multidisciplinar dessas e que uma eventual demora na adoção de tal providência poderá lhes causar graves danos”, afirmou o magistrado na sentença.
Além disso, o governo ficou obrigado a informar, no prazo de 10 dias, um plano com as medidas adotadas para expansão do acesso ao tratamento multidisciplinar pelo aumento no número de vagas para atendimento, a celeridade no procedimento ou outra estratégia pensada pelo poder público. No mesmo prazo, também deveria ter sido apresentado o cadastro e a relação de todos os requerimentos de solicitação para acesso a tratamento multidisciplinar, deferidas ou em análise, registrados nas unidades de referência e na Sesab. O prazo encerrou no dia 26 agosto.
Sesab anuncia construção de 15 centros especializados de reabilitação
A Sesab anunciou, após a reunião com os pais de crianças com TEA, que o governo do estado “construirá 15 Centros Especializados de Reabilitação (CER) e convocará municípios a ampliarem atendimento a pacientes com Transtorno de Espectro Autista”.
De acordo com o comunicado da Sesab, esses 15 novos centros serão unidades matriciadoras. Atualmente, há três unidades matriciadoras: o CRE-TEA, o Centro Estadual de Prevenção e Reabilitação da Pessoa com Deficiência (Cepred) e o Centro Especializado em Reabilitação das Obras Sociais Irmã Dulce.
De acordo com a diretora da Gestão do Cuidado da Sesab, Liliane Mascarenhas, “pessoas com TEA apresentam necessidades básicas e devem ser acolhidas, de preferência, inicialmente nas Unidades Básicas de Saúde e ambulatórios especializados. Em caso de necessidades específicas, devem ser encaminhados para os CERs”.
Apesar do pedido da reportagem, a PGE não comentou sobre a reunião anterior com a Defensoria Pública, em relação à liminar. O órgão participou da reunião de ontem, com o procurador chefe da Procuradoria Judicial, Ronaldo Nunes.
“A Procuradoria Geral do Estado da Bahia informa que está em diálogo permanente com a Defensoria Pública do Estado e técnicos da Sesab debatendo as melhores alternativas de atendimento às necessidades e o acesso do Tratamento Multidisciplinar do protocolo TEA para crianças e adolescentes atípicos. Na última reunião realizada, diante da complexidade da questão, os órgãos envolvidos optaram pela continuidade do diálogo administrativo e o chamamento do município de Salvador para os debates, pois o mesmo é o ente responsável pelo gerenciamento da regulação desta problemática”.
Já a Defensoria Pública afirmou que “ainda não houve nenhuma modificação processual na liminar sobre o Tratamento Multidisciplinar do protocolo TEA para crianças e adolescentes atípicos”. E acrescentou que “os defensores públicos que realizam o atendimento inicial e protocolam a petição inicial não atuam no acompanhamento dos processos nas varas judiciais”.
Conheça os sintomas mais frequentes em pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA)
Existem alguns comportamentos que merecem a atenção dos pais e mães porque podem ser indícios de Transtorno do Espectro Autista (TEA), mas apenas uma avaliação multidisciplinar por médicos e outros profissionais pode dar o diagnóstico. Havendo a manifestação das características abaixo, a orientação é buscar profissionais capacitados para avaliação.
Bebê de 9 meses:
• Não aguenta seu próprio peso nas pernas (com ajuda)
• Não se senta com ajuda
• Não balbucia (“mamã”, “baba”, “papá”)
• Não faz brincadeiras que envolvem imitação
• Não olha quando é chamado pelo nome
• Não parece reconhecer pessoas familiares
• Não olha para onde você aponta
• Não passa um brinquedo de uma mão para a outra
Bebê de 1 ano de idade:
• Não consegue manter-se de pé com ajuda
• Não procura pelas coisas que ele vê você esconder
• Não diz palavrinhas como “mamãe” ou “papai”
• Não aprende gestos como “dar tchau” ou balançar a cabeça (para “não”)
• Não aponta para as cosias
• Perdeu habilidades que tinha
Bebê de 18 meses de idade:
• Não aponta para mostrar as coisas para as pessoas
• Não anda
• Não sabe para que servem coisas que ele já conhece
• Não imita os outros
• Não segue instruções simples (como “pegue o brinquedo”)
• Não adquire novas palavras
• Não fala, pelo menos, 6 palavras (excluindo repetições)
• Não percebe (ou parece não dar importância) quando o pai ou a mãe chegam ou saem
• Perde habilidades que já tinha
Bebê de 2 anos idade:
• Não usa frases de duas palavras (por exemplo “dá água”)
• Não sabe o que fazer com coisas comuns como pente, telefone, garfo, colher
• Não imita palavras e ações
• Não segue instruções simples (age como se fosse surdo)
• Não anda de forma estável
• Perde habilidades que já tinha
*Fonte: Associação de Amigos do Autista da Bahia (AMA)