Ariano Suassuna fala sobre o novo livro, morte e legado
Ariano Suassuna se equivocou. Quando perguntado sobre o valor de sua obra, disse que o escritor só poderá ser avaliado anos depois de morto. A regra não lhe cabe. E sobre a morte, reage: “Não gosto da ideia de ter ‘medo de morrer’. Sou paraibano e não gosto de confessar que tenho medo (risos). Eu conheço a palavra ‘medo’, porque li no dicionário”, disse em entrevista exclusiva ao Diversão & Arte.
Indagado se o Brasil se ressente por não ter um Nobel de literatura, o mestre nordestino foi enfático ao dizer que é o Prêmio Nobel que deve estar sentindo falta de um brasileiro. “Parece-me um prêmio político.” Sobre seu novo livro, produzido em segredo, ressurge o poeta Ariano. Ele revela apenas que se trata da reunião do Suassuna dramaturgo, romancista e poeta, cujo título é O jumento sedutor.
O senhor se considera um cânone da literatura brasileira?
Eu sou escritor. O escritor convencido, além de antipático, é um indecente. Acho que só se pode avaliar o valor de um escritor muito tempo depois da morte dele.
Será que o senhor pode antecipar algo sobre a obra na qual está trabalhando atualmente?
Eu não posso dizer muito, pois minha editora pediu para eu não falar demais (risos). É um livro onde tento unir teatro, poesia e romance. Sou mais conhecido como dramaturgo, por causa do Auto da compadecida, menos conhecido como romancista e menos ainda como poeta. Mas, dou muita importância à poesia que faço. Ela é a fonte de tudo que escrevo. Outra coisa que posso antecipar é o título: O jumento sedutor.
Alguma razão especial para o título? É uma homenagem ao livro de um grande escritor que viveu ali pelo século 2: (Lúcio) Apuleio. Ele tem um livro que eu gosto muito, O asno de ouro.
O senhor sempre cita as definições sobre o “cômico” feitas por Kant, Aristóteles e Freud. Qual a sua definição?
Eu não lembro. Está escrita, mas eu me esqueci. Lembro deles, mas a minha mesmo não recordo (risos). Sei que a minha definição tenta fundir aquilo que Kant, Aristóteles, Freud e Bergson disseram. Se eu estivesse com meu livro de estética em mãos, eu te diria.
De que o senhor tinha medo quando criança? Algum personagem, alguma história te assustava?
Não tinha medo não. Sempre tive mais medo de gente do que de fantasma. A minha mãe nos contava essas crendices, mas eu nunca levei muito a sério não. Inclusive, há um desses personagens que sempre achei excepcionalmente cômico, talvez por causa de Monteiro Lobato, que levava esse tipo de coisa na graça também. Eu era um bom estudante, tirava boas notas, gostava muito de ler e minha mãe comprou para mim a obra completa de Monteiro Lobato. Passei então a achar graça de um bicho de suas histórias, a mula sem cabeça, que solta fogo pelas ventas (risos).
Consegue traçar um paralelo entre o seu trabalho e o de Monteiro Lobato?
Emília representa para Lobato o que João Grilo representa para mim. Isso de levar as coisas na brincadeira, na graça, no ridículo. A primeira vez que fui a São Paulo foi em 1948. Eu tinha 20 anos. Estava numa livraria, quando vejo do outro lado Monteiro Lobato! Devo ter feito uma cara de tal espanto, que ele próprio veio até mim e disse: “Boa tarde”. E não me ocorreu coisa nenhuma se não responder: “Boa tarde!” (risos). Em julho daquele ano, ele morreu. E eu perdi a oportunidade de falar com meu ídolo.
Auto da compadecida é sua obra mais conhecida, como o senhor mesmo atesta. O que a difere das demais?
Acho que foi a televisão. Olha, o número de pessoas que assistiu, mas que nunca leu, é enorme (risos). Na aula-espetáculo na Caixa Cultura, conheci um menino de 12 anos, chamado Nathanael. Ele disse que me admirava desde muito menino e que tomou conhecimento do Auto da compadecida na escola. Segundo ele, a melhor parte era da “cadela da mulher do padeiro”. Foi quando percebi que ele não tinha nem lido, nem visto a peça, já que originalmente era um cachorro. Cadela foi criação dos diretores. (Diário de Pernambuco)