Panfleto do governo de Pernambuco orienta contratação de garotos de programa
“A cartilha culpa os homossexuais por morrerem. É uma forma do estado dizer que sua política de segurança é ineficiente e quais os lugares um gay deve circular”, denuncia Lucas ao Diario. Essa é uma das muitas críticas que o publicitário faz ao material. A publicação, que foi produzida ainda na gestão do ex-governador Eduardo Campos, já falecido, foi reimpressa na gestão atual de Paulo Câmara (PSB). O folder tem apenas quatro páginas e contém cinco orientações básicas (clique na reprodução e confira o material na íntegra). A primeira, por exemplo, aconselha o público LGBT a sair “sempre acompanhado de amigos” para evitar que possíveis criminosos causem danos. “Esquematize seu retorno para casa, buscando ruas de grande circulação de pessoas”, diz um trecho.
O segundo conselho é mais polêmico. O material reforça que o público LGBT evite se encontrar com parceiros em locais como “ruas escuras ou muito afastadas de vias públicas”, incluindo aí “terrenos baldios, construções abandonadas, canaviais e matagais fechados”. Esta orientação é balizada com um número: 50% dos homicídios contra gays teriam acontecidos nestes locais. O folder, no entanto, não apresenta o ano exato desta estatística, nem cita a fonte. “É uma forma também do estado mandar as pessoas mudarem, se adequarem ao frequentar possíveis locais mais seguros. O conteúdo é ofensivo e quero que o governo recolha para fazer uma nova edição”, completa Lucas ao afirmar que deve realizar uma queixa ao Ministério Público de Pernambuco.
E se o assunto é números, o terceiro “conselho” – no caso, mais uma orientação do folder publicado pelo governo de Pernambuco – chama a atenção. Ao alertar mulheres sobre a violência doméstica, e até incentivá-las a realizarem denúncias, o material afirma que 100% dos homicídios voltados contra a população de lésbicas ocorrem em casas ou nas proximidades. O mais grave é que esses assassinatos, da forma como são apresentados, diz que são cometidos “por companheiras ou ex-companheiros inconformados com a orientação sexual da antiga parceira”. Mais uma vez, deixam de ser reveladas as origens desta estatística violenta no estado e, por que não, a gravidade da conclusão: colocar a culpa desses crimes em torno dos possíveis companheiros.
“Tutorial” de como contratar garotos de programa
Existe uma melhor forma para contratar garotos de programa? Para o folder da Secretaria de Direitos Humanos, sim. Na quarta orientação do material, o estado manda não “procurar o marcar programas com profissionais do sexo em sua residência”. Os locais indicados são motéis e hotéis que possuem sistema de câmeras para identificar eventuais malfeitores. “Caso seja inevitável, em casa limite-se a espaços seguros e faça-se percebido por vizinhos e porteiros de sua confiança”. A orientação ainda sugere que a privacidade de quem contrata um garoto seja invadida ao afirmar que é bom deixar sempre alguém ciente de sua “companhia”. Mas o folder também envolve outro tema polêmico: a identidade de gênero.
Na quinta e última orientação, o folheto alerta aos profissionais do sexo que acertem os preços de programas com antecedência, além das preferências sexuais. Neste quesito, no entanto, no caso de travestis e transexuais, a orientação é que revelem sua identidade de gênero para evitar “surpresas”. Debates sobre esse tipo de identidade é complexo, até porque existem transexuais que se consideram “mulheres” e ou “homens” e não aceitam rótulos sociais como “travestis” mesmo “transgênero”.
O folder é alvo de críticas também do doutor em história pela Unicamp e professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) Tiago Melo Gomes, especialista em história e gênero. “O conceito central é que quem tem de mudar o comportamento são as vítimas, e não os criminosos”, disse ao Diario. “É como dizer ‘mulheres, andem em grupos de 50 pessoas vestidas de muçulmanas se não quiserem ser estupradas’”, compara o professor. Para ele, o fato de ser destinado especificamente aos homossexuais, ou público ao público LGBT, é uma forma de preconceito. “O simples fato de ser dirigido aos homossexuais e não aos criminosos já faz com que seja um absurdo completo”.
Secretaria diz que orientação também “serve para mulheres e idosos”
O gerente de Promoção e de Defesa dos Direitos Humanos Luciano Freitas, que falou sobre a polêmica com a reportagem, declarou que o material foi produzido, inicialmente, para uma Parada da Diversidade. O conteúdo, inclusive, teria sido editado. Na sua avaliação, não há por parte do estado a ideia de “culpar” os homossexuais pela violência cometida contra o público LGBT. Luciano também declarou que os números apresentados no folder são dados que remetem à época em que o material foi inicialmente publicado.
“Para gente, este tipo de crítica e de manifestação é bem-vinda porque faz parte do processo democrático, de participação popular no sentido de dar um feedback nas políticas públicas que são desenvolvidas. Agora, pra mim, a gente tem alguns questionamentos do que foi exposto porque existe uma proposta de inclusão. Aquilo não é uma cartilha, aquilo ali é um folder. Não se trata de uma cartilha. É folder informativo que também é formativo e não tem o objetivo culpabilizar o LGBT”, declarou, por telefone, acrescentando que o material poderá ser modificado com sugestões.
“Ali é um material informativo que ele apresenta algumas orientações no que diz respeito à prevenção. Nós não estamos informando que a homofobia ocorre por falta de cuidados do LGBT”, completou. Para Luciano, a prevenção também serve para outras categorias. “O que estamos disponibilizando são ferramentas para o LGBT, que é vulnerável a violências na sociedade, possa garantir sua segurança evitando locais e horários que em geral, pelo índice de dados policiais, são comprovadamente inseguros. Esse é um tipo de orientação que não só se faz para LGBT, se faz para o idoso, para a mulher….”.